Blogue sobre livros, discos, revistas e tudo o mais de que me apeteça escrever...
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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.
..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
Pois... Não sabe manter a disciplina...
Dizer que um professor foi agredido por não saber manter a disciplina é a mesma coisa que dizer que uma mulher foi violada por se vestir de modo provocante. Em 2009 vamos acabar com essa história de deitar as culpas à vítima, está bem?
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
Uma mera brincadeira?!
Este país ensandeceu. Não há outra explicação. Eu até admito que a intenção do aluno que apontou uma arma (de brinquedo, mas isto só se soube depois) à cabeça da professora fosse lúdica. Para ele, no momento, pode ter-se tratado mesmo duma brincadeira. Sucede, porém, que isto é de todo irrelevante.
O facto objectivo é que um aluno apontou uma arma (de brinquedo) à cabeça duma professora. Sentiu-se autorizado a fazê-lo porque se tratava, na cabeça dele, duma "brincadeira". Se estava autorizado a isto, a que mais estará autorizado? A que mais se sentirão autorizados outros alunos, noutras escolas?
Conheço vários sistemas educativos, e nem me passa pela cabeça que nalgum deles um episódio semelhante ao que se passou na Escola do Cerco não fosse considerado gravíssimo. Nos de tradição anglo-saxónica, onde as punições são mais duras, aquele aluno estaria neste momento a lutar em tribunal para não ser condenado a vários anos de cadeia. Noutros países, onde as punições são mais brandas, mas também mais expeditas, estaria já internado numa instituição para jovens delinquentes.
Se um dia, neste país de loucos, a pistola for a sério e a professora for morta, espero que aqueles que agora desdramatizam tenham ao menos a dignidade de assumir a sua parte na culpa.
O facto objectivo é que um aluno apontou uma arma (de brinquedo) à cabeça duma professora. Sentiu-se autorizado a fazê-lo porque se tratava, na cabeça dele, duma "brincadeira". Se estava autorizado a isto, a que mais estará autorizado? A que mais se sentirão autorizados outros alunos, noutras escolas?
Conheço vários sistemas educativos, e nem me passa pela cabeça que nalgum deles um episódio semelhante ao que se passou na Escola do Cerco não fosse considerado gravíssimo. Nos de tradição anglo-saxónica, onde as punições são mais duras, aquele aluno estaria neste momento a lutar em tribunal para não ser condenado a vários anos de cadeia. Noutros países, onde as punições são mais brandas, mas também mais expeditas, estaria já internado numa instituição para jovens delinquentes.
Se um dia, neste país de loucos, a pistola for a sério e a professora for morta, espero que aqueles que agora desdramatizam tenham ao menos a dignidade de assumir a sua parte na culpa.
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
Porquè no te callas?
Segundo a Comunicação Social, Jorge Pedreira insinuou que algumas assinaturas do abaixo-assinado entregue pela Plataforma Sindical são falsas. Estas coisas nunca se insinuam: ou se afirmam, ou se fica calado. Insinuar uma coisa destas é prova de fraqueza e desespero.
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Nova Ligação
Na sequência da afirmação que tenho feito de que o ataque do Governo aos professores se insere numa estratégia geral de ataque às classes profissionais mais comprometidas civicamente, pensei em incluir na minha lista de links blogues de médicos e de magistrados. Começo com um blogue dum juiz: Aqui e Agora. Não o conhecia, mas estive hoje a explorá-lo e fiquei a saber algumas coisas que não sabia sobre os "ossos do ofício" duma classe profissional que, tal como a minha, está a ser alvo dum ataque político por parte de forças que não estão minimamente preocupadas com o bem comum.
A cereja em cima do bolo foi descobrir que o meu blogue já faz parte da lista de ligações do Aqui e Agora. Agradeço ao autor e espero que a multiplicação de contactos entre as classes profissionais em Portugal possa contribuir para uma Sociedade Civil mais forte, da qual o País precisa urgentemente.
A cereja em cima do bolo foi descobrir que o meu blogue já faz parte da lista de ligações do Aqui e Agora. Agradeço ao autor e espero que a multiplicação de contactos entre as classes profissionais em Portugal possa contribuir para uma Sociedade Civil mais forte, da qual o País precisa urgentemente.
Comprar a paz com os professores?
Sócrates dixit: se tiver a maioria absoluta nas próximas legislativas, não vai ter que comprar a paz com os professores.
Está redondamente enganado: mesmo que lhe suceda a desgraça de ter maioria absoluta na próxima legislatura (a maioria relativa convir-lhe-ia muito mais), vai ter que comprar a paz com os professores. E vai ter que comprá-la cara: há um ano, ter-lhe-ia ficado relativamente barata, mas desde então o preço não tem parado de crescer.
O mesmo com os juízes, os médicos e as classes profissionais em geral: a parte activa, politicamente sofisticada, socialmente consciente, eticamente responsável e civicamente empenhada da Sociedade Civil a que Sócrates chama, depreciativamente, as "corporações".
Muita sorte terá Sócrates se não tiver que comprar a paz com as classes médias em peso: aí é que o preço seria tão alto que pagá-lo representaria a falência política não só de Sócrates, mas do projecto político que ele encabeça dentro do PS; e quem sabe se não a falência política do próprio PS. E se isto parece exagero, os socialistas que olhem para o PSD: quem vê as barbas do vizinho a arder põe as suas de molho.
Está redondamente enganado: mesmo que lhe suceda a desgraça de ter maioria absoluta na próxima legislatura (a maioria relativa convir-lhe-ia muito mais), vai ter que comprar a paz com os professores. E vai ter que comprá-la cara: há um ano, ter-lhe-ia ficado relativamente barata, mas desde então o preço não tem parado de crescer.
O mesmo com os juízes, os médicos e as classes profissionais em geral: a parte activa, politicamente sofisticada, socialmente consciente, eticamente responsável e civicamente empenhada da Sociedade Civil a que Sócrates chama, depreciativamente, as "corporações".
Muita sorte terá Sócrates se não tiver que comprar a paz com as classes médias em peso: aí é que o preço seria tão alto que pagá-lo representaria a falência política não só de Sócrates, mas do projecto político que ele encabeça dentro do PS; e quem sabe se não a falência política do próprio PS. E se isto parece exagero, os socialistas que olhem para o PSD: quem vê as barbas do vizinho a arder põe as suas de molho.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
A Escola Pública modelo OCDE
Todos a conhecemos. É a que se tem vindo a impor há cerca de trinta anos, não só em Portugal, mas por toda a Europa. É uma escola igualitarista (procura-se que todos obtenham o mesmo "sucesso" sem ter em conta, nem as suas capacidades nem o seu empenho), mas não democrática (dificulta cada vez mais a ascensão cultural e social dos alunos); indisciplinada (os alunos não podem ser recompensados nem punidos e as suas acções não têm consequências) mas totalitária (em cada programa de cada disciplina, a parte destinada à promoção dum pensamento único é mais vasta do que aparte destinada aos respectivos conteúdos); é uma escola que faz prevalecer a aprendizagem através da descoberta sobre a aprendizagem através da instrução (sobre a eficácia relativa dos dois métodos, ler aqui o que Nuno Crato tem a dizer), que desdenha o ensino, a aprendizagem e o conhecimento a favor das competências e da qualificação; é uma escola burocratizada, normalizada e desumanizada que não tem outro objectivo que não seja fabricar a mão-de-obra barata do futuro.
Este modelo de escola propagou-se como uma epidemia pelos continentes europeu e americano. Demorou décadas a impor-se porque teve que lutar contra a natural resistência de muitos pais - que ainda vêem na Escola Pública um instrumento de ascensão social e não, como quer o poder, de perpetuação de castas - e de muitos professores, vinculados, por vezes de um modo quase inconsciente mas muito profundo, a princípios deontológicos antagónicos à vontade do poder político e económico.
A velocidade desta propagação variou muito, na Europa, de país para país. Nos países onde existem Ministérios da Educação centralizados, a epidemia encontrou o vector de propagação ideal. Onde não há Ministérios da Educação, as Escolas e as comunidades em que estão inseridas tiveram tempo de desenvolver anti-corpos que lhes permitem ter ainda uma Escola Pública de qualidade aceitável.
Quem rejeitou de todo estas tretas foram os países asiáticos: Singapura, Taiwan, o Japão, a Índia, a China. Dizem-nos os economistas que o poder político e económico se está a transferir para a Ásia, e dão para esta transferência toda a sorte de razões económicas, políticas e geopolíticas; mas eu pergunto a mim mesmo se o facto de termos feito, há trinta anos, a opção errada em matéria de política educativa, e de ainda hoje persistirmos nela, não terá contribuído também, e não estará ainda a contribuir, para a nossa decadência geopolítica, económica e, pior que isso, civilizacional.
Este modelo de escola propagou-se como uma epidemia pelos continentes europeu e americano. Demorou décadas a impor-se porque teve que lutar contra a natural resistência de muitos pais - que ainda vêem na Escola Pública um instrumento de ascensão social e não, como quer o poder, de perpetuação de castas - e de muitos professores, vinculados, por vezes de um modo quase inconsciente mas muito profundo, a princípios deontológicos antagónicos à vontade do poder político e económico.
A velocidade desta propagação variou muito, na Europa, de país para país. Nos países onde existem Ministérios da Educação centralizados, a epidemia encontrou o vector de propagação ideal. Onde não há Ministérios da Educação, as Escolas e as comunidades em que estão inseridas tiveram tempo de desenvolver anti-corpos que lhes permitem ter ainda uma Escola Pública de qualidade aceitável.
Quem rejeitou de todo estas tretas foram os países asiáticos: Singapura, Taiwan, o Japão, a Índia, a China. Dizem-nos os economistas que o poder político e económico se está a transferir para a Ásia, e dão para esta transferência toda a sorte de razões económicas, políticas e geopolíticas; mas eu pergunto a mim mesmo se o facto de termos feito, há trinta anos, a opção errada em matéria de política educativa, e de ainda hoje persistirmos nela, não terá contribuído também, e não estará ainda a contribuir, para a nossa decadência geopolítica, económica e, pior que isso, civilizacional.
Política de Alianças III: a Direita dos Valores e a Esquerda Iluminista
O grande problema dos professores no que diz respeito a alianças políticas é que, em Portugal, tanto a Direita como a Esquerda que nos poderiam apoiar (isto é, cujas agendas têm zonas de intersecção com a nossa) são claramente minoritárias. Quase não existe uma Direita dos Valores para quem o serviço público e a continuidade das instituições (entre elas a escola) sejam importantes; e a que existe não tem expressão partidária, tendo os seus representantes sido ostracizados há muito tempo, quer do PP, quer do PSD. Existe muita gente na nossa classe política a dizer que a Escola deve transmitir valores, mas parece não ocorrer a ninguém que o valor que lhe compete transmitir antes de mais é a racionalidade. A Direita que predomina no nosso País é a dos interesses, e essa tem uma agenda que é claramente antagónica à dos professores, como já referi antes.
Também a Esquerda republicana e laica, herdeira do Iluminismo, tem estado em regressão. Esta esquerda constituiu em tempos uma componente importante do PS, mas tem sido ostracizada neste partido a favor da pseudo-esquerda tecno-burocrática que hoje nos governa. Os partidos à esquerda do PS têm agendas que intersectam em parte a(s) dos professores, mas que em certas zonas lhe(s) são antagónicas - nomeadamente nos aspectos que dizem respeito ao «eduquês» e às questões disciplinares.
Devemos, portanto aproximar-nos, à Direita, não de partidos, mas de personalidades individuais que estes ostracizaram mas que continuam a ter influência social e a ser ouvidas pela opinião pública. O mesmo à Esquerda: conviria, por exemplo, mostrar ao Dr. Mário Soares que o recente elogio que fez à Ministra da Educação vai ao arrepio daquilo por que ele sempre lutou: não pode haver uma República forte sem uma Escola que esteja ao serviço da República. Mas no caso da Esquerda também há lugar a uma aproximação (cautelosa) aos partidos: o Bloco de Esquerda tem apoiado os professores em aspectos importantes da sua luta, embora não sejam de esperar dele grandes apoios em relação a outros aspectos.
Agora que fomos empurrados pelo Governo do terreno laboral para o terreno político, a nossa luta passou a ser política. E quanto à legitimidade democrática, não devemos ter complexos: legitimidade democrática, temo-la nós, que lutamos pela República, e não quem luta contra ela a favor de interesses particulares.
A seguir: Política de Alianças IV: os Alunos
Também a Esquerda republicana e laica, herdeira do Iluminismo, tem estado em regressão. Esta esquerda constituiu em tempos uma componente importante do PS, mas tem sido ostracizada neste partido a favor da pseudo-esquerda tecno-burocrática que hoje nos governa. Os partidos à esquerda do PS têm agendas que intersectam em parte a(s) dos professores, mas que em certas zonas lhe(s) são antagónicas - nomeadamente nos aspectos que dizem respeito ao «eduquês» e às questões disciplinares.
Devemos, portanto aproximar-nos, à Direita, não de partidos, mas de personalidades individuais que estes ostracizaram mas que continuam a ter influência social e a ser ouvidas pela opinião pública. O mesmo à Esquerda: conviria, por exemplo, mostrar ao Dr. Mário Soares que o recente elogio que fez à Ministra da Educação vai ao arrepio daquilo por que ele sempre lutou: não pode haver uma República forte sem uma Escola que esteja ao serviço da República. Mas no caso da Esquerda também há lugar a uma aproximação (cautelosa) aos partidos: o Bloco de Esquerda tem apoiado os professores em aspectos importantes da sua luta, embora não sejam de esperar dele grandes apoios em relação a outros aspectos.
Agora que fomos empurrados pelo Governo do terreno laboral para o terreno político, a nossa luta passou a ser política. E quanto à legitimidade democrática, não devemos ter complexos: legitimidade democrática, temo-la nós, que lutamos pela República, e não quem luta contra ela a favor de interesses particulares.
A seguir: Política de Alianças IV: os Alunos
domingo, 21 de dezembro de 2008
Não quero ser desavaliado
Ser desavaliado é o contrário de ser avaliado. Consegue-se desavaliar um profissional classificando-o por todos os critérios excepto os que têm a ver com a sua função.
Um empregado de mesa é avaliado pela sua proficiência em atender os clientes, não pela sua habilidade em andar de skate. Se houvesse uma Maria de Lurdes Rodrigues dos restaurantes que insistisse em avaliá-lo pela forma como anda de skate, o senhor queixar-se-ia, com razão, de estar a ser desavaliado em vez de avaliado.
Um médico é avaliado pelo seu desempenho em relação a padrões amplamente estudados e internacionalmente estabelecidos por entidades cientificamente idóneas e independentes dos governos. Se, para um determinado procedimento, a probabilidade de erro estabelecida é "x", um médico que erre menos que "x" é bom e um que erre mais que "x" é mau. Um médico que errasse zero em tudo seria perfeito, mas desses não deve haver nenhum no mundo. O que não passa pela cabeça de ninguém é que um médico seja avaliado, enquanto médico, pela maneira como joga ténis. Isto não seria avaliação, seria desavaliação.
Um vendedor de automóveis é avaliado pelo número e valor dos automóveis que vende e não pela sua capacidade de imitar vozes de políticos. Um engenheiro civil é avaliado pelas suas obras - se a ponte não desaba, se o apartamento não mete água - e não pela graça das anedotas que conta.
De facto, só conheço duas profissões em que a regra não é a avaliação, mas a desavaliação: os juízes e os professores. Aos juízes pede-se que as suas decisões sejam doutas e extensas, sendo absolutamente irrelevante a relação que possam ter com a verdade material: não são avaliados, são desavaliados.
A mim, querem-me exigir tudo e mais alguma coisa - do que ninguém quer saber para nada é da minha proficiência em ensinar inglês e alemão. Não me querem avaliar, querem desavaliar-me.
Se eu pedir para ser avaliado como as outras pessoas - como o empregado de mesa, por exemplo, ou como o engenheiro - estarei a pedir demais? Se os outros são avaliados, porque é que o governo faz tanta questão em desavaliar os professores?
Um empregado de mesa é avaliado pela sua proficiência em atender os clientes, não pela sua habilidade em andar de skate. Se houvesse uma Maria de Lurdes Rodrigues dos restaurantes que insistisse em avaliá-lo pela forma como anda de skate, o senhor queixar-se-ia, com razão, de estar a ser desavaliado em vez de avaliado.
Um médico é avaliado pelo seu desempenho em relação a padrões amplamente estudados e internacionalmente estabelecidos por entidades cientificamente idóneas e independentes dos governos. Se, para um determinado procedimento, a probabilidade de erro estabelecida é "x", um médico que erre menos que "x" é bom e um que erre mais que "x" é mau. Um médico que errasse zero em tudo seria perfeito, mas desses não deve haver nenhum no mundo. O que não passa pela cabeça de ninguém é que um médico seja avaliado, enquanto médico, pela maneira como joga ténis. Isto não seria avaliação, seria desavaliação.
Um vendedor de automóveis é avaliado pelo número e valor dos automóveis que vende e não pela sua capacidade de imitar vozes de políticos. Um engenheiro civil é avaliado pelas suas obras - se a ponte não desaba, se o apartamento não mete água - e não pela graça das anedotas que conta.
De facto, só conheço duas profissões em que a regra não é a avaliação, mas a desavaliação: os juízes e os professores. Aos juízes pede-se que as suas decisões sejam doutas e extensas, sendo absolutamente irrelevante a relação que possam ter com a verdade material: não são avaliados, são desavaliados.
A mim, querem-me exigir tudo e mais alguma coisa - do que ninguém quer saber para nada é da minha proficiência em ensinar inglês e alemão. Não me querem avaliar, querem desavaliar-me.
Se eu pedir para ser avaliado como as outras pessoas - como o empregado de mesa, por exemplo, ou como o engenheiro - estarei a pedir demais? Se os outros são avaliados, porque é que o governo faz tanta questão em desavaliar os professores?
Mensagem aos Pais
Se ainda não entenderam, a politica educativa deste governo é esta: Uma escola barata hoje, para produzir a mão-de-obra barata de amanhã. Esta mão-de-obra barata de amanhã são os vossos filhos.
sábado, 20 de dezembro de 2008
Novo artigo do colega Teodoro Manuel
A nossa escola anestesia
Luto por uma pedagogia que incentive o prazer da descoberta e da dúvida. Por uma pedagogia que não minta nem desvirtue, que não se esqueça que a vida não é seguir os comboios, que a vida não é olhar para a vida com olhos vazios, carentes de luz de dentro, com brilho ausente para fora, por défice de curiosidade e dúvida. Por uma pedagogia que ensine a dizer obrigado e bom dia.
Luto contra uma pedagogia de ocupação de tempos livres, nas idades em que devia provocar desafios e desconstruir angústias com o fascínio da descoberta. Contra uma pedagogia de encher as fábricas de uma massa uniforme, cinzenta e sem vida. Porque a vida, está mais dentro que fora de nós. Fora, é a vida dos outros, e à boa vida vive acoitado quem vive dos outros. Abomino esta escola que prepara para vénias acríticas, gestos mecanizados e rendimentos alheios.
A técnica e a tecnologia não fazem o mundo. Podem torná-lo mais confortável, só e apenas. A vida não vive de belas estruturas betonadas e pavimentos asfaltados. Renegar o seu lugar, seria negar uma parte de mim. Estudei matérias de engenharias várias, interesso-me por fenómenos físicos e ciências, fascinam-me tensões e equilíbrios de estruturas, desafiam-me teoremas e equações. Mas prefiro a encenação e o deslumbre, a cor, as formas, os aromas, a metáfora, a palavra e o som.
Domino bits e bytes, mas sei que apenas agilizam a vida. Sei que aceleram o mundo, mas não o tornam mais habitável, são um instrumento poderoso, nada mais. Mundo habitável é o mundo habitado por gente que tem mundo por dentro e que respeita o mundo de fora, o da gente e o da natureza. Extasia-me Miró, Ernst ou Klee, não um painel de instrumentos ou uma caixa de velocidades. Não me assustam osciloscópios, mas prefiro gente. Podia escolher engenheiro, escolhi professor. Recusei a gravata e segui o apelo. Perdi uns tostões, sem arrependimento, que quem me inspirou nunca foi algum barão, talvez Rimbaud ou Breton, talvez Cesariny, na palavra, na forma, no vislumbre e na cor, talvez Torga e Gedeão.
A nossa escola, sem ser poesia, finge que prepara andróides anódinos, inofensivos apertadores de parafusos e soldadores de circuitos integrados. A nossa escola não produz seres pensantes, nem proletários qualificados. A nossa escola anestesia.
Supostamente a tendência actual é a qualificação, são as vias profissionais. Mas até isto é um embuste, falácia, marketing e propaganda. Professoras de filosofia ensinam a mudar fraldas. Sociólogos convertem-se em mestres nas práticas hoteleiras. Professores sem horário nas disciplinas para que se prepararam, converteram-se, do nada, em especialistas em novas tecnologias. Será possível, com vontade declarada e formação adequada, mas esta é inexistente.
A formação de professores é outro dado e não cabe aqui senão uma referência incidental. Temo que a formação de ingresso dos futuros docentes, seja coerente com esta sanha de incultura.
O meu modesto mundo pensa que, entre as funções prioritárias e inalienáveis do Estado, está, à cabeça, garantir igualdade de oportunidades, a quem nasce e a quem vive no interior das suas fronteiras. Desengane-se quem acredite que esta preocupação está sempre presente, como deve exigir quem o deseja, quando se pensa a escola, o país e o futuro de todos.
À escola pública vem sendo reservada a função de impedir a promoção cultural e de inviabilizar a ascensão social. Mais do que grave, parece uma barbaridade. Todos os interessados em contrariar esta tendência, pais e professores, precisam unir esforços. Se uns forem comprados com 'migalhães' e certificados a granel e os outros com umas aparas e simplificações, o mundo está perdido, pelo menos o nosso.
A concorrência é incómoda para quem nasce anafado e protegido, há que fingir que a escola de todos é para todos. Fingidores, aprecio poetas e actores. Política educativa não pode ser uma questão de cenário. Enfim, não vejo sentido no sentido que tudo isto leva. Se é obrigatório que a direcção se mantenha, única verdade propalada, que se inverta o sentido. Se esta estrada é única, urge inversão de marcha.
O sentido que levamos é o do abismo, pede uma placa de sentido proibido e, se não for suficiente, que se barre o caminho. Parece que vivemos em democracia. A quem cabe exigir, afinal? A nossa democracia está muito carenciada de polícias de trânsito. A democracia não vive só de votos, sobrevive de consciência.
Teodoro Manuel
Luto por uma pedagogia que incentive o prazer da descoberta e da dúvida. Por uma pedagogia que não minta nem desvirtue, que não se esqueça que a vida não é seguir os comboios, que a vida não é olhar para a vida com olhos vazios, carentes de luz de dentro, com brilho ausente para fora, por défice de curiosidade e dúvida. Por uma pedagogia que ensine a dizer obrigado e bom dia.
Luto contra uma pedagogia de ocupação de tempos livres, nas idades em que devia provocar desafios e desconstruir angústias com o fascínio da descoberta. Contra uma pedagogia de encher as fábricas de uma massa uniforme, cinzenta e sem vida. Porque a vida, está mais dentro que fora de nós. Fora, é a vida dos outros, e à boa vida vive acoitado quem vive dos outros. Abomino esta escola que prepara para vénias acríticas, gestos mecanizados e rendimentos alheios.
A técnica e a tecnologia não fazem o mundo. Podem torná-lo mais confortável, só e apenas. A vida não vive de belas estruturas betonadas e pavimentos asfaltados. Renegar o seu lugar, seria negar uma parte de mim. Estudei matérias de engenharias várias, interesso-me por fenómenos físicos e ciências, fascinam-me tensões e equilíbrios de estruturas, desafiam-me teoremas e equações. Mas prefiro a encenação e o deslumbre, a cor, as formas, os aromas, a metáfora, a palavra e o som.
Domino bits e bytes, mas sei que apenas agilizam a vida. Sei que aceleram o mundo, mas não o tornam mais habitável, são um instrumento poderoso, nada mais. Mundo habitável é o mundo habitado por gente que tem mundo por dentro e que respeita o mundo de fora, o da gente e o da natureza. Extasia-me Miró, Ernst ou Klee, não um painel de instrumentos ou uma caixa de velocidades. Não me assustam osciloscópios, mas prefiro gente. Podia escolher engenheiro, escolhi professor. Recusei a gravata e segui o apelo. Perdi uns tostões, sem arrependimento, que quem me inspirou nunca foi algum barão, talvez Rimbaud ou Breton, talvez Cesariny, na palavra, na forma, no vislumbre e na cor, talvez Torga e Gedeão.
A nossa escola, sem ser poesia, finge que prepara andróides anódinos, inofensivos apertadores de parafusos e soldadores de circuitos integrados. A nossa escola não produz seres pensantes, nem proletários qualificados. A nossa escola anestesia.
Supostamente a tendência actual é a qualificação, são as vias profissionais. Mas até isto é um embuste, falácia, marketing e propaganda. Professoras de filosofia ensinam a mudar fraldas. Sociólogos convertem-se em mestres nas práticas hoteleiras. Professores sem horário nas disciplinas para que se prepararam, converteram-se, do nada, em especialistas em novas tecnologias. Será possível, com vontade declarada e formação adequada, mas esta é inexistente.
A formação de professores é outro dado e não cabe aqui senão uma referência incidental. Temo que a formação de ingresso dos futuros docentes, seja coerente com esta sanha de incultura.
O meu modesto mundo pensa que, entre as funções prioritárias e inalienáveis do Estado, está, à cabeça, garantir igualdade de oportunidades, a quem nasce e a quem vive no interior das suas fronteiras. Desengane-se quem acredite que esta preocupação está sempre presente, como deve exigir quem o deseja, quando se pensa a escola, o país e o futuro de todos.
À escola pública vem sendo reservada a função de impedir a promoção cultural e de inviabilizar a ascensão social. Mais do que grave, parece uma barbaridade. Todos os interessados em contrariar esta tendência, pais e professores, precisam unir esforços. Se uns forem comprados com 'migalhães' e certificados a granel e os outros com umas aparas e simplificações, o mundo está perdido, pelo menos o nosso.
A concorrência é incómoda para quem nasce anafado e protegido, há que fingir que a escola de todos é para todos. Fingidores, aprecio poetas e actores. Política educativa não pode ser uma questão de cenário. Enfim, não vejo sentido no sentido que tudo isto leva. Se é obrigatório que a direcção se mantenha, única verdade propalada, que se inverta o sentido. Se esta estrada é única, urge inversão de marcha.
O sentido que levamos é o do abismo, pede uma placa de sentido proibido e, se não for suficiente, que se barre o caminho. Parece que vivemos em democracia. A quem cabe exigir, afinal? A nossa democracia está muito carenciada de polícias de trânsito. A democracia não vive só de votos, sobrevive de consciência.
Teodoro Manuel
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Será que Sócrates quer mesmo uma maioria absoluta?
Faço esta pergunta porque eu, no lugar dele, não queria. Mas José Sócrates é suficientemente ignorante para não se dar conta do enorme sarilho em que está metido: não sabe História, não sabe Filosofia, não sabe Economia, não sabe Sociologia, não sabe Psicologia, não sabe Direito, não sabe Ciência Política, e mesmo de Engenharia não deve saber grande coisa. Tem, provavelmente, umas luzes de marketing político, mas mesmo nisto deve depender mais dos conhecimentos dos seus conselheiros e assessores do que dos seus próprios. A única coisa de que ele deve saber verdadeiramente é táctica política: disto, deve ele saber realmente muito, provavelmente até o suficiente para obter um doutoramento em Ciência Política ao abrigo das Novas Oportunidades.
Qualquer político, ao chegar ao poder, tem que escolher os seus aliados e os seus inimigos. Esta escolha é sempre arriscada porque é sempre feita com base em informação insuficiente; mas é uma escolha a que não é possível fugir. Sócrates escolheu como aliados os barões do sector financeiro, do sector energético e da comunicação social. Foi uma escolha acertada à luz dos conhecimentos de que dispunha. Não podia adivinhar que hoje os barões da banca estivessem demasiado ocupados em salvar a sua própria pele para se preocuparem com a dele, que os da energia estariam suficientemente internacionalizados para já não precisarem dele, e que os da comunicação social estariam a ver onde param as modas para decidirem se hão-de continuar a apoiá-lo ou se hão-de passar a atacá-lo. Resta-lhe uma nova aliança: os barões da construção civil. Se, na próxima legislatura, José Sócrates ainda for Primeiro-Ministro e avançar com o programa de obras públicas que prometeu, poderá contar com a fidelidade canina desta gente; o único óbice é que vai ser um pouco constrangedor ter que se apresentar em público nesta companhia, mas a necessidade manda.
Se lhe podemos perdoar a má escolha de aliados, já é mais difícil perdoar-lhe a má escolha de inimigos, porque, quanto a estes, já dispunha, ou disporia se quisesse, de um pouco mais de informação. O cálculo é fácil de entender: tinha que ter inimigos para ter a quem culpar do que eventualmente corresse mal; o PSD estava de rastos (como ainda hoje está) e não servia para este fim; a história dos comunistas que comem criancinhas ainda funciona, mas muito pior do que funcionava noutros tempos; e o BE era um osso demasiado duro de roer.
Assim, Sócrates escolheu como inimigo principal as classes profissionais, a que chamou "corporações". A escolha fazia algum sentido: apelava à inveja ancestral dos portugueses; possibilitava o discurso dos "privilégios", que é sempre a arma mais eficaz dos convocadores de pogroms; atacava a parte mais organizada da Sociedade Civil, aumentando assim o poder, não só da classe política, mas também, e sobretudo, da oligarquia económica. Para concitar o ódio da populaça sobre as classes profissionais, Sócrates dispunha, não só do discurso dos "privilégios", como do discurso da "resistência à mudança": as classes profissionais tendem, por instinto deontológico, a opor-se à salada de modismos, chavões empresariais e experimentalismos idiotas que Sócrates confunde com a modernidade.
Esta guerra, que parecia ter todas as condições para correr bem, correu-lhe horrendamente mal. Os médicos e os magistrados tinham, afinal, mais força do que ele julgava; e os professores, em vez de se desunirem como ele esperava, uniram-se e, pior que isso, estão a organizar-se de dia para dia. E ainda pior: já vai havendo sinais que não só cada uma destas classes se está a organizar internamente, mas também que se estão a organizar entre si. É natural: não há nenhum professor que não tenha contactos com médicos, nenhum médico que não tenha contactos com magistrados, nem nenhum magistrado que não tenha contactos com professores; e todos estão a tomar rapidamente consciência de que têm um inimigo comum, inimigo esse que é tão implacável como destituído de escrúpulos ou limites éticos.
Estas novas formas de organização da Sociedade Civil foram possibilitadas pelas novas tecnologias: não admira que Fernanda Câncio se insurja contra a blogosfera. Não é que a blogosfera esteja em condições (por enquanto) de concorrer directamente com a Comunicação Social clássica: trata-se antes duma diminuição considerável do poder político dos jornalistas, que decidiam sozinhos quem tinha e quem não tinha voz, enquanto hoje tem voz quem quer. A blogosfera está aí, não só para ficar, como para crescer.
Errar na escolha dos aliados e dos inimigos é o pior erro que um político pode cometer. A factura terá sempre que ser paga, e será pesadíssima. A única esperança de Sócrates (caso tenha consciência do sarilho em que está metido) é conseguir aguentar o tempo suficiente para que não seja ele a pagá-la, mas sim o seu sucessor.
E portanto eu, se estivesse no lugar de Sócrates, estaria neste momento a considerar cuidadosamente três cenários quanto aos resultados das legislativas de 2009: uma derrota face ao PSD, uma vitória com maioria relativa e uma vitória com maioria absoluta.
Uma derrota face ao PSD seria um péssimo resultado (embora não o pior, como veremos). Para começar, seria humilhante: seria como o campeão nacional perder um jogo em casa contra uma equipa da segunda divisão. Em segundo lugar, poderia custar a Sócrates a liderança do partido e obrigá-lo a uma longa travessia do deserto. Felizmente para Sócrates, trata-se de um cenário muito improvável.
A maioria relativa seria o resultado ideal: permitiria a Sócrates sair de cena graciosamente, sem que ninguém o pudesse acusar de ter fugido, com a reputação praticamente intacta, com um currículo apresentável e com uma travessia do deserto bastante curta pela frente. A catástrofe económica, política e social que aí vem abater-se-ia sobre o seu sucessor, e não sobre ele. Poderia até talvez começar a sonhar com a Presidência da República.
A maioria absoluta seria para Sócrates um desastre horrendo: quatro anos de inferno em que as classes profissionais, que nunca lhe vão perdoar, lhe fariam a vida negra; em que esta hostilidade implacável correria o risco de despoletar a insurreição geral das classes médias, da qual já vai havendo sinais um pouco por todo o mundo; o empobrecimento geral dos portugueses (com excepção de uns poucos, com os quais a opinião pública associa Sócrates e continuará a associar, que continuarão a enriquecer); um aumento das desigualdades económicas, já não acompanhado, como até há pouco tempo, dum aumento da tolerância social a estas desigualdades, mas da diminuição dessa tolerância. No fim dos quatro anos, uma reputação ainda mais de rastos que a de George W. Bush; e, inevitavelmente, a morte política.
Dar-se-á José Sócrates conta disto tudo? Possivelmente. Mas o mais provável é que se lhe aplique a citação de Pope: Os tolos entram de rompante onde os anjos mal ousam pisar.
Qualquer político, ao chegar ao poder, tem que escolher os seus aliados e os seus inimigos. Esta escolha é sempre arriscada porque é sempre feita com base em informação insuficiente; mas é uma escolha a que não é possível fugir. Sócrates escolheu como aliados os barões do sector financeiro, do sector energético e da comunicação social. Foi uma escolha acertada à luz dos conhecimentos de que dispunha. Não podia adivinhar que hoje os barões da banca estivessem demasiado ocupados em salvar a sua própria pele para se preocuparem com a dele, que os da energia estariam suficientemente internacionalizados para já não precisarem dele, e que os da comunicação social estariam a ver onde param as modas para decidirem se hão-de continuar a apoiá-lo ou se hão-de passar a atacá-lo. Resta-lhe uma nova aliança: os barões da construção civil. Se, na próxima legislatura, José Sócrates ainda for Primeiro-Ministro e avançar com o programa de obras públicas que prometeu, poderá contar com a fidelidade canina desta gente; o único óbice é que vai ser um pouco constrangedor ter que se apresentar em público nesta companhia, mas a necessidade manda.
Se lhe podemos perdoar a má escolha de aliados, já é mais difícil perdoar-lhe a má escolha de inimigos, porque, quanto a estes, já dispunha, ou disporia se quisesse, de um pouco mais de informação. O cálculo é fácil de entender: tinha que ter inimigos para ter a quem culpar do que eventualmente corresse mal; o PSD estava de rastos (como ainda hoje está) e não servia para este fim; a história dos comunistas que comem criancinhas ainda funciona, mas muito pior do que funcionava noutros tempos; e o BE era um osso demasiado duro de roer.
Assim, Sócrates escolheu como inimigo principal as classes profissionais, a que chamou "corporações". A escolha fazia algum sentido: apelava à inveja ancestral dos portugueses; possibilitava o discurso dos "privilégios", que é sempre a arma mais eficaz dos convocadores de pogroms; atacava a parte mais organizada da Sociedade Civil, aumentando assim o poder, não só da classe política, mas também, e sobretudo, da oligarquia económica. Para concitar o ódio da populaça sobre as classes profissionais, Sócrates dispunha, não só do discurso dos "privilégios", como do discurso da "resistência à mudança": as classes profissionais tendem, por instinto deontológico, a opor-se à salada de modismos, chavões empresariais e experimentalismos idiotas que Sócrates confunde com a modernidade.
Esta guerra, que parecia ter todas as condições para correr bem, correu-lhe horrendamente mal. Os médicos e os magistrados tinham, afinal, mais força do que ele julgava; e os professores, em vez de se desunirem como ele esperava, uniram-se e, pior que isso, estão a organizar-se de dia para dia. E ainda pior: já vai havendo sinais que não só cada uma destas classes se está a organizar internamente, mas também que se estão a organizar entre si. É natural: não há nenhum professor que não tenha contactos com médicos, nenhum médico que não tenha contactos com magistrados, nem nenhum magistrado que não tenha contactos com professores; e todos estão a tomar rapidamente consciência de que têm um inimigo comum, inimigo esse que é tão implacável como destituído de escrúpulos ou limites éticos.
Estas novas formas de organização da Sociedade Civil foram possibilitadas pelas novas tecnologias: não admira que Fernanda Câncio se insurja contra a blogosfera. Não é que a blogosfera esteja em condições (por enquanto) de concorrer directamente com a Comunicação Social clássica: trata-se antes duma diminuição considerável do poder político dos jornalistas, que decidiam sozinhos quem tinha e quem não tinha voz, enquanto hoje tem voz quem quer. A blogosfera está aí, não só para ficar, como para crescer.
Errar na escolha dos aliados e dos inimigos é o pior erro que um político pode cometer. A factura terá sempre que ser paga, e será pesadíssima. A única esperança de Sócrates (caso tenha consciência do sarilho em que está metido) é conseguir aguentar o tempo suficiente para que não seja ele a pagá-la, mas sim o seu sucessor.
E portanto eu, se estivesse no lugar de Sócrates, estaria neste momento a considerar cuidadosamente três cenários quanto aos resultados das legislativas de 2009: uma derrota face ao PSD, uma vitória com maioria relativa e uma vitória com maioria absoluta.
Uma derrota face ao PSD seria um péssimo resultado (embora não o pior, como veremos). Para começar, seria humilhante: seria como o campeão nacional perder um jogo em casa contra uma equipa da segunda divisão. Em segundo lugar, poderia custar a Sócrates a liderança do partido e obrigá-lo a uma longa travessia do deserto. Felizmente para Sócrates, trata-se de um cenário muito improvável.
A maioria relativa seria o resultado ideal: permitiria a Sócrates sair de cena graciosamente, sem que ninguém o pudesse acusar de ter fugido, com a reputação praticamente intacta, com um currículo apresentável e com uma travessia do deserto bastante curta pela frente. A catástrofe económica, política e social que aí vem abater-se-ia sobre o seu sucessor, e não sobre ele. Poderia até talvez começar a sonhar com a Presidência da República.
A maioria absoluta seria para Sócrates um desastre horrendo: quatro anos de inferno em que as classes profissionais, que nunca lhe vão perdoar, lhe fariam a vida negra; em que esta hostilidade implacável correria o risco de despoletar a insurreição geral das classes médias, da qual já vai havendo sinais um pouco por todo o mundo; o empobrecimento geral dos portugueses (com excepção de uns poucos, com os quais a opinião pública associa Sócrates e continuará a associar, que continuarão a enriquecer); um aumento das desigualdades económicas, já não acompanhado, como até há pouco tempo, dum aumento da tolerância social a estas desigualdades, mas da diminuição dessa tolerância. No fim dos quatro anos, uma reputação ainda mais de rastos que a de George W. Bush; e, inevitavelmente, a morte política.
Dar-se-á José Sócrates conta disto tudo? Possivelmente. Mas o mais provável é que se lhe aplique a citação de Pope: Os tolos entram de rompante onde os anjos mal ousam pisar.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Dispensar da avliação 5000 professores
Palavra que não percebo. Estará a Ministra à espera de ganhar 5000 votos? Não os vai ganhar. E mesmo que ganhasse, o que pensará disto tudo a população? A população vê todos os dias a Ministra a cortar às fatias a avaliação que ela própria inventou, como se fosse um fiambre. Pensará que está a dar com isto um sinal de disposição para o diálogo? Pensará que com isto vai convencer alguém que os intransigentes são os professores? Tudo isto é demasiado pueril. Um erro de casting. A rábula talvez desse resultado se a actriz fizesse o género - mas não faz.
Ou será que depois de "perder os professores para ganhar a população" está agora na disposição de perder a população para ganhar os professores? Se a ideia é esta, vai realmente perder a população; mas ganhar os professores, nem que chovam canivetes.
Ou será que depois de "perder os professores para ganhar a população" está agora na disposição de perder a população para ganhar os professores? Se a ideia é esta, vai realmente perder a população; mas ganhar os professores, nem que chovam canivetes.
Os nossos inimigos
A série de artigos que estou a escrever sobre política de alianças foi objecto da crítica de um leitor anónimo, crítica essa que poderei resumir assim: estou a propor uma união com a Igreja Católica, o que ofende os princípios laicos da República Portuguesa; e estou a querer "entregar o ouro ao bandido" cedendo aos pais em toda a linha.
A crítica é injusta: não proponho "união" nenhuma com a Igreja Católica, mas apenas uma aliança pontual, limitada às zonas de intersecção que julgo descortinar entre a agenda dela e a nossa: e não quero ceder aos pais em toda a linha, mas apenas procurar entre eles aqueles que são, por assim dizer, os nossos aliados naturais, e ceder-lhes naquilo que vá de encontro aos seus interesses legítimos. Para clarificar este ponto, procedi, já depois de recebida a crítica, a uma reformulação profunda do segundo artigo; e, para clarificar melhor o meu pensamento nesta matéria, interrompo a série sobre política de alianças para intercalar nela o presente artigo.
Quem está em guerra, como nós estamos, tem que saber escolher aliados; e, se puder, deve escolher os seus inimigos, para não ser escolhido por eles. Neste ponto, estamos em desvantagem: os nossos inimigos, não fomos nós que os escolhemos, foram eles que nos escolheram. Se os tivéssemos escolhido nós, teríamos à partida uma estratégia bem clara para os combater; como foram eles a escolher-nos, teremos que ir formulando essa estratégia à medida que o combate decorre.
Um primeiro grupo de inimigos, com o qual não é possível negociar, consiste naqueles pais que mandam os filhos à escola a contragosto, só porque a lei os obriga. A esses, não temos nada a oferecer nem temos nada a esperar deles. Só contribuirão para o bom funcionamento da Escola se forem obrigados a isso. A atitude destes pais reflecte-se quase sempre na dos filhos, que vão à escola, não para aprender, mas para a sabotar e destruir - e que entre a escola e o gang, há muito tempo escolheram o gang como instituição educativa de eleição. Os membros deste grupo não são apenas inimigos nossos, mas também inimigos naturais dos pais e dos alunos para quem a cultura, o conhecimento e o ensino são valores a ter em conta.
Como combater este grupo de inimigos, sabendo à partida que a autoridade pública, a quem competiria armar-nos, tem feito tudo por nos desarmar? Não podemos esperar do governo português que imite os seus congéneres de países mais civilizados, estabelecendo punições "a doer" para os alunos indisciplinados ou violentos e para os seus encarregados de educação, prevendo mesmo, em relação a estes, multas elevadas e até penas de prisão. Este apoio da tutela seria incompatível com o seu interesse político (os delinquentes também votam) e com o seu parti-pris ideológico (a escola tem que ser aquilo a que eles chamam "inclusiva").
Ora a verdadeira escola inclusiva é a que acolhe todos os que querem aprender, sem atender à sua condição sócio-económica, raça, nacionalidade, religião, estado de saúde, etc. Esta escola não deixa de ser inclusiva se expulsar os que entram nela para a destruir por dentro. Pergunta o Governo: e o que é que lhes acontece se forem expulsos? Vão para a rua? Eu, pela minha parte, não estou a ver que estragos eles possam fazer na rua que não façam já na escola.
Na ausência de qualquer apoio por parte da autoridade pública (que não só não os apoia, como lhes é hostil), têm os professores que encontrar, dentro da legalidade, formas de auto-defesa. Em primeiro lugar, cabe a cada professor e a cada Director de Turma adoptar uma política de tolerância zero: cada agressão física ou verbal, cada tentativa de boicote à aula, cada resposta insolente, deve ser sempre e imediatamente participada a quem de direito. Em segundo lugar, se as estruturas de gestão da escola ou as Direcções Regionais tentarem, como é infelizmente frequente, minimizar a questão, deve o professor pressioná-las o mais que puder, agitando os colegas, denunciando o aluno delinquente aos pais dos outros alunos, ou recorrendo, como último recurso, à desobediência civil: "marquem-me as faltas que quiserem, mas não dou nem mais uma aula com aquele aluno presente". Se o acto de indisciplina revestir contornos criminais - injúrias, ameaças, agressões - a queixa interna deve ser sempre e automaticamente acompanhada duma queixa às autoridades policiais, e isto mesmo que o aluno seja ainda inimputável.
Outro inimigo dos professores com o qual não é possível negociar é a nomenklatura tecno-burocrática que infesta o Ministério, constituída por gente que na sua maioria não sabe nem quer ensinar e por isso se refugiou nos gabinetes, a partir dos quais tem o desplante inaudito de ensinar a ensinar os professores que estão no terreno. Esta gente costuma ter uma ideia muito elevada (e muitíssimo exagerada) das suas habilitações teóricas e das suas capacidades intelectuais. Para a combater, devemos exigir o desmantelamento, pelo menos parcial, do Ministério da Educação (nos países onde não há Ministério da Educação, o sistema de ensino costuma funcionar melhor do que naqueles em que o há); enquanto isto não é possível, sugiro aos professores o seguinte exercício, que além de eficaz é divertido: tudo o que o Ministério da Educação ou as suas dependências envie às escolas deve ser devolvido à origem, depois de corrigidos a vermelho todos os erros gramaticais, imprecisões de linguagem, contradições, redundâncias, frases sem sentido, falácias, faltas de concisão e solecismos.
Refiro ainda, entre os inimigos com quem não é possível negociar, a oligarquia dos negócios, para quem a Escola Pública deve ser uma fábrica de mão-de-obra "qualificada", barata e acrítica, isto é, sem grandes pretensões intelectuais. José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues estão de alma e coração ao serviço desta oligarquia. Para a combater, devem os professores entrar activamente nas campanhas eleitorais, colocando-se contra o "centrão" negocista e corrupto, e favorecendo, conforme a sua sensibilidade política, ou os partidos mais à direita, ou os partidos mais à esquerda. Para mim, é o BE; mas se para algum dos meus leitores for o PCP ou o PP, a minha mensagem é: força, colega, vá em frente! Centrão, é que não!
Outro inimigo que por enquanto não se tem feito sentir, mas está a crescer, é o fundamentalismo religioso, ou melhor, os vários fundamentalismos religiosos. Nada garante que daqui a algum tempo não haja grupos a pedir que se proíba o ensino da evolução das espécies nas Escolas Públicas; e nada garante que a nossa classe política, com a qualidade abismal que lhe conhecemos, não ceda a estas exigências a troco de meia-dúzia de votos. Com a oligarquia económica a querer eliminar os conhecimentos contextualizantes a pretexto de serem"inúteis", e os fundamentalistas a quererem eliminar o conhecimento científico por ser "blasfemo", não restará nada para os professores ensinarem nem para os alunos aprenderem. A Escola Pública terá desaparecido e em seu lugar ficará aquela coisa obscena e disforme a que Maria de Lurdes Rodrigues dá o nome de escola.
Resta, finalmente, o nosso inimigo mais difícil: José Sócrates. Não o escolhemos como inimigo: foi ele que nos escolheu. Em relação a este ponto, não nos devemos fazer demasiado de vítimas: qualquer político que chega ao poder tem que escolher os seus aliados e os seus inimigos: Sócrates escolheu como aliados os patrões da banca, da energia e da comunicação social, e como inimigos aquilo a que ele chama as "corporações" - ou seja, as classes profissionais que não aderem àquilo que ele julga ser a "modernidade" (e que não passa de um conjunto caótico de modismos desconexos). Sócrates não escolheu os professores para seus inimigos por ter uma especial má-vontade contra eles, mas por cálculo político: Fazem parte daquele segmento da Sociedade Civil, que inclui de um modo geral todas as classes profissionais, que ele considera mais perigoso para os seus interesses políticos pessoais e para os interesses económicos dos seus aliados de eleição. Quanto a mim, considero que escolheu mal, tanto os aliados, como os inimigos, mas isto é em retrospectiva e será matéria para outro artigo.
A especial dificuldade que Sócrates nos apresenta, enquanto inimigo, é que não só corremos o risco de sermos derrotados, como corremos o risco ainda mais grave de obtermos uma vitória demasiado expressiva. Uma vitória demasiado expressiva seria prejudicial para nós por duas razões: uma trivial, e outra que não o é tanto. A razão trivial pode ser encontrada na sabedoria comum, que nos diz que é sempre conveniente deixar ao inimigo uma possibilidade de salvar a face; a outra razão, menos trivial, está no risco de obtermos uma vitória cujas consequências não possamos depois controlar. Se uma eventual vitória nossa contribuisse para despoletar a insurreição geral das classes médias, que já vai dando sinal de si um pouco por todo o mundo, isto seria uma catástrofe em que ficaríamos todos a perder: nós, o Estado, o Governo, a classe política, as classes médias, a maior parte das classes baixas e até uma parte da oligarquia - aquela que não ficasse a ganhar, obviamente. Temos que fazer guerra a Sócrates, e temos que a vencer, mas temos que medir os golpes de modo a não obtermos uma vitória mais desastrosa do que seria uma derrota.
A crítica é injusta: não proponho "união" nenhuma com a Igreja Católica, mas apenas uma aliança pontual, limitada às zonas de intersecção que julgo descortinar entre a agenda dela e a nossa: e não quero ceder aos pais em toda a linha, mas apenas procurar entre eles aqueles que são, por assim dizer, os nossos aliados naturais, e ceder-lhes naquilo que vá de encontro aos seus interesses legítimos. Para clarificar este ponto, procedi, já depois de recebida a crítica, a uma reformulação profunda do segundo artigo; e, para clarificar melhor o meu pensamento nesta matéria, interrompo a série sobre política de alianças para intercalar nela o presente artigo.
Quem está em guerra, como nós estamos, tem que saber escolher aliados; e, se puder, deve escolher os seus inimigos, para não ser escolhido por eles. Neste ponto, estamos em desvantagem: os nossos inimigos, não fomos nós que os escolhemos, foram eles que nos escolheram. Se os tivéssemos escolhido nós, teríamos à partida uma estratégia bem clara para os combater; como foram eles a escolher-nos, teremos que ir formulando essa estratégia à medida que o combate decorre.
Um primeiro grupo de inimigos, com o qual não é possível negociar, consiste naqueles pais que mandam os filhos à escola a contragosto, só porque a lei os obriga. A esses, não temos nada a oferecer nem temos nada a esperar deles. Só contribuirão para o bom funcionamento da Escola se forem obrigados a isso. A atitude destes pais reflecte-se quase sempre na dos filhos, que vão à escola, não para aprender, mas para a sabotar e destruir - e que entre a escola e o gang, há muito tempo escolheram o gang como instituição educativa de eleição. Os membros deste grupo não são apenas inimigos nossos, mas também inimigos naturais dos pais e dos alunos para quem a cultura, o conhecimento e o ensino são valores a ter em conta.
Como combater este grupo de inimigos, sabendo à partida que a autoridade pública, a quem competiria armar-nos, tem feito tudo por nos desarmar? Não podemos esperar do governo português que imite os seus congéneres de países mais civilizados, estabelecendo punições "a doer" para os alunos indisciplinados ou violentos e para os seus encarregados de educação, prevendo mesmo, em relação a estes, multas elevadas e até penas de prisão. Este apoio da tutela seria incompatível com o seu interesse político (os delinquentes também votam) e com o seu parti-pris ideológico (a escola tem que ser aquilo a que eles chamam "inclusiva").
Ora a verdadeira escola inclusiva é a que acolhe todos os que querem aprender, sem atender à sua condição sócio-económica, raça, nacionalidade, religião, estado de saúde, etc. Esta escola não deixa de ser inclusiva se expulsar os que entram nela para a destruir por dentro. Pergunta o Governo: e o que é que lhes acontece se forem expulsos? Vão para a rua? Eu, pela minha parte, não estou a ver que estragos eles possam fazer na rua que não façam já na escola.
Na ausência de qualquer apoio por parte da autoridade pública (que não só não os apoia, como lhes é hostil), têm os professores que encontrar, dentro da legalidade, formas de auto-defesa. Em primeiro lugar, cabe a cada professor e a cada Director de Turma adoptar uma política de tolerância zero: cada agressão física ou verbal, cada tentativa de boicote à aula, cada resposta insolente, deve ser sempre e imediatamente participada a quem de direito. Em segundo lugar, se as estruturas de gestão da escola ou as Direcções Regionais tentarem, como é infelizmente frequente, minimizar a questão, deve o professor pressioná-las o mais que puder, agitando os colegas, denunciando o aluno delinquente aos pais dos outros alunos, ou recorrendo, como último recurso, à desobediência civil: "marquem-me as faltas que quiserem, mas não dou nem mais uma aula com aquele aluno presente". Se o acto de indisciplina revestir contornos criminais - injúrias, ameaças, agressões - a queixa interna deve ser sempre e automaticamente acompanhada duma queixa às autoridades policiais, e isto mesmo que o aluno seja ainda inimputável.
Outro inimigo dos professores com o qual não é possível negociar é a nomenklatura tecno-burocrática que infesta o Ministério, constituída por gente que na sua maioria não sabe nem quer ensinar e por isso se refugiou nos gabinetes, a partir dos quais tem o desplante inaudito de ensinar a ensinar os professores que estão no terreno. Esta gente costuma ter uma ideia muito elevada (e muitíssimo exagerada) das suas habilitações teóricas e das suas capacidades intelectuais. Para a combater, devemos exigir o desmantelamento, pelo menos parcial, do Ministério da Educação (nos países onde não há Ministério da Educação, o sistema de ensino costuma funcionar melhor do que naqueles em que o há); enquanto isto não é possível, sugiro aos professores o seguinte exercício, que além de eficaz é divertido: tudo o que o Ministério da Educação ou as suas dependências envie às escolas deve ser devolvido à origem, depois de corrigidos a vermelho todos os erros gramaticais, imprecisões de linguagem, contradições, redundâncias, frases sem sentido, falácias, faltas de concisão e solecismos.
Refiro ainda, entre os inimigos com quem não é possível negociar, a oligarquia dos negócios, para quem a Escola Pública deve ser uma fábrica de mão-de-obra "qualificada", barata e acrítica, isto é, sem grandes pretensões intelectuais. José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues estão de alma e coração ao serviço desta oligarquia. Para a combater, devem os professores entrar activamente nas campanhas eleitorais, colocando-se contra o "centrão" negocista e corrupto, e favorecendo, conforme a sua sensibilidade política, ou os partidos mais à direita, ou os partidos mais à esquerda. Para mim, é o BE; mas se para algum dos meus leitores for o PCP ou o PP, a minha mensagem é: força, colega, vá em frente! Centrão, é que não!
Outro inimigo que por enquanto não se tem feito sentir, mas está a crescer, é o fundamentalismo religioso, ou melhor, os vários fundamentalismos religiosos. Nada garante que daqui a algum tempo não haja grupos a pedir que se proíba o ensino da evolução das espécies nas Escolas Públicas; e nada garante que a nossa classe política, com a qualidade abismal que lhe conhecemos, não ceda a estas exigências a troco de meia-dúzia de votos. Com a oligarquia económica a querer eliminar os conhecimentos contextualizantes a pretexto de serem"inúteis", e os fundamentalistas a quererem eliminar o conhecimento científico por ser "blasfemo", não restará nada para os professores ensinarem nem para os alunos aprenderem. A Escola Pública terá desaparecido e em seu lugar ficará aquela coisa obscena e disforme a que Maria de Lurdes Rodrigues dá o nome de escola.
Resta, finalmente, o nosso inimigo mais difícil: José Sócrates. Não o escolhemos como inimigo: foi ele que nos escolheu. Em relação a este ponto, não nos devemos fazer demasiado de vítimas: qualquer político que chega ao poder tem que escolher os seus aliados e os seus inimigos: Sócrates escolheu como aliados os patrões da banca, da energia e da comunicação social, e como inimigos aquilo a que ele chama as "corporações" - ou seja, as classes profissionais que não aderem àquilo que ele julga ser a "modernidade" (e que não passa de um conjunto caótico de modismos desconexos). Sócrates não escolheu os professores para seus inimigos por ter uma especial má-vontade contra eles, mas por cálculo político: Fazem parte daquele segmento da Sociedade Civil, que inclui de um modo geral todas as classes profissionais, que ele considera mais perigoso para os seus interesses políticos pessoais e para os interesses económicos dos seus aliados de eleição. Quanto a mim, considero que escolheu mal, tanto os aliados, como os inimigos, mas isto é em retrospectiva e será matéria para outro artigo.
A especial dificuldade que Sócrates nos apresenta, enquanto inimigo, é que não só corremos o risco de sermos derrotados, como corremos o risco ainda mais grave de obtermos uma vitória demasiado expressiva. Uma vitória demasiado expressiva seria prejudicial para nós por duas razões: uma trivial, e outra que não o é tanto. A razão trivial pode ser encontrada na sabedoria comum, que nos diz que é sempre conveniente deixar ao inimigo uma possibilidade de salvar a face; a outra razão, menos trivial, está no risco de obtermos uma vitória cujas consequências não possamos depois controlar. Se uma eventual vitória nossa contribuisse para despoletar a insurreição geral das classes médias, que já vai dando sinal de si um pouco por todo o mundo, isto seria uma catástrofe em que ficaríamos todos a perder: nós, o Estado, o Governo, a classe política, as classes médias, a maior parte das classes baixas e até uma parte da oligarquia - aquela que não ficasse a ganhar, obviamente. Temos que fazer guerra a Sócrates, e temos que a vencer, mas temos que medir os golpes de modo a não obtermos uma vitória mais desastrosa do que seria uma derrota.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
Política de Alianças II: os Pais
(Reformulado às 21:33 de 17/12/08)
Permitam-me que ao falar dos Pais comece por falar dos meus. Quando os meus Pais me puseram, e aos meus irmãos, na Escola Pública, tinham um objectivo que para eles era muito claro: que nós ascendêssemos socialmente a um nível mais alto do que o deles. Quando morreram, sabiam que tinham atingido aquele que fora um dos objectivos principais, se não mesmo o principal, das suas vidas. O contrato era tripartido: os meus Pais sacrificavam-se financeiramente o mais que podiam, eu e os meus irmãos empenhávamo-nos o mais que podíamos, e a Escola Pública ensinava-nos o melhor que podia.
Resultou.
Nos cinquenta anos que entretanto passaram, muita coisa mudou. Os objectivos dos Pais, ao porem os filhos nas escolas, são hoje muito mais diversificados e muito menos claros do que eram na altura. Os objectivos dos jovens que frequentam a escola raramente incluem a noção de que estão a cumprir a sua prestação num contrato que os vincula. E sobre os objectivos das escolas ninguém se entende, especialmente porque quem usurpa a autoridade sobre eles é uma nomenklatura de pseudo-pedagogos que infesta o Ministério dito da Educação.
Acredito, porém, que, apesar de todas as mudanças, ainda hoje a maioria dos Pais tem como objectivo a promoção cultural e social dos filhos; e que ainda hoje a maioria dos Pais querem que a Escola Pública os ensine o melhor que possa. Em relação aos Pais de hoje, os meus tinham uma enorme desvantagem e uma enorme vantagem. A desvantagem estava no sacrifício financeiro: os livros eram caros, tinham que se pagar propinas (e daí o esforço que eu e os meus irmãos fazíamos para obter as melhores notas de modo a termos isenção de propinas ou, melhor ainda, bolsas de estudo) e sobretudo tinham que prescindir dos salários com que poderíamos contribuir para a economia doméstica se nos tivessem posto a trabalhar precocemente. A vantagem consistia em poderem dar-se ao luxo de nos deixar andar completamente à solta quando não estávamos na escola: algo que hoje seria impensável, e me faz ter verdadeiramente pena das crianças de hoje.
Não é que há cinquenta anos não houvesse riscos em deixar à solta uma criança de oito ou nove anos: já havia pedófilos e tarados (tanto eu, como os meus irmãos, como a minha irmã nos deparámos com alguns), já havia trânsito caótico (em certos aspectos mais caótico que o actual, e eu por mais que uma vez escapei à justa de ser atropelado), e a preocupação das autoridades com a segurança era mínima ou inexistente (por pouco não morri afogado quando fui com outros da minha idade tomar banho ao rio e deparei com correntes fortes e fundões). O que não havia, era passadores de droga nem gangs de bairros. Hoje, não só o risco é maior, como a percepção do risco é muito maior.
E portanto há aqui um ponto em que nós, professores, temos que ceder alguma coisa: por muito que protestemos contra isso (e eu também protestei) temos que assumir uma parte da responsabilidade pela guarda das crianças. O mundo está demasiadamente perigoso para que possa ser doutra maneira.
Não podemos nem devemos assumir a responsabilidade toda, evidentemente, nem sequer uma grande parte dela: a parte maior tem que continuar a caber aos Pais, e, por meio doutras instituições que não sejam a Escola Pública, ao Estado.
Temos que conseguir fazer passar esta mensagem aos Pais que esperam de nós, como os meus esperavam dos meus professores, que lhes ensinemos os filhos; mas que também se inquietam com a sua segurança. É preciso encontrar o melhor compromisso possível entre o ensino e a guarda das crianças sem esquecer que às escolas deve competir, em primeiro lugar, o ensino. Esta não é a proposta ideal: ideal seria não haver gangs, nem pedófilos, nem passadores de droga, as crianças de hoje poderem gozar da liberdade de que nós gozámos, e a Escola Pública poder dedicar-se inteiramente à sua função de ensinar. Mas é a proposta possível. O que temos que dizer aos Pais, com toda a franqueza, é que a solução que lhes propomos é uma solução de compromisso; e um compromisso, por melhor que seja, nunca passa de um compromisso.
A segunda mensagem que temos que fazer chegar aos Pais é esta: a nossa proposta, embora imperfeita, é muito melhor que a que o Governo lhes faz (ou antes, que não lhes faz; a agenda do Governo nesta matéria é oculta e, se a proposta fosse feita abertamente, a próxima grande manifestação reuniria, além de 120.000 professores, 240.000 pais). O que a OCDE e o governo têm em mente para oferecer aos educadores portugueses e europeus é uma Escola Pública sem ensino. Uma escola que, em vez de ensinar, "qualifica" (Ministra dixit) - isto é, prepara os alunos para as tarefas específicas que a economia requer momento a momento, e nunca para pensarem por si mesmos. Uma escola que em vez de promover a ascensão social, a dificulta propositadamente, de modo a aprisionar as pessoas em castas.
E eu não acredito que os Pais portugueses queiram ver os seus filhos aprisionados toda a vida numa casta destinada a servir meia-dúzia de privilegiados.
Em poucas palavras: a escola que a OCDE e Maria de Lurdes Rodrigues vão impondo aos poucos é exactamente o oposto do que os meus Pais quereriam, se fossem vivos; é exactamente o oposto da escola que eu quero para os meus alunos e para os meus netos; e é exactamente o oposto da que os Pais portugueses querem (pelo menos os que valorizam o ensino e o conhecimento). Ao esconder da opinião pública o modelo de escola que realmente está a construir, Maria de Lurdes Rodrigues está a perpetrar uma fraude gigantesca contra todos os educadores deste País, sejam eles Pais ou Professores.
Como não posso pedir aos Pais que leiam todas as provas do que acabo de afirmar (são literalmente toneladas de papel; a legislação educativa em Portugal é tão complexa que nem o Ministério da Educação a conhece, e por isso tem pago a gabinetes de advogados centenas de milhares de euros para a compilar - até agora sem êxito), como não lhes posso pedir, dizia, que leiam isto tudo, peço-lhes que leiam só a seguinte amostra: primeiro, um organigrama do Ministério da Educação e respectivas dependências regionais; depois o programa de qualquer disciplina do Secundário*; depois, um livro de leitura do 1º ciclo do Ensino Básico, comparando-o com o equivalente de há 50 anos.
E depois decidam por si próprios quem é que está mais empenhado em ensinar-lhes os filhos: se os professores, se o Ministério dito da Educação.
*Se não compreenderem nada do que lá está escrito, não se culpem nem se considerem ignorantes: o defeito não está no leitor, está mesmo no texto.
A seguir: Política de Alianças III: a Direita dos Valores e a Esquerda Iluminista
Permitam-me que ao falar dos Pais comece por falar dos meus. Quando os meus Pais me puseram, e aos meus irmãos, na Escola Pública, tinham um objectivo que para eles era muito claro: que nós ascendêssemos socialmente a um nível mais alto do que o deles. Quando morreram, sabiam que tinham atingido aquele que fora um dos objectivos principais, se não mesmo o principal, das suas vidas. O contrato era tripartido: os meus Pais sacrificavam-se financeiramente o mais que podiam, eu e os meus irmãos empenhávamo-nos o mais que podíamos, e a Escola Pública ensinava-nos o melhor que podia.
Resultou.
Nos cinquenta anos que entretanto passaram, muita coisa mudou. Os objectivos dos Pais, ao porem os filhos nas escolas, são hoje muito mais diversificados e muito menos claros do que eram na altura. Os objectivos dos jovens que frequentam a escola raramente incluem a noção de que estão a cumprir a sua prestação num contrato que os vincula. E sobre os objectivos das escolas ninguém se entende, especialmente porque quem usurpa a autoridade sobre eles é uma nomenklatura de pseudo-pedagogos que infesta o Ministério dito da Educação.
Acredito, porém, que, apesar de todas as mudanças, ainda hoje a maioria dos Pais tem como objectivo a promoção cultural e social dos filhos; e que ainda hoje a maioria dos Pais querem que a Escola Pública os ensine o melhor que possa. Em relação aos Pais de hoje, os meus tinham uma enorme desvantagem e uma enorme vantagem. A desvantagem estava no sacrifício financeiro: os livros eram caros, tinham que se pagar propinas (e daí o esforço que eu e os meus irmãos fazíamos para obter as melhores notas de modo a termos isenção de propinas ou, melhor ainda, bolsas de estudo) e sobretudo tinham que prescindir dos salários com que poderíamos contribuir para a economia doméstica se nos tivessem posto a trabalhar precocemente. A vantagem consistia em poderem dar-se ao luxo de nos deixar andar completamente à solta quando não estávamos na escola: algo que hoje seria impensável, e me faz ter verdadeiramente pena das crianças de hoje.
Não é que há cinquenta anos não houvesse riscos em deixar à solta uma criança de oito ou nove anos: já havia pedófilos e tarados (tanto eu, como os meus irmãos, como a minha irmã nos deparámos com alguns), já havia trânsito caótico (em certos aspectos mais caótico que o actual, e eu por mais que uma vez escapei à justa de ser atropelado), e a preocupação das autoridades com a segurança era mínima ou inexistente (por pouco não morri afogado quando fui com outros da minha idade tomar banho ao rio e deparei com correntes fortes e fundões). O que não havia, era passadores de droga nem gangs de bairros. Hoje, não só o risco é maior, como a percepção do risco é muito maior.
E portanto há aqui um ponto em que nós, professores, temos que ceder alguma coisa: por muito que protestemos contra isso (e eu também protestei) temos que assumir uma parte da responsabilidade pela guarda das crianças. O mundo está demasiadamente perigoso para que possa ser doutra maneira.
Não podemos nem devemos assumir a responsabilidade toda, evidentemente, nem sequer uma grande parte dela: a parte maior tem que continuar a caber aos Pais, e, por meio doutras instituições que não sejam a Escola Pública, ao Estado.
Temos que conseguir fazer passar esta mensagem aos Pais que esperam de nós, como os meus esperavam dos meus professores, que lhes ensinemos os filhos; mas que também se inquietam com a sua segurança. É preciso encontrar o melhor compromisso possível entre o ensino e a guarda das crianças sem esquecer que às escolas deve competir, em primeiro lugar, o ensino. Esta não é a proposta ideal: ideal seria não haver gangs, nem pedófilos, nem passadores de droga, as crianças de hoje poderem gozar da liberdade de que nós gozámos, e a Escola Pública poder dedicar-se inteiramente à sua função de ensinar. Mas é a proposta possível. O que temos que dizer aos Pais, com toda a franqueza, é que a solução que lhes propomos é uma solução de compromisso; e um compromisso, por melhor que seja, nunca passa de um compromisso.
A segunda mensagem que temos que fazer chegar aos Pais é esta: a nossa proposta, embora imperfeita, é muito melhor que a que o Governo lhes faz (ou antes, que não lhes faz; a agenda do Governo nesta matéria é oculta e, se a proposta fosse feita abertamente, a próxima grande manifestação reuniria, além de 120.000 professores, 240.000 pais). O que a OCDE e o governo têm em mente para oferecer aos educadores portugueses e europeus é uma Escola Pública sem ensino. Uma escola que, em vez de ensinar, "qualifica" (Ministra dixit) - isto é, prepara os alunos para as tarefas específicas que a economia requer momento a momento, e nunca para pensarem por si mesmos. Uma escola que em vez de promover a ascensão social, a dificulta propositadamente, de modo a aprisionar as pessoas em castas.
E eu não acredito que os Pais portugueses queiram ver os seus filhos aprisionados toda a vida numa casta destinada a servir meia-dúzia de privilegiados.
Em poucas palavras: a escola que a OCDE e Maria de Lurdes Rodrigues vão impondo aos poucos é exactamente o oposto do que os meus Pais quereriam, se fossem vivos; é exactamente o oposto da escola que eu quero para os meus alunos e para os meus netos; e é exactamente o oposto da que os Pais portugueses querem (pelo menos os que valorizam o ensino e o conhecimento). Ao esconder da opinião pública o modelo de escola que realmente está a construir, Maria de Lurdes Rodrigues está a perpetrar uma fraude gigantesca contra todos os educadores deste País, sejam eles Pais ou Professores.
Como não posso pedir aos Pais que leiam todas as provas do que acabo de afirmar (são literalmente toneladas de papel; a legislação educativa em Portugal é tão complexa que nem o Ministério da Educação a conhece, e por isso tem pago a gabinetes de advogados centenas de milhares de euros para a compilar - até agora sem êxito), como não lhes posso pedir, dizia, que leiam isto tudo, peço-lhes que leiam só a seguinte amostra: primeiro, um organigrama do Ministério da Educação e respectivas dependências regionais; depois o programa de qualquer disciplina do Secundário*; depois, um livro de leitura do 1º ciclo do Ensino Básico, comparando-o com o equivalente de há 50 anos.
E depois decidam por si próprios quem é que está mais empenhado em ensinar-lhes os filhos: se os professores, se o Ministério dito da Educação.
*Se não compreenderem nada do que lá está escrito, não se culpem nem se considerem ignorantes: o defeito não está no leitor, está mesmo no texto.
A seguir: Política de Alianças III: a Direita dos Valores e a Esquerda Iluminista
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Poderia Sócrates ser condenado por alta traição?
A pergunta parece estapafúrdia, e até talvez seja mesmo estapafúrdia, mas consideremos:
José Sócrates é Primeiro-Ministro da República Portuguesa, certo? Isto significa que tem o dever de servir a República Portuguesa, certo? E como o cargo de Primeiro-Ministro não é acumulável com outro emprego, isto significa que não pode servir outros interesses que não sejam os da República Portuguesa, certo?
Ora o que nós temos visto desde que José Sócrates tomou posse, e com especial nitidez nos últimos meses, é que ele tem servido os interesses do sector financeiro, do sector energético, dos barões da Comunicação Social - todos, excepto os da República Portuguesa.
Pior: nalguns casos tem chegado a servir estes interesses em detrimento dos interesses da República Portuguesa.
A isto chama-se traição, certo? É o que vem nos dicionários.
Não poderíamos julgá-lo e condená-lo?
José Sócrates é Primeiro-Ministro da República Portuguesa, certo? Isto significa que tem o dever de servir a República Portuguesa, certo? E como o cargo de Primeiro-Ministro não é acumulável com outro emprego, isto significa que não pode servir outros interesses que não sejam os da República Portuguesa, certo?
Ora o que nós temos visto desde que José Sócrates tomou posse, e com especial nitidez nos últimos meses, é que ele tem servido os interesses do sector financeiro, do sector energético, dos barões da Comunicação Social - todos, excepto os da República Portuguesa.
Pior: nalguns casos tem chegado a servir estes interesses em detrimento dos interesses da República Portuguesa.
A isto chama-se traição, certo? É o que vem nos dicionários.
Não poderíamos julgá-lo e condená-lo?
Política de Alianças I: A Igreja Católica
António Barreto escreveu, aqui, isto:
Em Fátima, a Conferência Episcopal toma uma iniciativa inédita: D. Jorge Ortiga recebe os representantes da Plataforma dos professores, encontrando-se estes em pleno processo de luta. Não há comunicados oficiais. Mas há declarações mais ou menos informais. O Bispo presidente garante, diante de câmaras de televisão, que a Igreja está muito preocupada com os professores, as escolas, os pais e os alunos. Sugere a realização de um “pacto social” sobre as questões educativas. E recomenda ao governo que “ouça” os professores. Jornais, televisões e observadores prestam a menor atenção possível ao facto. Toda a gente, a começar pelas autoridades, prefere ignorar o gesto. Mas trata-se simplesmente de um dos factos mais importantes da vida política destes últimos anos.
Escrito isto, muda de assunto, sem explicar porque é que considera este facto tão importante. Só posso especular sobre as razões desta omissão: era intenção de Barreto levar os seus leitores a pensarem por si mesmos. Para responder a este desafio, tenho que fazer a mim próprio uma pergunta: concordo ou não que este facto é um dos mais importantes da vida política dos últimos anos? E, como a resposta é "sim", tenho que fazer a mim próprio outra pergunta: o que é que torna este facto tão importante?
Começo por assinalar alguns factos razoavelmente consensuais: primeiro, a Igreja Católica sabe muito, mas mesmo muito, de Escola; segundo, nem a Igreja Católica está enamorada dos lindos olhos de Mário Nogueira, nem Mário Nogueira dos lindos olhos da Igreja Católica; terceiro, a Igreja Católica nunca se interessou por Mário Nogueira até agora.
E a partir daqui podemos começar a especular. Que a Igreja católica tem a sua própria noção do que é e para que serve uma escola, é óbvio. E também parece óbvio que a escola da Igreja católica é elitista e democrática: elitista, porque uma das suas principais funções, se não a principal, é formar as elites de que precisa para a sua própria governação e para a sua influência sobre o Mundo; democrática, porque nunca hesitou em ir buscar ao mais fundo da escala social o material humano necessário à formação das elites.
Quando o Estado começou, com vários séculos de atraso em relação à Igreja, a fazer escolas, começou por adoptar este modelo, retirando-lhe apenas o carácter confessional e a doutrinação religiosa. Foi a Escola Pública, Universal, Republicana e Laica da Revolução Francesa. Daqui, a competição entre o Estado e a Igreja: ambos precisavam, para sobreviver, de formar elites, mas a fonte de material humano a que podiam recorrer era a mesma. Cada jovem dotado que entrasse para os Liceus era um jovem dotado a menos a entrar para os Seminários.
Mas este modelo, vantajoso para o Estado saído da Revolução Francesa, era tudo menos vantajoso para os Estados totalitários do Século XX e para as oligarquias estabelecidas, para quem a formação constante de novas elites representava uma concorrência incómoda. Daí, um novo paradigma de escola: não mais elitista, mas igualitário; não mais democrático, mas de casta. O modelo de escola pública que hoje nos querem impor (a privada é outra história) não se destina a permitir a ascensão social, antes a dificultá-la; não se destina a transmitir conhecimento, antes competências úteis (úteis já se sabe a quem); não quer formar cidadãos, antes servos que se mantenham muito quietinhos no degrau da escala social que lhes foi destinado.
Esta escola tecno-burocrática, utilitária, igualitária, anti-intelectual e de castas é directamente antagónica à noção de escola que a Igreja Católica tem inscrita no seu código genético. Quando a Igreja Católica recomenda ao Governo que "ouça" os professores, podemos ter a certeza que ela própria já os ouviu, e que os ouviu com atenção. Deve ter procurado todas as fontes que lhe permitissem auscultar o sentir dos professores, desde as pessoas que tem no terreno até à blogosfera; deve ter percebido que há uma nova força em campo; deve ter concluído que existe um consenso, ainda que incipiente e cheio de contradições, entre os professores; deve ter percebido que a partir deste consenso se formou, ou se está a formar, uma agenda informal, agenda essa que condiciona as próprias estruturas sindicais. E deve ter concluído que entre essa agenda e a sua própria há pontos de intersecção: caso contrário uma aliança não faria sentido.
Haverá vantagem para nós, professores, em estabelecer uma aliança com a Igreja Católica? Todos os meus instintos de ateu me gritam que não, mas é preciso ser racional. A Igreja Católica, se vier a ser nossa aliada, será uma aliada perigosa; mas desde quando existem neste mundo aliados valiosos que não sejam perigosos? Será ela o parceiro sénior, e nós o parceiro júnior: não vale a pena ter ilusões sobre isto. Vai querer demasiado em troca do seu apoio: por exemplo, poderá pretender um carácter mais confessional para a Escola Pública, e este é um ponto em que a nossa agenda não coincide de maneira nenhuma com a dela.
O que podemos dar à Igreja Católica, em troca do seu apoio, é um compromisso deontológico com o ensino, com o conhecimento e com a civilização (isto é, com a permanência por oposição ao efémero). Talvez a Igreja Católica não faça muita questão da modernidade: nós, professores, fazemos. Mas também lhe podemos garantir que, ao contrário do actual poder político e económico, não confundimos modernidade com modismos.
A seguir: Política de Alianças II: os Pais
Em Fátima, a Conferência Episcopal toma uma iniciativa inédita: D. Jorge Ortiga recebe os representantes da Plataforma dos professores, encontrando-se estes em pleno processo de luta. Não há comunicados oficiais. Mas há declarações mais ou menos informais. O Bispo presidente garante, diante de câmaras de televisão, que a Igreja está muito preocupada com os professores, as escolas, os pais e os alunos. Sugere a realização de um “pacto social” sobre as questões educativas. E recomenda ao governo que “ouça” os professores. Jornais, televisões e observadores prestam a menor atenção possível ao facto. Toda a gente, a começar pelas autoridades, prefere ignorar o gesto. Mas trata-se simplesmente de um dos factos mais importantes da vida política destes últimos anos.
Escrito isto, muda de assunto, sem explicar porque é que considera este facto tão importante. Só posso especular sobre as razões desta omissão: era intenção de Barreto levar os seus leitores a pensarem por si mesmos. Para responder a este desafio, tenho que fazer a mim próprio uma pergunta: concordo ou não que este facto é um dos mais importantes da vida política dos últimos anos? E, como a resposta é "sim", tenho que fazer a mim próprio outra pergunta: o que é que torna este facto tão importante?
Começo por assinalar alguns factos razoavelmente consensuais: primeiro, a Igreja Católica sabe muito, mas mesmo muito, de Escola; segundo, nem a Igreja Católica está enamorada dos lindos olhos de Mário Nogueira, nem Mário Nogueira dos lindos olhos da Igreja Católica; terceiro, a Igreja Católica nunca se interessou por Mário Nogueira até agora.
E a partir daqui podemos começar a especular. Que a Igreja católica tem a sua própria noção do que é e para que serve uma escola, é óbvio. E também parece óbvio que a escola da Igreja católica é elitista e democrática: elitista, porque uma das suas principais funções, se não a principal, é formar as elites de que precisa para a sua própria governação e para a sua influência sobre o Mundo; democrática, porque nunca hesitou em ir buscar ao mais fundo da escala social o material humano necessário à formação das elites.
Quando o Estado começou, com vários séculos de atraso em relação à Igreja, a fazer escolas, começou por adoptar este modelo, retirando-lhe apenas o carácter confessional e a doutrinação religiosa. Foi a Escola Pública, Universal, Republicana e Laica da Revolução Francesa. Daqui, a competição entre o Estado e a Igreja: ambos precisavam, para sobreviver, de formar elites, mas a fonte de material humano a que podiam recorrer era a mesma. Cada jovem dotado que entrasse para os Liceus era um jovem dotado a menos a entrar para os Seminários.
Mas este modelo, vantajoso para o Estado saído da Revolução Francesa, era tudo menos vantajoso para os Estados totalitários do Século XX e para as oligarquias estabelecidas, para quem a formação constante de novas elites representava uma concorrência incómoda. Daí, um novo paradigma de escola: não mais elitista, mas igualitário; não mais democrático, mas de casta. O modelo de escola pública que hoje nos querem impor (a privada é outra história) não se destina a permitir a ascensão social, antes a dificultá-la; não se destina a transmitir conhecimento, antes competências úteis (úteis já se sabe a quem); não quer formar cidadãos, antes servos que se mantenham muito quietinhos no degrau da escala social que lhes foi destinado.
Esta escola tecno-burocrática, utilitária, igualitária, anti-intelectual e de castas é directamente antagónica à noção de escola que a Igreja Católica tem inscrita no seu código genético. Quando a Igreja Católica recomenda ao Governo que "ouça" os professores, podemos ter a certeza que ela própria já os ouviu, e que os ouviu com atenção. Deve ter procurado todas as fontes que lhe permitissem auscultar o sentir dos professores, desde as pessoas que tem no terreno até à blogosfera; deve ter percebido que há uma nova força em campo; deve ter concluído que existe um consenso, ainda que incipiente e cheio de contradições, entre os professores; deve ter percebido que a partir deste consenso se formou, ou se está a formar, uma agenda informal, agenda essa que condiciona as próprias estruturas sindicais. E deve ter concluído que entre essa agenda e a sua própria há pontos de intersecção: caso contrário uma aliança não faria sentido.
Haverá vantagem para nós, professores, em estabelecer uma aliança com a Igreja Católica? Todos os meus instintos de ateu me gritam que não, mas é preciso ser racional. A Igreja Católica, se vier a ser nossa aliada, será uma aliada perigosa; mas desde quando existem neste mundo aliados valiosos que não sejam perigosos? Será ela o parceiro sénior, e nós o parceiro júnior: não vale a pena ter ilusões sobre isto. Vai querer demasiado em troca do seu apoio: por exemplo, poderá pretender um carácter mais confessional para a Escola Pública, e este é um ponto em que a nossa agenda não coincide de maneira nenhuma com a dela.
O que podemos dar à Igreja Católica, em troca do seu apoio, é um compromisso deontológico com o ensino, com o conhecimento e com a civilização (isto é, com a permanência por oposição ao efémero). Talvez a Igreja Católica não faça muita questão da modernidade: nós, professores, fazemos. Mas também lhe podemos garantir que, ao contrário do actual poder político e económico, não confundimos modernidade com modismos.
A seguir: Política de Alianças II: os Pais
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
Os bons pais e os bons professores
Uma leitora deste blogue achou de muito mau gosto eu escrever que os melhores pais estão com os professores. Compreendo e lamento a indignação da senhora, mas mantenho o que afirmei.
Há décadas que os governos europeus, incluindo o português, andam a fazer tudo o que podem para transformar a Escola Pública numa fábrica de mão-de-obra barata. Quem está por dentro do sistema, como os professores, está farto de saber isto. Quem está por fora talvez não o saiba, até porque estas políticas não são daquelas que se façam às claras.
Mas se algum pai sabe disto e se conforma, não pode ser um bom pai. Um bom pai não aceita ver os filhos condenados a uma vida inteira de pobreza e escravidão.
Há décadas que os governos europeus, incluindo o português, andam a fazer tudo o que podem para transformar a Escola Pública numa fábrica de mão-de-obra barata. Quem está por dentro do sistema, como os professores, está farto de saber isto. Quem está por fora talvez não o saiba, até porque estas políticas não são daquelas que se façam às claras.
Mas se algum pai sabe disto e se conforma, não pode ser um bom pai. Um bom pai não aceita ver os filhos condenados a uma vida inteira de pobreza e escravidão.
domingo, 14 de dezembro de 2008
Podemos conquistar os Pais para o nosso lado?
Se considerássemos os pais dos alunos como um todo, a resposta seria obviamente "não". Não há unanimidades, e tentar fabricá-las é um exercício fútil.
Acontece, porém, que os pais dos nossos alunos não são um grupo homogéneo: são gente diferenciada, com interesses diferenciados, valores diferenciados e necessidades diferenciadas. O apoio que eles nos possam vir a dar depende muito do que lhes pudermos dar em troca, e infelizmente não é possível dar tudo a toda a gente.
Há um grupo de pais que está naturalmente do lado dos professores mas é, infelizmente, minoritário: refiro-me àqueles para a qual o ensino é a função essencial da escola, o conhecimento um valor essencial da vida, e que conhecem suficientemente a "Pedagogia de Estado" em vigor há trinta anos (e hoje protagonizada por Maria de Lurdes Rodrigues) para saberem que ela é antagónica ao ensino e ao conhecimento. Em relação a este grupo, o risco que corremos não é o de eles se porem contra nós: é o de pura e simplesmente se desinteressarem de tudo o que tenha a ver com a Escola Pública, porem os filhos em colégios privados que ensinem bem (também há os que se podem dar ao luxo de ensinar mal porque têm outro peixe para vender) e não se porem, nem do nosso lado, nem do lado do Ministério.
Há um segundo grupo de pais que é o mais numeroso e que se encontra num dilema que divide interiormente cada um dos seus membros: por um lado, dão-se conta que a função da escola é ensinar, por outro precisam desesperadamente de quem lhes guarde os filhos, porque trabalham muito e infelizmente não se podem dar ao luxo de trabalhar menos. Conquistar este grupo é extremamente difícil por várias razões: primeiro, porque seria preciso convencê-los de um facto que, embora verdadeiro, é muito difícil de engolir: o de que não se pode ter tudo, que há no mundo escolhas difíceis, e que é materialmente impossível ter uma escola pública que desempenhe bem as funções de ensinar e de guardar. O bom desempenho duma destas funções implica necessariamente o mau desempenho da outra. Qual é o pai sobrecarregado de trabalho que interioriza isto, mesmo sabendo intelectualmente que é verdade?
A segunda razão por que é difícil conquistar este grupo de pais é o facto de a maior parte não estar informada da existência da "Pedagogia de Estado" que referi acima, e muito menos do seu carácter profundamente pernicioso. Para terem esta informação teriam que ter um conhecimento minucioso da legislação educativa, dos programas, das teorias pedagógicas e dos currículos, e este conhecimento não lhes pode ser exigido. Sabem que algo está mal, muito mal, no nosso sistema educativo; querem saber de quem é a culpa; e concluem, muito naturalmente, que é dos professores. Não lhes podemos levar isto a mal: qualquer um de nós, dispondo da mesma informação, chegaria à mesma conclusão.
A terceira razão pela qual este grupo é difícil de conquistar está no facto de a mentalidade portuguesa não dar grande valor ao conhecimento. Obrigados a escolher entre a escola que ensina e a escola que guarda, muitos deles escolherão, mesmo que a contragosto, a escola que guarda. Ou então, se puderem, entregarão os filhos às escolas privadas para as quais é materialmente possível desempenhar ambas as funções (e por isso mesmo são tão caras). No aspecto da guarda dos filhos, têm razões legítimas para estarem agradecidos à ministra: este benefício da sua política é visível já hoje, enquanto a catástrofe civilizacional que ela acarreta só será evidente daqui a décadas, quando a senhora já tiver morrido, depois de recebidas as condecorações da praxe.
Resta um terceiro grupo, felizmente minoritário. É um grupo que está perdido para nós à partida e que nem sequer devemos tentar conquistar: aqueles que têm uma profunda necessidade psicológica de odiar e que agradecem à Ministra a dádiva que lhes fez dum objecto plausível para esse ódio: os professores. Em relação a este grupo, não há nada a fazer a não ser isolá-lo na medida do possível e esperar que não faça demasiados estragos nas hipóteses que Portugal ainda tem de vir a ser um país decente.
Acontece, porém, que os pais dos nossos alunos não são um grupo homogéneo: são gente diferenciada, com interesses diferenciados, valores diferenciados e necessidades diferenciadas. O apoio que eles nos possam vir a dar depende muito do que lhes pudermos dar em troca, e infelizmente não é possível dar tudo a toda a gente.
Há um grupo de pais que está naturalmente do lado dos professores mas é, infelizmente, minoritário: refiro-me àqueles para a qual o ensino é a função essencial da escola, o conhecimento um valor essencial da vida, e que conhecem suficientemente a "Pedagogia de Estado" em vigor há trinta anos (e hoje protagonizada por Maria de Lurdes Rodrigues) para saberem que ela é antagónica ao ensino e ao conhecimento. Em relação a este grupo, o risco que corremos não é o de eles se porem contra nós: é o de pura e simplesmente se desinteressarem de tudo o que tenha a ver com a Escola Pública, porem os filhos em colégios privados que ensinem bem (também há os que se podem dar ao luxo de ensinar mal porque têm outro peixe para vender) e não se porem, nem do nosso lado, nem do lado do Ministério.
Há um segundo grupo de pais que é o mais numeroso e que se encontra num dilema que divide interiormente cada um dos seus membros: por um lado, dão-se conta que a função da escola é ensinar, por outro precisam desesperadamente de quem lhes guarde os filhos, porque trabalham muito e infelizmente não se podem dar ao luxo de trabalhar menos. Conquistar este grupo é extremamente difícil por várias razões: primeiro, porque seria preciso convencê-los de um facto que, embora verdadeiro, é muito difícil de engolir: o de que não se pode ter tudo, que há no mundo escolhas difíceis, e que é materialmente impossível ter uma escola pública que desempenhe bem as funções de ensinar e de guardar. O bom desempenho duma destas funções implica necessariamente o mau desempenho da outra. Qual é o pai sobrecarregado de trabalho que interioriza isto, mesmo sabendo intelectualmente que é verdade?
A segunda razão por que é difícil conquistar este grupo de pais é o facto de a maior parte não estar informada da existência da "Pedagogia de Estado" que referi acima, e muito menos do seu carácter profundamente pernicioso. Para terem esta informação teriam que ter um conhecimento minucioso da legislação educativa, dos programas, das teorias pedagógicas e dos currículos, e este conhecimento não lhes pode ser exigido. Sabem que algo está mal, muito mal, no nosso sistema educativo; querem saber de quem é a culpa; e concluem, muito naturalmente, que é dos professores. Não lhes podemos levar isto a mal: qualquer um de nós, dispondo da mesma informação, chegaria à mesma conclusão.
A terceira razão pela qual este grupo é difícil de conquistar está no facto de a mentalidade portuguesa não dar grande valor ao conhecimento. Obrigados a escolher entre a escola que ensina e a escola que guarda, muitos deles escolherão, mesmo que a contragosto, a escola que guarda. Ou então, se puderem, entregarão os filhos às escolas privadas para as quais é materialmente possível desempenhar ambas as funções (e por isso mesmo são tão caras). No aspecto da guarda dos filhos, têm razões legítimas para estarem agradecidos à ministra: este benefício da sua política é visível já hoje, enquanto a catástrofe civilizacional que ela acarreta só será evidente daqui a décadas, quando a senhora já tiver morrido, depois de recebidas as condecorações da praxe.
Resta um terceiro grupo, felizmente minoritário. É um grupo que está perdido para nós à partida e que nem sequer devemos tentar conquistar: aqueles que têm uma profunda necessidade psicológica de odiar e que agradecem à Ministra a dádiva que lhes fez dum objecto plausível para esse ódio: os professores. Em relação a este grupo, não há nada a fazer a não ser isolá-lo na medida do possível e esperar que não faça demasiados estragos nas hipóteses que Portugal ainda tem de vir a ser um país decente.
sábado, 13 de dezembro de 2008
Hora da Verdade
O colega Teodoro Manuel, da Escola Secundária da Moita, enviou-me este texto para publicar, o que faço com todo o gosto e com os meus agradecimentos.
Nunca percebi porque razão os sindicatos a aconselharam. Mas isso agora não interessa, reconhecida a burrada ingénua, há que combatê-la. Pode tornar-se um pesadelo do passado.
chegou a hora da verdade ¿vamos acabar a gritaria?
A divisão da carreira é uma aberração injustificada por critérios válidos, que consentimos colectivamente, que sancionámos ao concorrer, massiva e, em muitos casos, acriticamente, abrindo caminho a este modelo de avaliação e às quotas.
A divisão da carreira é uma aberração injustificada por critérios válidos, que consentimos colectivamente, que sancionámos ao concorrer, massiva e, em muitos casos, acriticamente, abrindo caminho a este modelo de avaliação e às quotas.
Até 11/12/2008, eu não descortinava como forçar e apressar o retrocesso. O ME deu-nos o pretexto para acabar com isto de vez. Com a birra esticada aos limites do surreal (cada vez que olho para MLR, vejo o ministro da informação do Sadam), iluminaram-nos. Agora, haja coerência com a gritaria. Quanto a mim, antes de garantir o fundamental já não é mais preciso sair à rua, as greves tornaram-se desnecessárias, podemos fazer isto mais barato. Já está tudo dito, o coro pode emudecer. Talvez falte ainda, acabar com a conversa de que os alunos saem prejudicados pelos professores. O que nos prescrevem está sendo inteiramente cumprido.
A participação na rua ou nas marés empolgantes não revelam fibra. A incógnita está aqui. É um dado da equação mas a acção agora depende apenas da consciência individual de cada um. Se pusermos de lado o próprio umbigo e deixarmos de nos acocorar a catar migalhas de poder e de arregalar os olhos ao aceno de uns tostões, tomaremos as atitudes que se impõem. Se, finalmente em maior número, orientarmos as nossas vidas por outros princípios que não exclusivamente salvar a pele, passar entre os pingos da chuva sem ficar húmido, logo logo isto passa.
Tentámos falar com calhaus, com caracóis, com sapos, fizeram o favor de nos dizer estrondosamente que é impossível. Então não vamos engolir mais, nem desperdiçar energia. Vamos deixá-los a coaxar e tratar de vez de defender a nossa vida colectiva, em silêncio, sem incomodar ninguém. Haja coerência, solidariedade e um pouquinho de coragem. Confio que a maior parte de nós vai comportar-se com dignidade. Afinal, até os ratos lutam pela sobrevivência, não sejamos "zecos". Pela parte que me toca, já sei o que vou fazer e isso deixa-me sereno.
Vivemos uma pós-democracia com falta de chá no berço (não sei como chamar a isto, democracia mínima em que o único direito é o voto e o voto é um cheque em branco, democracia regressiva, ditadura democrática, cilindraria financeira, sei lá), temos de acreditar, escolher o caminho e exigi-lo. Não requer estoicismo, apenas alguma abnegação, mas depois de tantos outros sacrifícios, de tanta calúnia, injúria, menosprezo, etc, já não dói. Se estivermos unidos não há imolação, não custa nada. Digo eu, que estou vacinado, antevi este filme a tempo e não entrei em cena desde o primeiro take.
Não reivindico a humilhação de quem quer que seja, mas levar bofetada enerva-me, e parece-me inadmissível que os professores sejam auto estrada para o deserto intelectual da plebe. Sem cobardia ardilosa, enunciem claramente o que pretendem e os portugueses que se pronunciem, não pretendam consegui-lo à custa de desconsideração, desprezo e servilismo, ainda por cima com a nossa conivência acéfala e amorfa ou subjugada. Já deviam ter percebido que assim não vingam. ¿Por qué no te callas, oh grande timoneiro, cego da própria radiosa presunção? Chega! Assim, a educação, a da plebe claro, fica embargada.
Se queremos um país cordial, civil, com igualdade de oportunidades, temos aqui e agora o ensejo de o demonstrar. Expurguemos as nuvens mais negras deste céu pesado que nos desabou em cima, sem sinais de desanuviar. Podemos contribuir para escampar esta saraivada. Sejamos solidários, dignos e coerentes e podemos reaver a luz possível na conjuntura actual, o esgarrão que vai ensurdecendo os tímpanos mais sensíveis é exilado no Largo do Rato. No fim, todos, não só os professores, sairemos a ganhar, e não apenas eu, eu, eu, eu e meia dúzia de adesivos.
Teodoro Manuel
A participação na rua ou nas marés empolgantes não revelam fibra. A incógnita está aqui. É um dado da equação mas a acção agora depende apenas da consciência individual de cada um. Se pusermos de lado o próprio umbigo e deixarmos de nos acocorar a catar migalhas de poder e de arregalar os olhos ao aceno de uns tostões, tomaremos as atitudes que se impõem. Se, finalmente em maior número, orientarmos as nossas vidas por outros princípios que não exclusivamente salvar a pele, passar entre os pingos da chuva sem ficar húmido, logo logo isto passa.
Tentámos falar com calhaus, com caracóis, com sapos, fizeram o favor de nos dizer estrondosamente que é impossível. Então não vamos engolir mais, nem desperdiçar energia. Vamos deixá-los a coaxar e tratar de vez de defender a nossa vida colectiva, em silêncio, sem incomodar ninguém. Haja coerência, solidariedade e um pouquinho de coragem. Confio que a maior parte de nós vai comportar-se com dignidade. Afinal, até os ratos lutam pela sobrevivência, não sejamos "zecos". Pela parte que me toca, já sei o que vou fazer e isso deixa-me sereno.
Vivemos uma pós-democracia com falta de chá no berço (não sei como chamar a isto, democracia mínima em que o único direito é o voto e o voto é um cheque em branco, democracia regressiva, ditadura democrática, cilindraria financeira, sei lá), temos de acreditar, escolher o caminho e exigi-lo. Não requer estoicismo, apenas alguma abnegação, mas depois de tantos outros sacrifícios, de tanta calúnia, injúria, menosprezo, etc, já não dói. Se estivermos unidos não há imolação, não custa nada. Digo eu, que estou vacinado, antevi este filme a tempo e não entrei em cena desde o primeiro take.
Não reivindico a humilhação de quem quer que seja, mas levar bofetada enerva-me, e parece-me inadmissível que os professores sejam auto estrada para o deserto intelectual da plebe. Sem cobardia ardilosa, enunciem claramente o que pretendem e os portugueses que se pronunciem, não pretendam consegui-lo à custa de desconsideração, desprezo e servilismo, ainda por cima com a nossa conivência acéfala e amorfa ou subjugada. Já deviam ter percebido que assim não vingam. ¿Por qué no te callas, oh grande timoneiro, cego da própria radiosa presunção? Chega! Assim, a educação, a da plebe claro, fica embargada.
Se queremos um país cordial, civil, com igualdade de oportunidades, temos aqui e agora o ensejo de o demonstrar. Expurguemos as nuvens mais negras deste céu pesado que nos desabou em cima, sem sinais de desanuviar. Podemos contribuir para escampar esta saraivada. Sejamos solidários, dignos e coerentes e podemos reaver a luz possível na conjuntura actual, o esgarrão que vai ensurdecendo os tímpanos mais sensíveis é exilado no Largo do Rato. No fim, todos, não só os professores, sairemos a ganhar, e não apenas eu, eu, eu, eu e meia dúzia de adesivos.
Teodoro Manuel
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
Eles têm interesses, nós temos uma causa
A escola deles destina-se (Maria de Lurdes Rodrigues dixit) a "qualificar". A escola deles serve para que os jovens das classes baixa e média baixa adquiram as competências instrumentais que o mercado requer para o País ser "competitivo". Na escola deles, as Ciências, as Artes, as Letras, a Filosofia são luxos para quem os possa pagar. A escola deles é tecno-burocrática, está ao serviço da oligarquia e é, no sentido mais literal do termo, profundamente reaccionária.
A nossa escola destina-se a ensinar e a aprender. A nossa escola é civilizadora. Na nossa escola, todos, mas mesmo todos, têm de ter acesso ao melhor que a nossa civilização tem para dar. Pode ser que a maioria não não queira chegar lá - mas todos têm que ter essa possibilidade. Na nossa escola, as Ciências, as Artes, as Letras, a Filosofia são um património irrenunciável de todos. A nossa escola está ao serviço da República. A nossa escola permite a formação de elites, mas, ao contrário da deles, não aprisiona as pessoas em castas.
Contra as OCDE's, contra os Sócrates, contra as Marias de Lurdes Rodrigues, contra as burocracias ministeriais, a nossa escola é um ideal pelo qual vale a pena lutar: com sacrifício, com esforço, com perseverança, com inteligência e com coragem. Durante décadas, se for preciso. Recorrendo até à desobediência civil, porque mesmo a legitimidade conferida pelo voto fica invalidada quando a governação se faz, conscientemente e como é actualmente o caso, em detrimento da República.
Muito antes de ser uma organização do Estado, já a Escola era uma instituição da Sociedade. Defendê-la-emos por todos os meios ao nosso alcance, se necessário contra o próprio Estado. E se os inimigos da Escola Pública e Republicana jogarem sujo, também nós seremos capazes de o fazer.
A nossa escola destina-se a ensinar e a aprender. A nossa escola é civilizadora. Na nossa escola, todos, mas mesmo todos, têm de ter acesso ao melhor que a nossa civilização tem para dar. Pode ser que a maioria não não queira chegar lá - mas todos têm que ter essa possibilidade. Na nossa escola, as Ciências, as Artes, as Letras, a Filosofia são um património irrenunciável de todos. A nossa escola está ao serviço da República. A nossa escola permite a formação de elites, mas, ao contrário da deles, não aprisiona as pessoas em castas.
Contra as OCDE's, contra os Sócrates, contra as Marias de Lurdes Rodrigues, contra as burocracias ministeriais, a nossa escola é um ideal pelo qual vale a pena lutar: com sacrifício, com esforço, com perseverança, com inteligência e com coragem. Durante décadas, se for preciso. Recorrendo até à desobediência civil, porque mesmo a legitimidade conferida pelo voto fica invalidada quando a governação se faz, conscientemente e como é actualmente o caso, em detrimento da República.
Muito antes de ser uma organização do Estado, já a Escola era uma instituição da Sociedade. Defendê-la-emos por todos os meios ao nosso alcance, se necessário contra o próprio Estado. E se os inimigos da Escola Pública e Republicana jogarem sujo, também nós seremos capazes de o fazer.
Associação de Pais da melhor Escola Pública do ranking
Eu já desconfiava, mas a prova está aqui:
OS MELHORES PROFESSORES ESTÃO CONTRA O MINISTÉRIO.
OS MELHORES PAIS ESTÃO COM OS PROFESSORES.
OS MELHORES PROFESSORES ESTÃO CONTRA O MINISTÉRIO.
OS MELHORES PAIS ESTÃO COM OS PROFESSORES.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
Os professores são os judeus de Sócrates?
A técnica é velha mas comprovadamente eficaz: atiça-se o ódio da população contra um certo grupo, que passa a ser culpado, em lugar dos poderosos, dos males que afligem a sociedade, e promete-se ao povo que, uma vez eliminado ou «posto na ordem» este grupo, o futuro pode enfim começar.
Nem Adolf Hitler foi o primeiro político a ganhar eleições por este processo, nem José Sócrates será, se as vencer, o último.
Para atiçar este ódio não é preciso oferecer argumentos racionais. Os judeus podem ser apresentados como sub-humanos degenerados e ao mesmo tempo como intelectuais elitistas: presos por ter cão e presos por não ter, são igualmente dignos do opróbio público.
Os professores podem ser apresentados como selvagens que fazem greves e manifestações, e ao mesmo tempo como preguiçosos que gastam o tempo pago pelos contribuintes a ler livros e a fazer outras coisas inúteis, como estudar e ensinar.
Mas o grande crime, o crime imperdoável dos judeus e dos professores, é a resistência à mudança. Ousam, os miseráveis, atravessar-se no caminho dos heróis portadores do futuro, chamem-se eles Adolf Hitler ou José Sócrates.
Para as câmaras de gás com eles, já!
Nem Adolf Hitler foi o primeiro político a ganhar eleições por este processo, nem José Sócrates será, se as vencer, o último.
Para atiçar este ódio não é preciso oferecer argumentos racionais. Os judeus podem ser apresentados como sub-humanos degenerados e ao mesmo tempo como intelectuais elitistas: presos por ter cão e presos por não ter, são igualmente dignos do opróbio público.
Os professores podem ser apresentados como selvagens que fazem greves e manifestações, e ao mesmo tempo como preguiçosos que gastam o tempo pago pelos contribuintes a ler livros e a fazer outras coisas inúteis, como estudar e ensinar.
Mas o grande crime, o crime imperdoável dos judeus e dos professores, é a resistência à mudança. Ousam, os miseráveis, atravessar-se no caminho dos heróis portadores do futuro, chamem-se eles Adolf Hitler ou José Sócrates.
Para as câmaras de gás com eles, já!
domingo, 7 de dezembro de 2008
Escola Pública ou Escola Republicana?
Foi com enorme satisfação que vi, nas manifestações e nas greves dos professores, a profusão de cartazes reivindicando a defesa da Escola Pública. E foi com igual satisfação que vi alguns analistas políticos mais perspicazes começarem a aperceber-se que o conflito entre os professores e o Ministério é cada vez menos de ordem laboral e cada vez mais de ordem política.
Nos próximos meses assistiremos a negociações entre o Ministério e os Sindicatos. O que vai estar em cima da mesa vai ser o Estatuto da Carreira Docente, o Modelo de Avaliação e mais um ou outro afloramento do iceberg que calhe estar na ordem do dia. Sobre estes assuntos, cada uma das partes fará muitas cedências, poucas cedências ou nenhumas cedências conforme o poder negocial que tenha na altura. Nada disto é importante.
O que não estará em cima da mesa é a parte submersa do iceberg. E os professores sabem disso. E porque os professores sabem disso, tanto o Ministério, como os sindicatos estão em pânico. Sentados à volta da mesa, não se ouvirão uns aos outros: terão os ouvidos apurados só para os primeiros sinais de que o Comendador de Pedra se prepara para entrar na sala.
Os gatos saíram do saco e ninguém os vai conseguir meter lá outra vez. Os professores portugueses politizaram-se e ninguém os vai despolitizar. Perceberam que estão frente a frente duas concepções de escolas incompatíveis nos seus pressupostos, na sua concepção do humano e acima de tudo nos interesses que servem. De um lado, aquilo que apareceu referido nos cartazes como a Escola Pública e a que os nossos colegas franceses chamam, talvez com mais propriedade, a Escola Republicana, que se define pelo acesso de todos ao melhor que a nossa civilização oferece. Do outro lado, o inimigo: a escola tecno-burocrata, para a qual não há «civilizações», mas sim «economias», e cujo projecto consiste em ensinar uma pequena elite económica, ficando reservado a todos os outros aquilo a que Maria de Lurdes Rodrigues chama «qualificação».
A luta entre os professores o Ministério da Educação é um conflito de culturas e civilizações. Se permitirmos que o Ministério vença, os nossos netos serão selvagens.
Nos próximos meses assistiremos a negociações entre o Ministério e os Sindicatos. O que vai estar em cima da mesa vai ser o Estatuto da Carreira Docente, o Modelo de Avaliação e mais um ou outro afloramento do iceberg que calhe estar na ordem do dia. Sobre estes assuntos, cada uma das partes fará muitas cedências, poucas cedências ou nenhumas cedências conforme o poder negocial que tenha na altura. Nada disto é importante.
O que não estará em cima da mesa é a parte submersa do iceberg. E os professores sabem disso. E porque os professores sabem disso, tanto o Ministério, como os sindicatos estão em pânico. Sentados à volta da mesa, não se ouvirão uns aos outros: terão os ouvidos apurados só para os primeiros sinais de que o Comendador de Pedra se prepara para entrar na sala.
Os gatos saíram do saco e ninguém os vai conseguir meter lá outra vez. Os professores portugueses politizaram-se e ninguém os vai despolitizar. Perceberam que estão frente a frente duas concepções de escolas incompatíveis nos seus pressupostos, na sua concepção do humano e acima de tudo nos interesses que servem. De um lado, aquilo que apareceu referido nos cartazes como a Escola Pública e a que os nossos colegas franceses chamam, talvez com mais propriedade, a Escola Republicana, que se define pelo acesso de todos ao melhor que a nossa civilização oferece. Do outro lado, o inimigo: a escola tecno-burocrata, para a qual não há «civilizações», mas sim «economias», e cujo projecto consiste em ensinar uma pequena elite económica, ficando reservado a todos os outros aquilo a que Maria de Lurdes Rodrigues chama «qualificação».
A luta entre os professores o Ministério da Educação é um conflito de culturas e civilizações. Se permitirmos que o Ministério vença, os nossos netos serão selvagens.
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