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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Política de Alianças II: os Pais

(Reformulado às 21:33 de 17/12/08)

Permitam-me que ao falar dos Pais comece por falar dos meus. Quando os meus Pais me puseram, e aos meus irmãos, na Escola Pública, tinham um objectivo que para eles era muito claro: que nós ascendêssemos socialmente a um nível mais alto do que o deles. Quando morreram, sabiam que tinham atingido aquele que fora um dos objectivos principais, se não mesmo o principal, das suas vidas. O contrato era tripartido: os meus Pais sacrificavam-se financeiramente o mais que podiam, eu e os meus irmãos empenhávamo-nos o mais que podíamos, e a Escola Pública ensinava-nos o melhor que podia.

Resultou.

Nos cinquenta anos que entretanto passaram, muita coisa mudou. Os objectivos dos Pais, ao porem os filhos nas escolas, são hoje muito mais diversificados e muito menos claros do que eram na altura. Os objectivos dos jovens que frequentam a escola raramente incluem a noção de que estão a cumprir a sua prestação num contrato que os vincula. E sobre os objectivos das escolas ninguém se entende, especialmente porque quem usurpa a autoridade sobre eles é uma nomenklatura de pseudo-pedagogos que infesta o Ministério dito da Educação.

Acredito, porém, que, apesar de todas as mudanças, ainda hoje a maioria dos Pais tem como objectivo a promoção cultural e social dos filhos; e que ainda hoje a maioria dos Pais querem que a Escola Pública os ensine o melhor que possa. Em relação aos Pais de hoje, os meus tinham uma enorme desvantagem e uma enorme vantagem. A desvantagem estava no sacrifício financeiro: os livros eram caros, tinham que se pagar propinas (e daí o esforço que eu e os meus irmãos fazíamos para obter as melhores notas de modo a termos isenção de propinas ou, melhor ainda, bolsas de estudo) e sobretudo tinham que prescindir dos salários com que poderíamos contribuir para a economia doméstica se nos tivessem posto a trabalhar precocemente. A vantagem consistia em poderem dar-se ao luxo de nos deixar andar completamente à solta quando não estávamos na escola: algo que hoje seria impensável, e me faz ter verdadeiramente pena das crianças de hoje.

Não é que há cinquenta anos não houvesse riscos em deixar à solta uma criança de oito ou nove anos: já havia pedófilos e tarados (tanto eu, como os meus irmãos, como a minha irmã nos deparámos com alguns), já havia trânsito caótico (em certos aspectos mais caótico que o actual, e eu por mais que uma vez escapei à justa de ser atropelado), e a preocupação das autoridades com a segurança era mínima ou inexistente (por pouco não morri afogado quando fui com outros da minha idade tomar banho ao rio e deparei com correntes fortes e fundões). O que não havia, era passadores de droga nem gangs de bairros. Hoje, não só o risco é maior, como a percepção do risco é muito maior.

E portanto há aqui um ponto em que nós, professores, temos que ceder alguma coisa: por muito que protestemos contra isso (e eu também protestei) temos que assumir uma parte da responsabilidade pela guarda das crianças. O mundo está demasiadamente perigoso para que possa ser doutra maneira.

Não podemos nem devemos assumir a responsabilidade toda, evidentemente, nem sequer uma grande parte dela: a parte maior tem que continuar a caber aos Pais, e, por meio doutras instituições que não sejam a Escola Pública, ao Estado.

Temos que conseguir fazer passar esta mensagem aos Pais que esperam de nós, como os meus esperavam dos meus professores, que lhes ensinemos os filhos; mas que também se inquietam com a sua segurança. É preciso encontrar o melhor compromisso possível entre o ensino e a guarda das crianças sem esquecer que às escolas deve competir, em primeiro lugar, o ensino. Esta não é a proposta ideal: ideal seria não haver gangs, nem pedófilos, nem passadores de droga, as crianças de hoje poderem gozar da liberdade de que nós gozámos, e a Escola Pública poder dedicar-se inteiramente à sua função de ensinar. Mas é a proposta possível. O que temos que dizer aos Pais, com toda a franqueza, é que a solução que lhes propomos é uma solução de compromisso; e um compromisso, por melhor que seja, nunca passa de um compromisso.

A segunda mensagem que temos que fazer chegar aos Pais é esta: a nossa proposta, embora imperfeita, é muito melhor que a que o Governo lhes faz (ou antes, que não lhes faz; a agenda do Governo nesta matéria é oculta e, se a proposta fosse feita abertamente, a próxima grande manifestação reuniria, além de 120.000 professores, 240.000 pais). O que a OCDE e o governo têm em mente para oferecer aos educadores portugueses e europeus é uma Escola Pública sem ensino. Uma escola que, em vez de ensinar, "qualifica" (Ministra dixit) - isto é, prepara os alunos para as tarefas específicas que a economia requer momento a momento, e nunca para pensarem por si mesmos. Uma escola que em vez de promover a ascensão social, a dificulta propositadamente, de modo a aprisionar as pessoas em castas.

E eu não acredito que os Pais portugueses queiram ver os seus filhos aprisionados toda a vida numa casta destinada a servir meia-dúzia de privilegiados.

Em poucas palavras: a escola que a OCDE e Maria de Lurdes Rodrigues vão impondo aos poucos é exactamente o oposto do que os meus Pais quereriam, se fossem vivos; é exactamente o oposto da escola que eu quero para os meus alunos e para os meus netos; e é exactamente o oposto da que os Pais portugueses querem (pelo menos os que valorizam o ensino e o conhecimento). Ao esconder da opinião pública o modelo de escola que realmente está a construir, Maria de Lurdes Rodrigues está a perpetrar uma fraude gigantesca contra todos os educadores deste País, sejam eles Pais ou Professores.

Como não posso pedir aos Pais que leiam todas as provas do que acabo de afirmar (são literalmente toneladas de papel; a legislação educativa em Portugal é tão complexa que nem o Ministério da Educação a conhece, e por isso tem pago a gabinetes de advogados centenas de milhares de euros para a compilar - até agora sem êxito), como não lhes posso pedir, dizia, que leiam isto tudo, peço-lhes que leiam só a seguinte amostra: primeiro, um organigrama do Ministério da Educação e respectivas dependências regionais; depois o programa de qualquer disciplina do Secundário*; depois, um livro de leitura do 1º ciclo do Ensino Básico, comparando-o com o equivalente de há 50 anos.

E depois decidam por si próprios quem é que está mais empenhado em ensinar-lhes os filhos: se os professores, se o Ministério dito da Educação.


*Se não compreenderem nada do que lá está escrito, não se culpem nem se considerem ignorantes: o defeito não está no leitor, está mesmo no texto.

A seguir: Política de Alianças III: a Direita dos Valores e a Esquerda Iluminista

7 comentários:

Anónimo disse...

Então o caro Luiz agora defende o ensino assistencial da D. Lurdes?
E uma união com a Igreja Católica portuguesa? Ai se o Afonso Costa fosse vivo? Quantas voltas não terá dado, em Seia, no seu túmulo?
Então agora o meu amigo quer enterrar de vez os professores?
Não percebo.
C. Félix Fernandes

Anónimo disse...

Considero esta notícia muito interessante e muito importante.

"Pais e E.E. das escolas de Chaves estão com os professores na luta contra o modelo burocrático de avaliação

As associações de pais das escolas de Chaves vão reunir, no dia 18/12/08, para aprovar a seguinte moção:
“As Associações de Pais/Encarregados de Educação do Agrupamento Vertical da Escola EB2/3 Dr. Francisco Gonçalves Carneiro, da Escola Secundária com 3.º Ciclo Fernão de Magalhães, da Escola Secundária com 3.º Ciclo Dr. António Granjo, da Escola Secundária com 3.º Ciclo Dr. Júlio Martins, do Agrupamento Vertical da Escola EB2/3 Nadir Afonso e do Agrupamento Vertical da Escola EB2/3 de Vidago, reunidas em 18 de Dezembro de 2008 para analisar os efeitos do novo modelo de avaliação de desempenho da actividade docente no quotidiano das escolas vêm por este meio comunicar o seguinte:
· Perante a cega teimosia do Governo em querer manter um modelo de avaliação de desempenho da actividade docente já completamente desacreditado e que trará consequências muito negativas às Escolas Públicas do nosso país e, por isso, aos nossos filhos/educandos, as Associações de Pais/Encarregados de Educação das Escolas e Agrupamentos de Escolas acima referidas decidiram por unanimidade declarar todo o seu apoio aos professores na contestação deste modelo de avaliação, estando dispostas a participar nas manifestações de rua e noutras iniciativas com a adopção de medidas ainda mais drásticas até que o Governo consiga ouvir a voz do bom senso e suspenda o referido modelo de avaliação de desempenho. Neste momento, a luta dos Pais/Encarregados de Educação é ao lado dos Professores, na defesa de uma Escola Pública de qualidade, tranquila, onde ensinar e colaborar na formação integral das novas gerações seja prioridade assumida, onde a colaboração e a solidariedade sejam exemplificadas pela actuação dos Professores, onde o aluno seja, efectivamente, o centro das preocupações das Escolas e dos Professores. Estamos, também, de luto e em luta, contra a prepotência e arrogância que este Governo tem mostrado nesta matéria. A maioria absoluta não pode servir de pretexto para desrespeitar a vontade dos cidadãos deste país. Esta vontade já foi suficientemente expressa e terá de ser aceite para o bem de Portugal e das novas gerações de Portugueses.”
Fonte: Associaçãodepaisdechaves

www.profblog.org/2008/12/pais-e-ee-das-escolas-de-chaves-esto.html

É muito importante divulgar este Encontro de Pais e E.E. de Chaves.


A maior parte dos professores são pais e encarregados de educação. Nessa qualidade, podem e devem esclarecer os outros pais e encarregados de educação das escolas dos seus filhos (Associações de Pais e E.E.), sobre o que se está a passar, de facto, na Educação, e quais as consequências totalmente nefastas para os seus filhos, caso estas políticas activas de destruição da Escola Pública e da qualidade de Ensino, deste ME e governo, não sejam travadas por todos, pais, professores e população em geral.

A proposta de reunião das Associações de Pais e E.E., para tomada de posição pública, ao lado dos professores, é muito importante. Bem como a participação em futuras jornadas de luta dos professores - manifestações, abaixos assinados e outras iniciativas.

O exemplo das Escolas de Chaves é excelente.
Ana

Anónimo disse...

Caro C. Fernandes:

Não defendo o ensino assistencial, defendo apenas algumas inevitáveis cedências nesse ponto. Cedências aos interesses dos pais, não às políticas do Ministério, que creio ter deixado claro que considero criminosas; e dos pais, não a todos, mas aos que dão prioridade ao ensino e à escola como instrumento de ascensão social.

Muito menos defendo uma "união" com a Igreja Católica: defendo apenas uma aliança, pontual como todas as alianças, limitada às áreas em que a agenda da Igreja Católica possa intersectar (como me parece descortinar que intersecta) a agenda dos professores.

Safira disse...

Eu acho que a Igreja Católica, como qualquer outra religião incute valores, que é o que faz falta nas escolas. Reparem que há um vazio...ninguém respeita ninguém, não há referências...Enfim! Acho que a moral e os bons costumes nunca fizeram mal a ninguém!

Anónimo disse...

"temos que assumir uma parte da responsabilidade pela guarda das crianças"

Este é o único ponto de que discordo. Defendo que a escola, mais hoje do que ontem, deva assumir essa responsabilidade, mas na condição de haver outros técnicos na escola, especialmente no âmbito da psicologia e da assitência social, para além de ser necessário reforçar os quadros de funcionários não-docentes.
Não me interprete mal: acho que os professores não devem assumir funções para as quais não estão preparados, do mesmo modo que um canalizador não deve arranjar um automóvel. O professor deve ser um investigador, umm pedagogo e um animador cultural. se fizer bem isso, os alunos sairão a ganhar.
De resto, sou todo concordância.

Fernando Nabais
http://osdiasdopisco.blog.pt/

Anónimo disse...

Revejo neste texto do José Luiz, e não só neste, o meu sentir em relação à escola pública. Aqui, destaca o papel da escola como meio de ascensão social. É o aspecto que mais lamento ver perder nas funções da E.P.
Dantes os pais viam na escola a melhor maneira de deixarem futuro aos seus filhos. Em função da minha vivência, e talvez porque somos da mesma geração, também o digo.
No texto manifesta a crença de que ainda hoje é assim, ressalvando, e bem, a meu ver, 'na maioria dos casos'. O meu percurso tem sido feito por escolas inseridas em diversificados meios sócio económicos e culturais e a minha percepção tem-me levado, nos últimos anos, a pensar que já não é assim. Mesmo que muitos pais ainda considerem a escola veicular para a aquisição de meios para enfrentar a vida não é pelas mesmas razões. É apenas porque um emprego exige um certificado, não interessam os meios para o obter.
Dantes a ascensão social era indissociável da aquisição cultural. Hoje não me parece. Hoje importa mais parecer do que ser, interessa mais o espaço preenchido pela carteira do que o espaço ocupado no cérebro.
Ainda que a sociedade tenha essa visão, seria legítimo a política ter outra, mas não. Explora antes esta falta de visão e torna a escola mais barata. Para embaratecer a escola há que proletarizar os professores, reduzir o seu número e a exigência na sua formação. Os pais, mais interessados numa escola de qualidade do que os professores, aparentemente ainda não perceberam isto, e já encontro professores que também não o enxergam.
Ao poder económico, que tem outras escolas para os filhos, interessa assim, reduz o risco de concorrência para os seus filhos. Ao poder político (e aqui está uma das formas de ascensão dos dias de hoje), interessado no poder económico também assim convém.
Hoje, esta conversa não está na moda. A desgraça é que rende votos. Sinto-me na obrigação moral de tudo fazer para que não se eternize esta tendência. A meu ver a democracia não vive só de votos, vive de consciência também.

José Luiz, desculpe um comentário tão longo mas não me contive. E continua, lúcido e produtivo que nos fazes bem.

Anónimo disse...

Teodoro, é um facto que a erosão das classes médias joga contra os professores.

Numa sociedade em que todos sejam, ou muito pobres, ou muito ricos, os pobres "escolherão" a Escola Pública por não terem escolha, e nem sequer lhes passará pela cabeça esperar dela que contribua para a ascensão cultural ou social dos seus filhos; e os ricos escolherão as escolas privadas congorme o peixe que estas tenham para vender (que não é, necessariamente, qualidade de ensino).

Mas as classes médias, embora em erosão, ainda não desapareceram. Ainda há quem não possa pagar as escolas privadas e se sinta por isso no direito de exigir qualidade às escolas públicas. É com estas pessoas que temos que contar, é é a elas que temos que ter alguma coisa para dar em troca.