A nossa escola anestesia
Luto por uma pedagogia que incentive o prazer da descoberta e da dúvida. Por uma pedagogia que não minta nem desvirtue, que não se esqueça que a vida não é seguir os comboios, que a vida não é olhar para a vida com olhos vazios, carentes de luz de dentro, com brilho ausente para fora, por défice de curiosidade e dúvida. Por uma pedagogia que ensine a dizer obrigado e bom dia.
Luto contra uma pedagogia de ocupação de tempos livres, nas idades em que devia provocar desafios e desconstruir angústias com o fascínio da descoberta. Contra uma pedagogia de encher as fábricas de uma massa uniforme, cinzenta e sem vida. Porque a vida, está mais dentro que fora de nós. Fora, é a vida dos outros, e à boa vida vive acoitado quem vive dos outros. Abomino esta escola que prepara para vénias acríticas, gestos mecanizados e rendimentos alheios.
A técnica e a tecnologia não fazem o mundo. Podem torná-lo mais confortável, só e apenas. A vida não vive de belas estruturas betonadas e pavimentos asfaltados. Renegar o seu lugar, seria negar uma parte de mim. Estudei matérias de engenharias várias, interesso-me por fenómenos físicos e ciências, fascinam-me tensões e equilíbrios de estruturas, desafiam-me teoremas e equações. Mas prefiro a encenação e o deslumbre, a cor, as formas, os aromas, a metáfora, a palavra e o som.
Domino bits e bytes, mas sei que apenas agilizam a vida. Sei que aceleram o mundo, mas não o tornam mais habitável, são um instrumento poderoso, nada mais. Mundo habitável é o mundo habitado por gente que tem mundo por dentro e que respeita o mundo de fora, o da gente e o da natureza. Extasia-me Miró, Ernst ou Klee, não um painel de instrumentos ou uma caixa de velocidades. Não me assustam osciloscópios, mas prefiro gente. Podia escolher engenheiro, escolhi professor. Recusei a gravata e segui o apelo. Perdi uns tostões, sem arrependimento, que quem me inspirou nunca foi algum barão, talvez Rimbaud ou Breton, talvez Cesariny, na palavra, na forma, no vislumbre e na cor, talvez Torga e Gedeão.
A nossa escola, sem ser poesia, finge que prepara andróides anódinos, inofensivos apertadores de parafusos e soldadores de circuitos integrados. A nossa escola não produz seres pensantes, nem proletários qualificados. A nossa escola anestesia.
Supostamente a tendência actual é a qualificação, são as vias profissionais. Mas até isto é um embuste, falácia, marketing e propaganda. Professoras de filosofia ensinam a mudar fraldas. Sociólogos convertem-se em mestres nas práticas hoteleiras. Professores sem horário nas disciplinas para que se prepararam, converteram-se, do nada, em especialistas em novas tecnologias. Será possível, com vontade declarada e formação adequada, mas esta é inexistente.
A formação de professores é outro dado e não cabe aqui senão uma referência incidental. Temo que a formação de ingresso dos futuros docentes, seja coerente com esta sanha de incultura.
O meu modesto mundo pensa que, entre as funções prioritárias e inalienáveis do Estado, está, à cabeça, garantir igualdade de oportunidades, a quem nasce e a quem vive no interior das suas fronteiras. Desengane-se quem acredite que esta preocupação está sempre presente, como deve exigir quem o deseja, quando se pensa a escola, o país e o futuro de todos.
À escola pública vem sendo reservada a função de impedir a promoção cultural e de inviabilizar a ascensão social. Mais do que grave, parece uma barbaridade. Todos os interessados em contrariar esta tendência, pais e professores, precisam unir esforços. Se uns forem comprados com 'migalhães' e certificados a granel e os outros com umas aparas e simplificações, o mundo está perdido, pelo menos o nosso.
A concorrência é incómoda para quem nasce anafado e protegido, há que fingir que a escola de todos é para todos. Fingidores, aprecio poetas e actores. Política educativa não pode ser uma questão de cenário. Enfim, não vejo sentido no sentido que tudo isto leva. Se é obrigatório que a direcção se mantenha, única verdade propalada, que se inverta o sentido. Se esta estrada é única, urge inversão de marcha.
O sentido que levamos é o do abismo, pede uma placa de sentido proibido e, se não for suficiente, que se barre o caminho. Parece que vivemos em democracia. A quem cabe exigir, afinal? A nossa democracia está muito carenciada de polícias de trânsito. A democracia não vive só de votos, sobrevive de consciência.
Teodoro Manuel
Blogue sobre livros, discos, revistas e tudo o mais de que me apeteça escrever...
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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.
..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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