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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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domingo, 28 de abril de 2013

Porque não voto PS

Há personalidades do PS, ou a ele ligadas, pelas quais sinto a maior e mais sincera admiração. Gente honesta, lutadora, culta, com fome e sede de justiça e consciente de que o actual regime político, em Portugal e na Europa, releva da barbárie e não pode conduzir senão a mais barbárie.

O meu problema com o PS é que isto não basta. A história do PS institucional é uma história de coligações à direita e de aceitação acrítica do debate nos termos que a direita define. O PS institucional parece mais preocupado com a liberdade dos mercados do que com a escravidão das pessoas. É um partido de blairs e schröders que soa mais sincero quando defende a austeridade do que quando a denuncia. Enquanto o Partido Comunista, para bem ou para mal, nunca renegou Marx, o PS renegou John Maynard Keynes - cuja visão da Economia é ainda hoje o "estado da arte", apesar (ou precisamente por causa) da fraude intelectual que o neoliberalismo perpetrou, por encomenda, contra ela.

O PS institucional não pode ter ideias, projecto ou consistência ideológica enquanto no seu debate interno, ou no que dele transparece para fora, Keynes continuar a ser Aquele Cujo Nome Não Pode Ser Dito.

Acresce a isto que o chamado "arco da governabilidade" ou "do poder" coincide em Portugal, como noutros países, com o "arco da corrupção." Não quero aqui fazer juízos morais sobre as pessoas ou sobre os seus vícios privados, mas sim referir o sistema de incentivos que resulta dos nossos vícios institucionais e torna inevitável esta coincidência. O problema central da organização social e política portuguesa é a presença hegemónica de uma oligarquia rentista hereditária que não só acumula riqueza sem a produzir, como entrava muitas vezes a sua produção. A esta oligarquia interessa, por exemplo, a persistência de um sistema de justiça lento e ineficaz e duma burocracia complexa em que só se possa movimentar quem herdou uma rede e uma estratégia de influências. Interessa-lhe também sangue novo, que vai buscar ao mundo da política, criando assim um incentivo perverso a que o PS institucional não pode, naturalmente, estar imune.

Não admira, assim, que eu, cidadão eleitor, não saiba sobre o PS institucional aquilo que preciso de saber, ainda que saiba o que pensam este ou aquele dos seus membros. Implicando a luta política consensos e rupturas, não sei a que consensos e a que rupturas está disposto o PS. Há, hoje mais do que nunca, linhas que não devem ser ultrapassadas; mas eu, eleitor, não sei onde o PS traça as suas. Em relação a muitas matérias de interesse vital para Portugal e para a Europa, sei o que o PS deseja, mas não sei o que ele exige - e muito menos se continuará a exigi-lo caso se torne poder.

Não falo de pessoas. Falo de agendas e de ideias. E também, confesso, de fantasmas. Não voto num PS ainda hoje assombrado, como outros partidos sociais-democratas ou trabalhistas europeus, pelo espectro sorridente e esquivo de Tony Blair.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Apenas um devaneio


Ninguém que tenha visto Casablanca se pode esquecer da cena d'A Marselhesa. Durante muito tempo uma das minhas fantasias foi poder cantá-la nas fuças da Thatcher, ou do Reagan, ou de um dos presidentes Bush. Porque cantar é em si mesmo um acto revolucionário. Uma pessoa como eu, que "não sabe cantar" mas acompanha nas manifestações o Coro de Intervenção do Porto depressa se dá conta que o acto físico de abrir o peito e a voz constitui uma propedêutica para a atitude mental que possibilita a revolta.

Assim aprendi a cantar na rua a Grândola, a Maria da Fonte, o Acordai. Mas não me livrei da minha velha fantasia sobre A Marselhesa. E, se num dia de visita da troika, nos reuníssemos no Terreiro do Paço, em frente ao Ministério das Finanças - coros, bandas, pessoas que como eu não sabem cantar - e lhes cantássemos a Marselhesa? De maneira que eles pudessem ouvir? Talvez com altifalantes, sei lá... Chegariam as imagens às televisões francesas? E às alemãs? E como seriam lidas numa margem e na outra do Reno?

E, já que estou em maré de devaneio: porque não boinas frígias, pés nus, peitos à mostra?

Não, não creio que isto vá acontecer. Já basta o ter que cantar em francês... Mas lá que seria lindo, seria.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Nós e a História

A tragédia do ser humano imerso na História é a impossibilidade de distinguir entre os modismos do presente e as traves-mestras do futuro.

terça-feira, 2 de abril de 2013

O neoliberalismo quer fazer crer que não existe.

Os neoliberais dizem que não sabem o que é o neoliberalismo. O neoliberalismo é a doutrina segundo a qual a liberdade é incompatível com a igualdade, e portanto uma sociedade é tanto mais livre quanto mais desigual.

A doutrina é falaciosa, porque faz decorrer duma premissa que só é válida se definirmos "liberdade" e "igualdade" em termos abstractos e absolutos uma conclusão que se pretende válida em termos concretos e relativos.

A doutrina é contrária aos factos: a "liberdade possível" - a única a que podemos aspirar - não só permite, como exige, a "igualdade possível". A desigualdade extrema só se pode impor pela força e os seus beneficiários procuram, mais do que a riqueza, o domínio sobre os outros. Com excepção de uns poucos, que são conhecidos e se manifestam, qualquer bilionário preferia ser um pouco menos rico num mundo mais desigual do que um pouco mais rico num mundo mais igual.

Basta olharmos à nossa volta, especificamente para a história dos Estados Unidos da América e da Europa desde 1980, para confirmarmos que o neoliberalismo existe, e que não funciona a não ser em benefício de muito poucos. O neoliberalismo não aumentou a liberdade de ninguém a não ser a de quem já tinha poder a mais; pelo contrário, diminuiu a liberdade de quase todos face ao Estado, face às corporações, face às oligarquias e face às máfias.

E, se olharmos para os últimos seis anos, veremos mais: veremos que a doutrina neoliberal é extremista, revolucionária, violenta e tão perigosa, ou mais, como qualquer das outras ideologias totalitárias que marcaram o século XX. Se o maior trunfo do Diabo está em fazer crer que não existe, o nosso maior trunfo está em apontar-lhe o dedo.

O último campo de concentração alemão é o Euro. Chipre vai liderar a evasão?


Chipre Vai Liderar a Evasão da Eurozona

--- Christopher T. Mahoney



"A economia de Chipre vai agora atravessar um longo e doloroso período de ajustamento. Mas depois pagará o empréstimo quando assentar numa sólida fundação económica."

 
---Wolfgang Schauble, ministro das finanças alemão



Os economistas anglófonos têm advogado a saída do euro dos países periféricos da Eurozona desde o início da crise há três anos. Recomendam a saída porque a "desvalorização interna" é incomparavelmente mais destrutiva do que a desvalorização externa, e porque esses países precisam de inflação e não de deflação. O contra-argumento da Europa tem sido que a saída provocaria o caos, somado à ameaça de interromper os fluxos oficiais. Os países excluídos da generosidade da UE teriam supostamente que equilibrar de um dia para o outro as suas contas correntes. Também se argumenta que, à medida que a nova divisa vá perdendo valor, a dívida denominada em euros aumente tanto em termos nominais como reais.

Os argumentos europeus contra as saídas do euro são feitos em causa própria: os credores nunca aconselham os seus clientes a reduzir as suas dívidas. Quanto mais dívida a Europa conseguir carregar sobre esses países, mais provável se torna que os fluxos se invertam, e maiores serão as vantagens do incumprimento para os devedores. Todos os países periféricos deviam ter abandonado o euro quando a crise começou, antes de incorrerem em dívidas enormes e infligirem miséria a si próprios sem qualquer vantagem. No fim, todos os países periféricos serão forçados pela dívida a deixar o euro, a menos que o Banco Central Europeu esteja disposto a abrir as comportas monetárias imediatamente. Todo o desemprego e bancarrota em que estão a incorrer é pura perda. No fim, os países periféricos terão que sofrer a dor da desvalorização interna acumulada com a da saída do euro e do incumprimento.

A destruição estouvada que este processo implica é profundamente desanimadora. Milhões de vidas estão a ser sacrificadas no altar duma ideia mal reflectida, a noção da Europa como um "país" É um pouco irónico que a Europa capitalista tenha conseguiddo uma vitória sobre o comunismo só para tropeçar vinte anos mais tarde nas suas contradições internas. A contradição interna é a crença protestante de que todos os países precisam de divisas fortes, ou que as devem ter em todo o caso mesmo que nãao precisem delas.

Os credores não gostam da bancarrotas, e fazem tudo o que podem para a evitar, incluindo emprestar dinheiro ao devedor para pagar juros (ex., a América Latina nos anos 80). Além disso, ameaçam o devedor com consequências funestas no caso de não cumprir. Não querem que o Devedor #1 vejo o Devedor #2 livrar-se das suas dívidas e começar uma vida nova. Em vez disso, tentam negociar com o Devedor #1 de maneira que ele não entre em bancarrota. Os credores não fazem estas coisas para ajudar o devedor; fazem-nas para proteger o seu próprio capital.

O fim do jogo para os países periféricos virá quando a dor da depressão perpétua exceder o medo da saída. Para alguns países, esse dia chegará daqui a um ano ou dois. Para um país o dia já chegou: nomeadamente, Chipre. Até Chipre, a mensagem da Europa era "se saíres, deitamos fogo às tuas colheitas e ao teu celeiro". Mas para Chipre, a Europa já deitou fogo às suas colheitas e ao seu celeiro. Não sobra nada que possa ser salvo, e portanto não sobra razão nenhuma para entregar mais um tostão que seja aos extorcionistas.

Os cipriotas estão em plena catástrofe nacional que os vai forçar a escolhas difíceis num futuro muito próximo. Não vão demorar muito a pegar nas calculadoras e fazer as contas. Têm duas opções: (1) ficar na Eurozona e carregar uma dívida insuportável até à eternidade; ou (2) sair do euro, não pagar a dívida e restaurar a sua soberania monetária. Uma vez que vão ter que se declarar em incumprimento aconteça o que acontecer, mais vale que o façam agora e recolham em simultâneo o benefício da desvalorização.

A situação de Chipre é semelhante à da Argentina, mas não exactamente. A Argentina escapou de um fardo de dívida insustentável repudiando unilateralmente a sua dívida. As coisas passaram a correr-lhe muito melhor em resultados disto, mas continua a ser um país fora-da-lei, perseguido em todo o mundo por credores furiosos. Chipre não precisa de repudiar a sua dívida de um modo tão atabalhoado.

Para começar, a maior parte da dívida de Chipre é para com a Europa, não para com investidores privados. Chipre pode reduzir esta dívida recorrendo ao método que os devedores consagraram ao longo do tempo: “Dá-me qualquer coisa ou não levas nada”. A troika não tem grande poder nesta negociação, a menos que esteja a planear enviar as suas canhoneiras para Limassol. Os investidores podem ser tratados da mesma maneira (ver a Grécia). Qualquer dívida contratada sob a lei cipriota pode ser re-denominada e/ou re-escalonada por decreto. Isto é eminentemente praticável.

A razão por que a Europa "resgatou" Chipre foi impedi-lo de se evadir da Eurozona e dar um mau exemplo aos outros reclusos. Se Chipre escapar e ficar impune, a Grécia segui-lo-á a breve prazo. Os portugueses são "bons europeus", mas a solidariedade regional começa rapidamente a cheirar a velho para quem está a morrer à fome. Portugal vai acabar por sair assim que outros tenham aberto o caminho. (Afinal, Bruxelas não pode declarar Guerra a meia Europa.)
Esperemos que, antes que a podridão se instale com demasiada profundidade no coração da Eurozona (i.e., Espanha e Itália), o Banco Central Europeu veja a luz e reinflacione o continente, evitando deste modo o Armagedão. Para já, a probabilidade é de 50%.

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http://www.project-syndicate.org/blog/cyprus-will-lead-the-eurozone-prison-break-by-christopher-t--mahoney#WeJfT78iMqKa1Ocj.99