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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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domingo, 29 de março de 2009

O que conta é ser importante

Um jovem português que trabalhava no Porto negociou um contrato em nome da sua empresa. No dia marcado para a assinatura, fez uma viagem de duas horas e apresentou-se na outra empresa à hora combinada. Mas nesse dia o "Senhor Engenheiro" encontrava-se mal-disposto e mandou dizer que não estava para aturar miúdos: ele que voltasse noutro dia. Passado algum tempo, este jovem emigrou, juntando-se ao número dos que refiro neste artigo. Não tomou esta decisão por causa deste episódio, mas pesou nela uma longa sucessão de episódios semelhantes.

Vários meses depois e trezentos quilómetros mais a Sul, mil portugueses compraram bilhetes para assistir a um espectáculo de ópera no CCB. O espectáculo começou com meia hora de atraso porque outro "Senhor Engenheiro" - Primeiro-Ministro de Portugal - achou perfeitamente natural que a cortina só subisse quando ele e os seus acompanhantes estivessem sentados nas respectivas cadeiras. O que ele não acharia natural, atrevo-me a suspeitar, é que o espectáculo tivesse começado à hora marcada sem a sua ilustre presença.

O que têm estes dois episódios em comum? O facto de ambos envolverem "Senhores Engenheiros" é irrelevante, como é irrelevante a hipótese de ambos darem aos portugueses vontade de emigrar.

O que é relevante é a aparente banalidade dos dois casos. A naturalidade com que estas coisas se fazem todos os dias, milhares de vezes e por todo o país. É serem o retrato cruel duma cultura em o que conta não é ser competente, mas sim ser importante. E é claro: a importância de cada um mede-se, muitas vezes à falta de outro título, pelo poder de fazer esperar os outros.

O atraso de Sócrates

Imaginemos, forçando um pouco, que José Sócrates era um bom primeiro ministro. Imaginemos que todas as suas políticas eram acertadas, ou pelo menos uma boa parte delas. Imaginemos que governava para o bem comum e não para o bem de uns poucos. Mesmo assim, todo esse bom trabalho teria sido desfeito pelo mau exemplo que deu ao chegar atrasado ao CCB. Num país como Portugal, em que a falta de pontualidade é um vício generalizado (que nos fica caríssimo em termos de riqueza e de qualidade de vida), um responsável político não pode, simplesmente não pode, dar exemplos destes. Seja qual for a desculpa.

O remédio para a falta de pontualidade é simples: nunca esperar por ninguém. Imaginemos que o director do CCB tinha decidido dar início ao espectáculo à hora marcada. José Sócrates ficaria perante uma escolha: ou retaliava, ou aproveitava para o elogiar em público, apresentando-o como exemplo do "Portugal moderno" que a sua propaganda nos vende. A hubris aconselharia a primeira alternativa, a inteligência a segunda.

Desconfio que no caso de José Sócrates prevaleceria a hubris. Mas a hubris, como é sabido, atrai a vingança dos deuses.  

quinta-feira, 26 de março de 2009

É sonso, ou é pulha?

Uma das coisas que mais me incomodam numa certa direita é a pulhice (não há outro nome) de chamar "inveja" a indignações que radicam na mais elementar decência. Vem isto a propósito do uso daquela palavra por José Sócrates quando Francisco Louçã questionou no Parlamento o enriquecimento de Armando Vara.

Não sei como é que Louçã reagiu a esta expressão, e não me compete defendê-lo. Pelo que me toca, se algum José Sócrates dissesse, ou insinuasse sequer, que eu tinha "inveja" dum fulano como Armando Vara, exigiria desculpas públicas; e se elas não me fossem dadas, pregaria dois estalos na cara do atrevido.

Entendamo-nos: Sócrates acusou Louçã de exprimir inveja, sua ou de outrem, em relação a um corrupto. Isto é um insulto pessoal grave e gratuito. E Armando Vara é corrupto: pode não o ser pela definição legal do termo, que é escandalosamente restritiva; mas é-o na substância, visto que converteu poder político em poder económico. Ou haverá alguém tão ingénuo que ache possível, numa sociedade de castas como é a portuguesa, que alguém, partindo de onde Armando Vara partiu, chegasse aonde ele chegou sem passar pela política?

Já escrevi neste blogue que não sei se José Sócrates é corrupto. Sei, sim, que é indulgente com a corrupção, que a facilita por sistema e que não se indigna com ela. E agora fiquei a saber que chama invejoso a quem se indigna.

Crime, digo eu

Se alguém quiser perceber como o "capitalismo de compinchas" que governa Portugal nos está a empobrecer a todos e ao país, leia os depoimentos publicados neste blogue. São histórias reais de jovens altamente qualificados que emigraram. As histórias são escritas pelos próprios e publicadas sem comentários, o que as torna ainda mais impressionantes. Depois de ler meia dúzia destas histórias começamos a encontrar pontos comuns que formam um padrão: e este padrão indicia um dos crimes mais hediondos que o poder político e o poder económico (se é que ainda há distinção entre os dois) já cometeram contra a nossa República.

Pela minha experiência e das pessoas que conheço, sei que mais de metade dos nossos filhos, genros e noras - jovens entre os 25 e os trinta e cinco anos, na esmagadora maioria altamente qualificados - estão a estudar ou a trabalhar noutros países; e fico a pensar se a proporção que encontro neste pequeno universo é ou não generalizável. Em todo o caso, mesmo que a nível nacional a proporção não atinja os 50% que atinge na minha experiência, uma certeza tenho: são muitos. São demais.

Sou professor do ensino secundário no topo da carreira: não é de admirar que uma grande parte das minhas relações sociais consista noutros professores de idade semelhante à minha, muitos deles já aposentados ou a pensar na apossentação, nem que muitos tenham filhos da idade aproximada do meu. Destas pessoas, só uma tem uma filha professora. Os pais fogem da escola; os filhos fogem da profissão dos pais e metade deles fogem de Portugal. É este o padrão que eu vejo.

Não seria interessante se alguma estação de televisão fizesse um documentário sobre os professores que se estão a aposentar prematuramente e, em paralelo, sobre os filhos destes professores - a sua visão do mundo, as suas qualificações, as suas profissões, as suas expectativas de vida e de carreira? Quase garanto que esta reportagem, se fosse bem feita, seria daquelas que dão prémios.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Não há alternativa?

"Não há alternativa" era uma das frases preferidas de Margaret Thatcher. Como não há alternativa às decisões de quem manda, o melhor é aceitá-las docilmente.

Curiosamente, o leninismo e o estalinismo também eram adeptos do "não há alternativa". A História obedecia a regras rígidas e inescapáveis: o futuro estava determinado "cientificamente" e os donos dele eram os membros da Nomenklatura.

Os neoliberais não fugiram a esta tradição. O mercado tinha as suas regras, estas eram conhecidas, e a partir delas era possível deduzir, com absoluta certeza, o futuro. Houve quem chegasse a escrever que estávamos perante o fim da História.

De repente, a crise. E não uma crise qualquer: uma crise diferente de todas as outras. Uma crise cuja evolução, apesar de todas as inevitabilidades históricas anteriormente invocadas, se anuncia imprevisível. E esta imprevisibilidade é, naturalmente, anátema para quem passou trinta anos a anunciar-se como dono e oráculo do futuro. Não admira que estejamos todos perplexos. Ou melhor, todos, não: quem está mais perplexo e desorientado é quem tinha, ainda há dois anos, as certezas todas.

E é assim que Cavaco Silva diz, perante trabalhadoes desesperados com o fecho duma empresa, que não tem solução para o problema deles. E como ele, os políticos, os empresários, os académicos, os jornalistas. O mundo, tal como o conheciam, desabou sobre eles: não sabem para onde hão-de ir eles próprios, muito menos para onde hão-de conduzir os outros. Não vêem o futuro e por isso pensam que ele não existe.

Mas, mesmo sem donos, há sempre futuro. Há sempre alternativa. E haverá sempre alguém para a propor.

José Mourinho para Ministro da Educação.

Pelo que ouvi José Mourinho dizer há pouco tempo na televisão, aquando do seu doutoramento honoris causa, fiquei convencido que está qualificado para o cargo: disse ele, referindo-se aos seus tempos de estudante e aos seus êxitos actuais, que os conhecimentos que naquele tempo lhe pareciam inúteis fazem hoje a diferença.

Bem sei que isto pode parecer uma banalidade aos olhos de quem me lê; mas, como se lê na frase de Orwell que serve de epígrafe a este blogue, chegámos a um ponto tal que a reafirmação do óbvio é o primeiro dever dos homens inteligentes.

Pois Mourinho cumpriu, ao dizer o que disse, o seu dever. Não só mostrou que é capaz de compreender o óbvio, como de o reafirmar. Com isto provou que está, na hierarquia natural, muitos furos acima de Maria de Lurdes Rodrigues, Válter Lemos, Jorge Pedreira e Margarida Moreira, para não falar na turbamulta de tecno-burocratas alucinados que infestam, a expensas do contribuinte, os gabinetes do Ministério dito da Educação.

domingo, 22 de março de 2009

A Sagração da Primavera

Aqui por Béjart e aqui por Pina Bausch.

Slogan para a campanha do PS

Gestão unipessoal: uma margarida moreira para cada escola!

Adenda

Querem convencer-nos que "capitalismo" e "mercado livre" são sinónimos. Não são. Pelo contrário, são incompatíveis: enquanto houver capitalismo - leia-se, domínio político do capital - o mercado livre continuará a ser uma impossibilidade.

Democracia radical

Em referência ao meu artigo "Promessas Eleitorais", que transcreve, desafia-me o Francisco Trindade, do Anovis Anophelis, a "dar o salto político para a visualização dum modelo societário alternativo a este, porque pseudo-democrático e supostamente livre".

Quanto ao pseudo-democrático e supostamente livre, estamos de acordo. Acho mesmo que vivemos, um pouco por todo o Hemisfério Norte, num regime político esquizofrénico, onde nunca o discurso politicamente correcto manifestou tanta repulsa pela escravatura, mas onde as relações de trabalho são provavelmente mais esclavagistas do que nunca. Quem trabalha hoje por conta de outrem dá em tributo aos seus Senhores uma proporção maior do seu tempo de vida do que um escravo grego ou romano ou um servo medieval (cf. Belmiro de Azevedo em reunião com Manuela Ferreira Leite: "entrar às oito e sair quando o trabalho está pronto"). 

A minha dúvida em relação à proposta do Francisco Trindade centra-se na palavra "alternativo." Se o que o Francisco me está a propor é uma ruptura com o modelo de democracia liberal prometido pela Revolução Francesa e pela Revolução Americana, não estou preparado para essa ruptura. Estou preparado para o transcender, o que é diferente: entendo que as revoluções francesa e americana deixaram o trabalho pela metade e que hoje a tarefa fundamental da esquerda é levá-lo até ao fim.

Separou-se, ainda que imperfeitamente, o poder político do poder religioso; esta foi uma conquista civilizacional importante, mas não chega: o que é preciso hoje é separar o poder político do poder económico. Sem esta separação, a corrupção não será uma doença, nem uma aberração, nem uma anomalia dos sistemas políticos actuais, mas sim o seu próprio centro definidor. 

Há todas as razões para fazer desta separação o núcleo central dum projecto de esquerda. Não sei - e não me interessa especialmente - se o capitalismo lhe sobreviria enquanto sistema económico. Não lhe sobreviveria, com certeza, enquanto regime político - que é o que ele, na essência, é. Se a Economia trata da produção e da distribuição da riqueza, a Política trata da criação e da distribuição do poder. Quem sabe se a separação entre riqueza e poder não tornaria possível, pela primeira vez na História, o funcionamento dum verdadeiro mercado livre? Mas isto, a acontecer, seria um meio e não um fim. O fim é libertar as pessoas, não os mercados.

Pela primeira vez desde há décadas, as ideias da esquerda radical são "vendáveis" às opiniões públicas, mas para isso é preciso que a esquerda radical seja radicalmente democrática, e que tenha um âncora ideológica simples e facilmente compreensível em que as pessoas se reconheçam. Essa âncora poderá ser a nova separação de poderes que referi: certamente que não lhe falta procura no "mercado político" de hoje.

Claro que não se poderá resumir a isto o pensamento político da esquerda. Por isso falo duma "âncora" e não dum sistema ou de uma ideologia. A elaboração teórica será necessariamente muito mais complexa e é impossível prever por que caminhos irá o debate. Mas posso arriscar algumas possibilidades: uma delas é a esquerda começar a ler os pensadores "de direita" que a direita deixou de ler. Em Hobbes, por exemplo, poderá a esquerda recuperar a ideia de contrato social que a direita neoconservadora e neoliberal tentou destruír. Em Burke, para dar outro exemplo, poderá a esquerda encontrar os instrumentos para desmontar o discurso da inovação sem raízes que a direita actual vem repetindo. 

Ao mesmo tempo que as direitas dos interesses procuram excluir a Economia do Contrato Social (ao qual ela claramente pertence), as direitas religiosas, tanto as cristãs como as judaicas ou as muçulmanas, têm procurado forçar os Estados a intervir fora dele, ou seja: a legislar em questões morais. Certas esquerdas têm feito o mesmo, por via do "politicamente correcto". A isto, há que contrapor que não há crime sem vítima (e esta será uma "âncora" subsidiária a propor aos cidadãos): comportamentos privados são comportamentos privados e o Estado não tem nada com eles. A nova esquerda tem que lutar contra a Sharia islâmica, mas também contra as "sharias" de direita e esquerda em vigor nos países ditos democráticos: sem isto, nem a meia Revolução do Séc. XVIII estará cumprida, e muito menos a parte dela que ficou adiada para o Séc. XXI. 

sábado, 21 de março de 2009

Modernidades

Ontem ia na rua e reparei numa coisa para que tenho andado a olhar sem ver: há cada vez mais táxis pretos e verdes.

Lembrei-me que os táxis passaram a ser de cor creme quando Cavaco Silva era Primeiro Ministro. Com carácter obrigatório, note-se: só mais tarde é que a obrigatoriedade foi revogada e os taxistas que quisessem puderam voltar a pintar os seus carros de preto e verde.

Eu não gostei da inovação. Os táxis pretos e verdes eram uma das coisas que me faziam sentir em casa quando aterrava em em Portugal. Mas o que me sobretudo me confundiu foi o argumento usado: os táxis tinham que ser creme por uma questão de modernidade.

O que é que a modernidade tinha a ver com a cor dos carros? Se me falassem em motores menos poluentes, em ABS, em controlo de tracção, em melhor formação e melhor protecção para os taxistas, isso sim, seria moderno. Mas a cor?!

José Sócrates, que além de ser cavaco é yuppie, tem da modernidade uma noção ainda mais estapafúrdia que Cavaco Silva (que nos anos que  entretanto passaram já se cultivou um pouco e aparenta ter lido alguns livros sem ser de Economia). Para José Sócrates, a modernidade consiste em coisas como pôr computadores em salas de aula sem tomadas eléctricas e em instalar equipamentos sem assegurar previamente a sua manutenção. Consiste em ouvir embasbacado todo e qualquer guru (de preferência americano) que tenha escrito um livro de auto-ajuda para empresários e vendido muitos exemplares. Consiste em assumir que só há um  futuro possível e ele próprio é o dono dele - em condomínio com o que há de mais medíocre na política europeia e de mais corrupto no empresariado português. Consiste naquilo a que o velho Montaigne chamava nouvelleté: a mudança pela mudança, sem objectivo, conteúdo, nem sentido. Como os táxis cor de creme.

Em suma: a modernidade, para Sócrates, é simplesmente o que "está a dar".

Mas, para seu mal, "não se muda já como soía". O que estava a dar já não dá. A era Reagan-Thatcher acabou. Sócrates pode ainda não se ter dado conta disto, mas os seus mentores e patrões já o entenderam - e estão em pânico. E assim, a sua modernidade transformou-se naquilo em que se transformam rapidamente todas as modernidades insufláveis: hoje é uma velharia. 

sexta-feira, 20 de março de 2009

Promessas eleitorais

Se há palavra que me incomoda no léxico político, é a palavra promessa. A imagem que ela me faz vir ao espírito é a de um déspota oriental que promete ao povo, na sua magnanimidade e benevolência, as benesses que lhe apraz; e o povo, grato e humilde, agradece e espera.
Em democracia, parece-me, não há promessas: há mandatos.
Um mandato político é um contrato entre eleitores e eleitos. Ao votar, o eleitor declara implicitamente que compreende e aceita o clausulado que lhe é proposto. Isto, é claro, em teoria: na prática, há muita gente que vota sem saber em quê. Mas o eleito, mesmo sabendo que o eleitor assinou de cruz, não fica por isso absolvido da sua obrigação contratual.
Este contrato pode caducar, como qualquer outro, antes do termo: se uma das partes não o cumpre, a outra pode denunciá-lo. É por isso que eu acredito que o actual Governo não tem legitimidade democrática. A legitimidade que tinha, conferida pelo voto popular, caducou por incumprimento no dia em que José Sócrates decidiu, em contravenção directa do mandato que tinha sido conferido ao PS, não referendar o Tratado de Lisboa.
Foi imposição de Bruxelas, dir-se-á; mas eu, há quatro anos, quando fui votar, não me lembro de ter visto ao meu lado, na fila de espera, nenhum membro da Comissão Europeia nem do Banco Central Europeu.

terça-feira, 17 de março de 2009

Catherine Malfitano no papel de Salomé

Pode-se ver a dança dos sete véus aqui, mas o que realmente impressiona é o que vem a seguir e o clip do Youtube não mostra. Malfitano começa por apresentar a sua personagem como uma princesinha caprichosa e vai evoluindo gradualmente, quase sem que o espectador dê por isso, até desbrochar no monstro de paixão da cena final. Esta interpretação de Salomé, gravada na Deutsche Oper de Berlim em 1990 sob a direcção de Giuseppe Sinopoli, é a minha preferida entre as que conheço.

domingo, 15 de março de 2009

Será José Sócrates corrupto?

José Sócrates é suspeito no caso Freeport. Podem as polícias e as magistraturas portuguesas não suspeitar dele - dão a impressão, de resto, que evitam diligentemente suspeitar - mas eu, por exemplo, suspeito. E suspeitam muitos outros portugueses, tenho a certeza. E suspeitam as autoridades britânicas.

Trata-se duma simples transposição da voz activa para a voz passiva: se alguém suspeita dele, é suspeito.

Como cidadão, perante a justiça, José Sócrates beneficia da presunção de inocência: deve ser considerado inocente até se provar que é culpado. Como político em campanha, perante os eleitores, não beneficia da mesma presunção: é culpado até se provar que é inocente, e assim é que está bem. Perante um tribunal, um réu pede que não o condenem, e numa sociedade civilizada tem direito a que o ónus da prova recaia sobre quem o acusa. Mas um político em campanha não é um réu perante um tribunal, a não ser em sentido metafórico. Não está a pedir aos eleitores que não o condenem: está a pedir-lhes que confiem nele. E para tal tem que ser ele a provar que é digno desta confiança.

Eu não quero José Sócrates preso sem provas cabais de que é culpado; mas também não o quero eleito sem provas cabais de que é inocente. Ao mostrar-se tão ofendido por suspeitarem dele e ao recusar-se a dar explicações, José Sócrates não afasta as suspeitas, só as reforça.

Os cidadãos eleitores, ao contrário dos tribunais, têm o direito de ter em consideração os antecedentes do acusado. No caso de José Sócrates, estes não são brilhantes: projectos de engenharia elaborados por outros e assinados por ele, o uso prolongado dum título académico falso, a obtenção deste título por processos lamentáveis, a sistemática obstrução, no Parlamento, de todos os projectos de lei que visassem dificultar a corrupção, a aprovação dum Código de Processo Penal que dificultou ainda mais a investigação e a prova nos crimes de colarinho branco, a colagem sistemática aos interesses do poder económico em detrimento do bem público: nada disto prova nada contra ele no caso Freeport, mas tudo isto torna plausíveis as suspeitas.

Quanto às promessas eleitorais não cumpridas, há uma que pode ter perdão e outra que seguramente não o tem. Se José Sócrates não cumpriu a promessa de criar 150.000 novos postos de trabalho, pode alegar que tentou mas não conseguiu. Isto aceita-se. Pode até tergiversar e dizer que nunca prometeu um saldo positivo na criação de emprego, nem que os empregos criados fossem melhores, mais bem pagos e menos precários do que os empregos destruídos: será mais um exemplo de trafulhice a juntar a tantos outros, mas quase se pode aceitar. O que não se aceita de todo é que tivesse prometido um referendo sobre o Tratado de Lisboa e não o tivesse feito. Se José Sócrates não cumpriu esta promessa, não foi porque não pudesse: foi porque não quis.

E não quis porque a Europa que ele quer é a que a oligarquia quer: uma Europa dos interesses contra uma Europa dos Cidadãos. O referendo foi sonegado aos eleitores para evitar que eles, votando contra aquela, abrissem caminho a esta.

Para José Sócrates exigir, como arrogantemente exige, que o consideremos acima de toda a suspeita, devia ter construído no passado uma reputação em que pudesse fundar esta exigência. Não a construiu. Pelo contrário, provou abundantemente que a mentira, a artificialidade, a superficialidade, o discurso vazio, a trafulhice, as explicações embrulhadas, a subserviência ao poder económico - incluindo o sector mais criminoso deste poder - são as marcas definidoras do seu estilo. Eu, pela minha parte, nunca lhe compraria um carro usado; muito menos votarei num PS de que ele seja líder.

Tiro no pé

João Proença, da UGT, recomendou o voto no PS. Só se pode concluir que, no íntimo de João Proença, o militante partidário prevaleceu sobre o sindicalista. Tratando-se doutro PS, a recomendação talvez produzisse o resultado desejado. Tratando-se do PS de José Sócrates, o que João Proença fez foi empurrar muita gente para a CGTP.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Panache

Tenho sincera pena de não saber usar o palavrão com o talento e a panache com que o faz o Arrebenta. Um texto como este até lava a alma!

Eu não quero

Eu não quero ser julgado por um juiz "qualificado" pela escola de Maria de Lurdes Rodrigues.
Eu não quero ser representado por um advogado "qualificado" pela escola de Maria de Lurdes Rodrigues.
Eu não quero ser tratado por um médico "qualificado" pela escola de Maria de Lurdes Rodrigues.
Eu não quero estar vinculado a leis feitas por deputados "qualificados" pela escola de Maria de Lurdes Rodrigues.
Eu não quero morar numa casa projectada por um engenheiro "qualificado" pela escola de Maria de Lurdes Rodrigues.
Eu não quero obedecer a superiores hierárquicos "qualificados" pela escola de Maria de Lurdes Rodrigues.
Eu nem sequer quero depender dos serviços dum canalizador, dum electricista ou dum técnico de informática "qualificados" pela escola de Maria de Lurdes Rodrigues.
Eu não quero ser governado por uma espécie de engenheiro.
Eu quero viver numa sociedade civilizada onde a escola seja, como sempre foi e tem de ser, a muralha entre a civilização e a barbárie.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Novo blogue

Comecei hoje a publicar no meu blogue em inglês, My Convoluted Politics. O texto inaugural tem por título Another Way to Serfdom. Em regra, não publicarei os mesmos textos nos dois blogues, mas quando entender que se justifica poderei traduzir de um para o outro.

Infelizmente não é só em Portugal

Algumas mentes iluminadas no Ministério da Educação francês estão a propor que se deixe de ensinar o conjuntivo nas escolas públicas. Razão: as pessoas já não o usam.

E de facto: para que serve saber o conjuntivo? Para inutilidades como ler Baudelaire ou Flaubert... Para gritar «vem aí a bófia» o conjuntivo não é preciso para nada.

domingo, 8 de março de 2009

Reuniões com pais e alunos: argumentário

Sugiro aos colegas que organizem reuniões com pais e alunos nas quais expliquem as razões dos professores. Não esperem reunir grandes grupos: trata-se mais de lançar sementes do que de ceifar grandes colheitas.

Algumas ideias a passar (adaptar conforme as circunstâncias):

1. O principal direito e o principal dever dos professores é ensinar; o principal direito dos alunos é aprender, e o seu principal dever é deixar que os outros alunos aprendam. Estes direitos e estes deveres prevalecem sobre quaisquer outras actividades.

2. Todos os alunos têm direito a uma escola disciplinada e segura. A indisciplina é sempre uma agressão porque faz sempre vítimas. Infelizmente, não perece ser este o entendimento de quem nos governa.

3. A escola prepara para a vida. Como o trabalho faz parte da vida, a escola também prepara para o trabalho. Um aluno preparado para a vida está preparado para o trabalho, ou a um passo disso; mas um aluno preparado só para o trabalho nem para o trabalho está preparado.

4. Entre pais, alunos e professores, a responsabilidade maior, e a tarefa mais difícil, é a dos pais. Nem todos os pais estão em condições de apoiar os seus filhos no estudo, mas este não é o pedido principal que a escola lhes faz. O pedido principal que a escola faz aos pais é que se façam respeitar pelos filhos, ensinando-os assim a respeitar os professores, a autoridade e os adultos em geral.

5. A escola melhorou muito nos últimos 30 anos porque se abriu a toda a gente.

6. A escola piorou muito nos últimos 30 anos porque os políticos as obrigaram a adoptar teorias pedagógicas que não funcionam.

7. Os três grandes males da escola são a burocracia asfixiante, as teorias pedagógicas sem sentido e o incivismo generalizado. Contra o primeiro mal, luta-se através do voto. Contra o segundo, luta-se lendo os programas e os manuais; no caso de não entenderem o que está escrito nos programas, devem exigir às autoridades educativas que publiquem programas que façam sentido, que toda a gente entenda e com os quais a generalidade das pessoas esteja de acordo: os pais têm o direito de saber o que está a ser ensinado aos filhos.
Contra o incivismo, devem os pais adoptar uma política de tolerância zero em relação às agressões, insultos ou ameaças de que os filhos sejam vítimas, apresentando queixa tanto na escola como na polícia e exigindo punições a sério para os culpados. Os professores devem adoptar a mesma política em relação às agressões, insultos ou ameaças de que sejam vítimas os seus alunos ou eles próprios.

8. A agressão, o insulto e o palavrão não têm lugar na escola: nem de professor para aluno, nem de aluno para professor, nem de aluno para aluno. Um governo que desdramatize estas situações e tire aos professores e funcionários a autoridade necessária para as reprimir está a fazer uma má política educativa, da qual as vítimas principais são os alunos.

9. Os alunos mal comportados também têm direitos. Estes direitos não prevalecem sobre os direitos dos outros alunos, que o professor deve ter meios para defender.

10. É possível ganhar dinheiro sem nunca ter aprendido Literatura, História, Matemática, Lógica, Música e Filosofia. Também se pode ganhar dinheiro tendo aprendido isso tudo, e até é muito provável que se ganhe mais. Mas, mesmo sem ganhar mais, a vida de quem aprendeu é mais digna de ser vivida.

11. Onde há um professor e um aluno, mesmo debaixo duma árvore, há uma escola. Tudo o resto pode ser muito útil e conveniente, mas é dispensável. Na categoria das coisas dispensáveis está incluído o Ministério da Educação. Os países europeus onde o ensino é melhor são aqueles onde não há Ministério da Educação.

12. A maioria dos pais (infelizmente, nem todos) quer o bem dos seus filhos. A maioria dos professores (infelizmente, nem todos) quer o bem dos seus alunos. Os pais e os professores estão por natureza do mesmo lado. Os governos e os partidos políticos nunca se sabe ao serviço de quem estão.

Avaliação do Ministério

O Ministério divulga, no Portal da Educação, os seus objectivos educativos para a legislatura que está a terminar. Não cumpriria o meu dever como profissional no terreno se não fizesse uma avaliação de acordo com estes objectivos. O texto que se segue é da autoria do Ministério e da Ministra da Educação; a vermelho ficam os meus comentários e a minha avaliação.

O Ministério da Educação divulgou hoje um ‘A a Z da Educação', onde se faz um ponto de situação do trabalho feito e dos resultados alcançados nesta legislatura. No texto de abertura, cuja versão integral é aqui disponibilizada, a ministra Maria de Lurdes Rodrigues salienta que colocar a escola ao serviço dos alunos e das suas famílias e reduzir as desigualdades no acesso à formação e ao conhecimento foram os imperativos deste Governo.

Acrescenta ainda que a extensão da escolaridade obrigatória até aos 18 anos e a generalização do pré-escolar gratuito para todas as crianças de 5 anos marcarão, de forma estruturante, o esforço desta legislatura pela melhoria da qualificação dos portugueses e pela elevação da equidade educativa.



Texto de abertura do ‘A a Z da Educação' pela ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues


Aumentar os níveis de formação e qualificação da população portu­guesa, através de uma política integrada de valorização da escola pú­blica, foi a prioridade definida para a presente legislatura em matéria de Educação.

Regista-se a falta de ambição deste objectivo, que se fica pela formação e qualificação sem se referir ao conhecimento e à valorização cultural da população. Esta omissão é tanto mais grave quanto é certo que a escola é o único instrumento de que uma sociedade dispõe para a conservação e transmissão entre gerações do seu património civilizacional. Atendo-nos apenas, porém, ao objectivo declarado, verifica-se que NÃO FOI ATINGIDO, a não ser através duma aparência cuidadosamente encenada, que todos os que trabalham ou estudam nas escolas públicas sabem, por experiência própria, ser mentira.


Por isso, colocar a escola ao serviço dos alunos e das suas famílias e reduzir as desigualdades no acesso à formação e ao conhecimento foram os imperativos deste Governo.

Avaliação: OBJECTIVO NÃO ATINGIDO. Pelo contrário, a Escola Pública é hoje menos eficaz como instrumento de ascensão social (principal objectivo dos alunos e das famílias) do que era no início da legislatura. As desigualdades não foram reduzidas, antes aumentaram, uma vez que a diminuição dos níveis de exigência prejudica sobretudo os alunos que não têm outro acesso ao conhecimento que não seja a escola pública.


Ao longo destes quatro anos de mandato o Ministério da Educação orientou a política educativa em torno dos seguintes objectivos:

• Promover o sucesso educativo, colocando as escolas ao serviço das aprendizagens dos alunos...

Avaliação: este objectivo foi bem encenado em termos de marketing político, mas NÃO FOI ATINGIDO em termos reais; pelo contrário, a redução dos níveis de exigência e da disciplina levou a uma degradação significativa das aprendizagens. (Nota: como é que se orienta uma coisa "em torno" de outra?)


• Modernizar as escolas, criando melhores condições de trabalho a professores e alunos...

Avaliação: a "modernização" referida consistiu na colocação altamente mediatizada de alguns equipamentos informáticos, de cuja manutenção não se cuidou por não ser rentável em termos de propaganda política. Não se cuidou de aquecer as escolas, de as tornar mais atraentes e confortáveis, de criar espaços de trabalho para os professores nem de dotar as salas de aula dos equipamentos mais básicos de funcionamento, como torneiras e pias, campainhas para chamar funcionários, dicionários, atlas e obras de referência, armários para mapas, etc. Avaliação: OBJECTIVO NÃO ATINGIDO.


• Enraizar a cultura e a prática de responsabilização, de avaliação e de prestação de contas a todo o sistema de ensino...

Avaliação: OBJECTIVO NÃO ATINGIDO. No que respeita os professores, instituiu-se um sistema de desavaliação que contempla tudo o que é acessório no seu desempenho mas nem sequer aborda as funções definidoras e essenciais da profissão; no que respeita os alunos, os pais e a tutela, assistiu-se à sua desresponsabilização crescente, a ponto de as instruções dadas pela tutela serem muitas vezes anónimas, fazendo cair a responsabilidade pelo seu cumprimento sobre quem, nas escolas, cair na ingenuidade de as subscrever. O objectivo não declarado parece ser o seguinte: quem decide não é responsabilizado e quem é responsabilizado não decide.


• Abrir a escola ao exterior, reforçar as lideranças, promover a auto­nomia das escolas e melhorar o seu funcionamento, pelo reforço da participação das famílias e das comunidades na direcção estratégi­ca das escolas...

Avaliação: no que respeita o reforço das lideranças e a participação das comunidades, a consecução do objectivo é INAVALIÁVEL, uma vez que nem o conceito de "liderança", nem o de "comunidade" aparecem explicitados; podem, assim, ser conceitos vazios, importados, um do "empresarialês" em voga nos anos 80, e o outro das derivas identitárias em que se degradou o ideal de democracia participativa. Também se deve considerar INAVALIÁVEL a consecução do objectivo respeitante à participação das famílias, uma vez que nunca é explicitado se se trata, escola a escola, das famílias dos alunos que a frequentam, ou antes de lóbis que não estão no terreno, dos quais se ignora de quem dependem e que famílias representam.

No que respeita a promoção da autonomia das escolas, o objectivo não só NÃO FOI ATINGIDO, como se caminhou no sentido oposto por via duma legislação cada vez mais profusa, caótica, ambígua, tecnicamente deficiente e pormenorizada até ao delírio. O funcionamento das escolas não só não melhorou, como piorou, devido à guerra de agressão empreendida pelo Ministério contra os professores e à tentativa de os sujeitar, enquanto funcionários, a uma disciplina que afronta em muitos casos a deontologia implícita na sua profissão. Objectivo NÃO ATINGIDO.

Em todo o caso, é absurdo pensar que os professores, os pais, os alunos, os funcionários e a "comunidade" (que não se sabe o que é) possam participar na direcção estratégica das escolas quando a tutela se reserva a sua direcção táctica até ao mais ínfimo pormenor.


• Alargar as oportunidades de aprendizagem ao longo da vida...

Avaliação: OBJECTIVO NÃO ATINGIDO. À escola generalista compete proporcionar conhecimentos iniciais e fornecer instrumentos conceptuais que permitam futuras aprendizagens, para as quais é necessário fundar escolas especializadas. A tentativa de entregar ambas as tarefas à escola pública generalista leva a que ela não cumpra nem uma função, nem outra. Nos programas estabelecidos para fingir que se atingiu este objectivo ninguém aprende nada de útil nem melhora a sua empregabilidade: tudo o que acontece é que o governo consegue uma baixa espúria nas estatísticas do desemprego e um aumento, igualmente espúrio, nas estatísticas de escolarização.

Das diversas medidas tomadas, destacam-se, pela sua relevância e pelo seu impacto, as seguintes:

• Uma escola a tempo inteiro, com oferta gratuita e generalizada de actividades de enriquecimento curricular para todas as crianças do 1.º ciclo...

Avaliação: OBJECTIVO INFELIZMENTE ATINGIDO. Em vez de se questionar um sistema económico absurdo e esclavagista que tira aos pais o tempo para serem pais, cortam-se os laços de que as crianças precisam para se desenvolverem como seres humanos. A consecução deste objectivo transformará as crianças de hoje nos adultos doentes de amanhã.


• A diversificação da oferta formativa de nível básico e secundário e a criação de cursos profissionais e de cursos de educação e formação nas escolas públicas, triplicando o número de alunos em cursos profissionais...

Avaliação: OBJECTIVO NÃO ATINGIDO. O que se criou no mundo virtual não compensa o que se destruiu no mundo real.


• O alargamento da Acção Social Escolar, aumentando para mais do dobro o número de alunos abrangidos...

Avaliação: OBJECTIVO ATINGIDO (finalmente!)


• A modernização física e tecnológica das escolas e a generalização do uso de computadores e da Internet nas actividades educativas, objectivo bem visível na aquisição de 310 mil computadores, 9 mil quadros interactivos, 25 mil videoprojectores e no número de alunos por computador, que passou de 16 para 5...

NÃO AVALIÁVEL. Neste ponto são apresentados meios que se confundem com fins. O futuro dirá como serão utilizados estes meios tecnológicos, se a sua manutenção é feita ou não, a rapidez com que se tornarão obsoletos, e qual é a sua eficácia comparada com a de outros meios que as escolas continuam a não ter, menos avançados tecnologicamente, mas porventura mais baratos e eficazes.


• A avaliação interna e externa das escolas, envolvendo mais de 700 escolas...

NÃO AVALIÁVEL. A avaliação das organizações (e, por maioria de razão, das instituições) é um meio e não um fim. Encarada como um fim, torna-se contraproducente e destrutiva, como os factos têm mostrado à evidência. As empresas fazem a avaliação com pinças e com infinitos cuidados para que a emenda não seja pior que o soneto; Maria de Lurdes Rodrigues acha que a pode fazer à marretada.


• Um novo modelo de gestão escolar e a transferência de competências para as escolas e para as autarquias, em curso em todo o país.

Avaliação: o modelo é novo, mas nada garante que seja bom, havendo fundadas razões para temer o contrário. A transferência de competências para as escolas é mentira: o que se está a transferir são só as responsabilidades, segundo o princípio, enunciado acima, de responsabilizar quem não decide ao mesmo tempo que se desresponsabiliza quem decide.


A extensão da escolaridade obrigatória até aos 18 anos e a generalização do pré-escolar gratuito para todas as crianças de 5 anos marcarão, de forma estruturante, o esforço desta legislatura pela melhoria da qualificação dos portugueses e pela elevação da equidade educativa.

NÃO AVALIADO: é um projecto para o futuro e a seu tempo se verá se funcionou. Entretanto, importaria saber o que significa "marcar um esforço de forma estruturante".


As diversas intervenções levadas a cabo em diferentes áreas-chave do sistema educativo concorreram para o cumprimento do objectivo central do Governo, de garantir uma melhoria da qualidade média dos recursos humanos, físicos, organizacionais e curriculares ao dispor da comunidade educativa, independentemente da sua localização geográfica e numa perspectiva de redução das desigualdades escolares.

Avaliação: o que é aqui apresentado como OBJECTIVO CENTRAL do Governo NÃO FOI CUMPRIDO, ainda que parcialmente. No que respeita a melhoria dos recursos físicos das escolas, o Governo interveio apenas sobre o vistoso, o efémero e o acessório, deixando por satisfazer necessidades básicas.Quanto aos recursos curriculares, não interveio, a não ser para criar um sistema virtual que mostra à opinião pública como se duma realidade se tratasse. Quanto aos recursos organizacionais, que já eram péssimos, piorou-os significativamente. Em matéria de recursos humanos, está a expulsar das escolas os melhores professores e a substituí-los por mão de-obra barata e dócil, vinda de universidades de vão de escada (certificadas pelo Governo) a dizer "póssamos" e a escrever "anda-mos".


Mais eficiência na organização das escolas, novas lideranças, escolas mais orientadas para os alunos e para as suas famílias, mais estudantes e melhores resultados, menos abandono e menos insucesso escolar é o que encontramos hoje no nosso sistema educativo.

Avaliação: lamenta-se que em vez de "mais eficiência na organização das escolas" o Ministério não tivesse lutado por mais eficiência no ensino; que, em vez de impor "novas lideranças", o governo não tivesse permitido que as lideranças existentes (afogadas permanentemente na legislação e na quasi-legislação que a tutela produz às toneladas e sem tempo para mais nada do que interpretá-la) funcionassem melhor; que distinguisse entre "mais estudantes" e mais figurantes; que não falsificasse resultados, nem pressionasse os professores a falsificá-los, de modo a poder dizer que são "melhores" quando são, pelo contrário, cada vez piores; que o "menor abandono" não correspondesse a uma política de subornos; e que confessasse aos portugueses o que realmente entende por "sucesso" e "insucesso" escolar, em vez de lhes vender gato por lebre.

Nesse sentido, não posso deixar de dirigir um voto de apreço ao empenho dos professores, das escolas e de autarquias, que têm vindo a fazer um trabalho persistente no combate ao insucesso escolar e ao abandono precoce, com resultados visíveis para milhares de jovens e respectivas famílias, que encontram hoje nas esco­las respostas para os seus problemas.

Os professores e as escolas merecem, de facto, um voto de apreço pelo seu empenho, mas esse voto terá que vir dos alunos e da sociedade civil para quem têm trabalhado. Dispensam votos de apreço dum Ministério que nunca passou de um estorvo e contra o qual sempre tiveram que lutar para poderem fazer bem o seu trabalho.

O combate que os professores travam contra o insucesso escolar e o abandono precoce é travado no mundo real. Não tem nada a ver com o combate virtual da tutela; e se ainda hoje algum aluno encontra na escola resposta para os seus problemas, encontra-as apesar do Ministério e não por causa dele.


AVALIAÇÃO GLOBAL: Duma primeira leitura dos objectivos adoptados pelo Governo para a Educação, e dos resultados alegadamente obtidos, ressalta que a escola pública não é vista como uma instituição civilizadora, mas apenas como uma repartição pública posta pelo Estado ao serviço da Economia. Trata-se de "formar" e "qualificar", e nunca de ensinar; tenta-se preparar os alunos para o trabalho, e não para a vida - de onde resulta que nem para o trabalho ficam preparados. O "novo" é fetichizado em detrimento do "bom". A "eficiência", igualmente fetichizada, é vista como algo intransitivo, sem objecto; ou, quando tem objecto, esse objecto é a "organização" - também ela fetichizada e intransitiva.

Avaliemos, porém, este texto nos seus próprios termos, apesar de paupérrimos. Dos vários objectivos educativos estabelecidos pelo Governo para a legislatura que agora finda, só dois foram cumpridos, e um deles é criminoso. Dos restantes, ou não foram cumpridos, ou os resultados foram diametralmente opostos aos objectivos.

Uma discrepância tão radical entre objectivos e resultados não pode ser devida à mera incompetência: ninguém é incompetente a este ponto. Resta, como explicação alternativa, uma agenda oculta: os objectivos reais deste governo em matéria educativa são diferentes dos objectivos declarados, e nalguns casos opostos a eles.

O que se passou nos últimos quatro anos permite já especular com alguma segurança sobre a agenda do governo para a Educação. Trata-se de transformar a escola pública, na melhor das hipóteses, numa fábrica de mão-de-obra barata, acrítica e dócil (por isso se eliminam as humanidades: para que precisa um engenheiro de ler Flaubert?) Ainda na melhor das hipóteses, trata-se de transformá-la num armazém onde os pais deixam os filhos para se dedicarem inteiramente ao emprego, num "Admirável Mundo Novo" em que o trabalho substitui a vida.

Na pior das hipóteses, a escola será uma espécie de antecâmara da prisão: os crimes cometidos dentro dela são mais facilmente abafados que os cometidos na rua, e não contam para as estatísticas.

Este projecto de escola, que está a ser construído há trinta anos, parecia viável na era Reagan-Thatcher; e quando Maria de Lurdes Rodrigues se tornou Ministra da Educação tinha já adquirido os contornos de um facto consumado: faltava apenas subjugar os últimos resistentes e limpar o terreno, tarefa a que a senhora se entregou com entusiasmo e afinco.

Mas a era Reagan-Thatcher acabou, sem que nada o fizesse prever, com o 11 de Março em Madrid e com a eleição de Obama nos EUA. As classes médias, que ainda há dois anos estavam resignadas a uma derrota inevitável, estão hoje ao ataque; bem armadas, e quem sabe, num futuro próximo, se bem dirigidas. A "escola do futuro" de Sócrates e de Maria de Lurdes Rodrigues transformou-se, da noite para o dia, na escola do passado.

Hoje, quem "resiste à mudança" não somos nós: são eles. Tanto a invocaram, e não previram que ela lhes caísse em cima.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Paralelismos

Li agora no Slate Magazine este artigo em que o autor define três tipos de corrupção e defende que não devem ser combatidos da mesma maneira. Interessou-me particularmente o «tipo 2», que me fez pensar imediatamente em José Sócrates, Vitor Constâncio e a situação que se vive em Portugal.
Por mim, entendo que a corrupção sempre foi mais um caso de política do que um caso de polícia. A pior corrupção é a corrupção legal: é um imposto invisível, o mais oneroso de todos, e todos nós o pagamos: não ao Estado, mas ao baronato que se esconde por trás do «mercado livre».
A corrupção é simplesmente a convertibilidade recíproca entre o poder político e o poder económico. Para a combater, exige-se nada menos que uma revolução que faça o que a Revolução Francesa deixou por fazer. Esta separou o poder político do poder religioso: agora há de novo dois poderes que têm que ser separados para que haja Democracia no Mundo. E o que é verdadeiramente espantoso é que as opiniões públicas europeia e americana tenham compreendido isto praticamente de um dia para o outro, sem auxílio dos media e sem que nada o fizesse prever.

terça-feira, 3 de março de 2009

Outras óperas


A propósito da cena final da ópera «Salomé» de Richard Strauss, publicada no blogue The Braganza Mothers, lembrei-me de recomendar aqui dois dos meus DVD's de ópera preferidos.
As representações de «Orfeo ed Euridice» de Gluck a que assisti foram a primeira versão, com o
libretto em italiano, em que o papel de Orfeu é normalmente interpretado por um contralto.
No filme feito em 1982 em Glyndebourne e posteriormente publicado em DVD, o papel está entregue a Janet Baker (
mezzosoprano), que terminou com este espectáculo a sua carreira operática.
É para mim uma frustração nunca ter assistido à versão cantada em francês, reescrita por Gluck para contratenor, mas o DVD filmado em Sydney em 1993 compensa-a parcialmente. David Hobson, que interpreta a personagem principal, não é um contratenor, mas é um tenor que domina bem os registos mais agudos. Com Amanda Thane no papel de Eurídice e Miriam Gormley no papel de L'Amour, é quanto a mim uma das melhores gravações desta ópera existentes no mercado.

A «Elektra», com Leonie Rysanek, é uma gravação histórica. Karl Böhm termina aqui a sua carreira, dirigindo a Filarmónica de Viena na interpretação desta obra do seu amigo Richard Strauss. O barítono Dietrich Fischer-Diskau, mais conhecido como cantor de Lieder do que de ópera, faz aqui uma breve aparição no papel de Orestes. O DVD não é a gravação dum espectáculo ao vivo, mas um filme feito em estúdio com realização de Götz Friedrich.
Comparando esta «Elektra» com a versão em DVD de «Salomé», com Maria Ewing no papel principal, devo dizer que prefiro a «Elektra»; mas a Semiramis do Braganza Mothers despertou-me a curiosidade sobre a versão de 1990 da Ópera de Berlim, com Catherine Malfitano, e já fiz a encomenda na Amazon inglesa. 

Nota: A «Elektra» tem legendas em várias línguas, não incluindo, infelizmente, o português, mas incluindo a língua em que é cantada, característica esta que eu aprecio muito. A «Salomé» com a Malfitano tem legendas em várias línguas, incluindo o português, e também em alemão. Já «Orphée et Eurydice», cantada em francês, está legendada só em inglês.

domingo, 1 de março de 2009

Mentiras do Pinócrates (6)

«Nós é que somos a esquerda moderna...»

Traduzindo: a única ética que reconhecemos é "o que está a dar."

Mentiras do Pinócrates (5)

«Nós é que somos a esquerda popular...»

Traduzindo: o nosso programa é o dos taxistas e a nossa referência é Salazar.

Mentiras do Pinócrates (4)

«Queremos acabar com os offshores...»

Mas atenção às letrinhas pequenas:
Deixaremos passar leis neste sentido quando todos os outros países da UE fizerem o mesmo, ou seja: nunca.

Mentiras do Pinócrates (3)

«Queremos uma escola melhor...»

A bem dizer, esta talvez não seja mentira. A questão é saber: melhor para quem?