Foi com enorme satisfação que vi, nas manifestações e nas greves dos professores, a profusão de cartazes reivindicando a defesa da Escola Pública. E foi com igual satisfação que vi alguns analistas políticos mais perspicazes começarem a aperceber-se que o conflito entre os professores e o Ministério é cada vez menos de ordem laboral e cada vez mais de ordem política.
Nos próximos meses assistiremos a negociações entre o Ministério e os Sindicatos. O que vai estar em cima da mesa vai ser o Estatuto da Carreira Docente, o Modelo de Avaliação e mais um ou outro afloramento do iceberg que calhe estar na ordem do dia. Sobre estes assuntos, cada uma das partes fará muitas cedências, poucas cedências ou nenhumas cedências conforme o poder negocial que tenha na altura. Nada disto é importante.
O que não estará em cima da mesa é a parte submersa do iceberg. E os professores sabem disso. E porque os professores sabem disso, tanto o Ministério, como os sindicatos estão em pânico. Sentados à volta da mesa, não se ouvirão uns aos outros: terão os ouvidos apurados só para os primeiros sinais de que o Comendador de Pedra se prepara para entrar na sala.
Os gatos saíram do saco e ninguém os vai conseguir meter lá outra vez. Os professores portugueses politizaram-se e ninguém os vai despolitizar. Perceberam que estão frente a frente duas concepções de escolas incompatíveis nos seus pressupostos, na sua concepção do humano e acima de tudo nos interesses que servem. De um lado, aquilo que apareceu referido nos cartazes como a Escola Pública e a que os nossos colegas franceses chamam, talvez com mais propriedade, a Escola Republicana, que se define pelo acesso de todos ao melhor que a nossa civilização oferece. Do outro lado, o inimigo: a escola tecno-burocrata, para a qual não há «civilizações», mas sim «economias», e cujo projecto consiste em ensinar uma pequena elite económica, ficando reservado a todos os outros aquilo a que Maria de Lurdes Rodrigues chama «qualificação».
A luta entre os professores o Ministério da Educação é um conflito de culturas e civilizações. Se permitirmos que o Ministério vença, os nossos netos serão selvagens.
Blogue sobre livros, discos, revistas e tudo o mais de que me apeteça escrever...
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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.
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12 comentários:
Completamente de acordo consigo. É exactamente isso que se passa. Os Professores cansaram-se de assistir, de forma mais ou menos abúlica, à transformação da Escola numa palhaçada.
É, de facto, pelo meu neto e pelos filhos e netos de TODOS os portugueses que continuo a lutar, apesar de já aposentada.
Excelente análise .Eu não saberia estar mais de acordo.e,sobretudo,
dizê-lo tão bem como o amigo disse.
Na mouche, JLSarmento.
O que antevi há uns dois anos e meio, e o verbalizei a muitos, que não entenderam que seria uma questão óbvia.
Em 74 foram os capitães soldados e em 2007/8/9 seriam os capitães professores.
A Democracia está em causa. O ataque vil e continuado ao professorado iria, inevitavelmente, resultar em revolta e em conscientização política dos professores, até por simples defesa pessoal e profissional.
Um post belíssimo que irei divulgar (muito).
Ana
Não são só os professores mas os portugueses todos que têm de escolher entre uma escola promotora de mobilidade social e um país medieval de castas
Teodoro
Que sejas de novo benvindo ao terreiro da luta!
Andas tipo cometa (nada de confusões)! Apareces duas vezes e depois somes. Mas quando voltas é em cheio!
Abraço
Sabe tão bem ouvir falar republicano em Portugal! Parabéns! Luis Mateus
De acordo!
Quanto ao termo republicana discordaria, pela sua conotação!
Antonio Justo
Parabéns. É um belo texto. Uma análise lúcida e que toca na essência da questão.
Concordo plenamente consigo. Nós professores sabemos que o facilitismo da escola pública actual só nos levará para uma realidade onde a ignorância diplomada, juntamente com a ausência de referências morais tirarão todas as hipóteses futuras aos nossos jovens.
Os nosssos governantes terão dado conta disto? Claro que sim ou não teriam colocado os seus educandos a estudar em colégios particulares que se pautam pela disciplina, rigor e exigência, coisas que a escola pública tem sido impedida de implementar.
Caro António Duarte, eu aqui utilizo a palavra «republicana» no sentido original do termo, o de «res publica». Neste sentido da palavra, a Suécia, por exemplo, é uma República apesar de ser, quanto à identidade do Soberano formal, uma Monarquia.
Diria mesmo que neste sentido todas as monarquias europeias são repúblicas, porque em nenhuma delas se nega a soberania popular. Já as monarquias do Médio Oriente não são repúblicas, porque aí o Estado continua a ser o Rei....
Por isso, fique descansado: eu não propugno uma Escola anti-monárquica, nem creio sequer que essa seja uma questão que interesse à Escola: propugno simplesmente uma Escola ao serviço da «Res Publica».
E é precisamente esta escola que os governos andam há trinta anos a tentar destruir em Portugal. Visto isto, e visto também, por exemplo, a maneira como o actual governo tem agido ao serviço duma reduzida oligarquia em detrimento da «Res Publica», chego a perguntar-me se José Sócrates não poderia ser julgado e condenado por crime de Alta Traição...
411, tanto disparate junto.
Não me parece que o termo selvagens esteja bem aplicado aos nossos netos.
Os selvagens respeitam a hierarquia, respeitam o mais velho e conseguem distinguir os seus limites.
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