(Revisto e aumentado às 15:10)
O Zé não é um economista. De resto nem sequer é, a bem dizer, uma pessoa real: é a personificação de um consenso, expresso numa opinião pública, representado por uma classe política, organizado num Estado...
Mas chamemos-lhe Zé. Até lhe podemos dar um aspecto físico, se quisermos: o chapéu, a barba, as bochechas vermelhuscas, as mangas arregaçadas que lhe deu o Bordalo Pinheiro.
Pois o Zé acordou, uma bela manhã, indignado. Tinha lido nos jornais e visto na televisão que há em Portugal pessoas que são pobres apesar de trabalharem, e isto não lhe parecia bem. Tanto mais que ele próprio trabalhava e, para dizer a verdade, estava longe de ter o nível de vida a que se sentia com direito. E decidiu: isto não pode continuar.
Foi para a rua, para os jornais, para o Parlamento. Falou alto, e fez-se ouvir. Ouviram-no os políticos, os sindicalistas, os magistrados. Ouviram-no os empresários e os jornalistas. E ouviram-no também os economistas, que se mantiveram calados porque são cientistas e técnicos e o assunto, por enquanto, era apenas ético e político.
Mas o Zé não se calava. Não queria, nem que chovessem picaretas, que fosse possível num país «decente» uma pessoa trabalhar e ser pobre. Decidiu: vamos aumentar o salário mínimo.
Então os economistas arrebitaram as orelhas: aquilo não podia ser, era um disparate, ia criar mais desemprego. O primeiro a quem o Zé se dirigiu quase o expulsou do gabinete:
- Nem pense nisso!
O Zé, descoroçoado, foi para casa pensar. Vexava-o o facto de o outro se ter recusado a ajudá-lo; desiludia-o que ele não lhe tivesse proposto qualquer alternativa; mas magoava-o especialmente que lhe tivesse chamado iletrado. Iletrados somos todos, ora essa. Ninguém é especialista em tudo. Se eu consulto um especialista é para ele me ajudar a chegar aonde quero, não é para ele me tentar dissuadir da viagem.
Assim pensava o Zé, com os seus botões. Mas depressa veio ao de cima o seu espírito pragmático. Economistas há muitos, reflectiu. Quem sabe se, consultando outro, a resposta será a mesma? E pôs-se a percorrer a lista: Fulano, governador dum banco central... Cicrano, jornalista económico... Beltrano, prémio Nobel...
Depressa descobriu que consenso entre as sumidades correspondia, mais coisa menos coisa, ao que lhe tinha dito o primeiro. A principal diferença é que mais nenhum lhe chamou iletrado. Pelo contrário: quanto mais eminentes eram os economistas, com mais respeito o ouviam. Respeito e atenção.
A coisa está-se a compor, pensou o Zé. E continuou à procura.
Por fim lá encontrou um ou outro com quem se conseguiu entender. Salário mínimo... hmmm... com muitas reservas, talvez... numa dose prudente... cuidado com os efeitos secundários... se o que você quer é acabar com a pobreza trabalhadora talvez haja outros remédios... mais eficazes... enfim, subsídios, prestações sociais... eu sei, são caros... é o diabo, sabe?... mas está bem, vamos lá tentar essa coisa do salário mínimo.
E assim terminou, provisoriamente, a aventura do Zé entre os economistas. Agora, anda por aí. A trabalhar, pois claro. Nem demasiado optimista, nem desesperado. Sempre aumentou o salário mínimo, embora não tanto como queria. Também vai dando aos pobres uns subsídios de desemprego, uns rendimentos de reinserção... Conheceu muitas pessoas que não conhecia antes. Académicos, intelectuais, gente com estatura e prestígio. Fez amigos e inimigos. Alguns destes, mais rancorosos, continuam a chamar-lhe iletrado. Mas ele não liga, e faz bem.
4 comentários:
Ele é autista, coitado...
Não é autista, é sereno. E sabe muito...
O blog "O Cartel"
deseja um Feliz Natal e um Bom Ano Novo, de preferência com mais soluções do que problemas...
gostei gostei
neste mundo (eu ia a dizer neste pais mas lembrei-me que não é só aqui) qd alguém é solicitado a fazer um estudo ou dar uma opinião, não se preocupa em ser realista, preocupa-se em majorar as possiveis consequências nefastas. Porque já sabe que se prever uma catástrofe e estiver errado nenhum mal lhe acontecerá, mas se se a sua previsão for excedida irá ser acusado de incompetente.
Por exemplo, a extrapolação de um conjunto de dados é sempre feita segundo uma lei exponencial! Foi o que fizeram os climatologistas, por exemplo
Aquando da expo98, as previsões de trafego de visitantes era tal que a A1 iria ficar bloqueada, estudou-se a possibilidade de estabelecer corredores para as ambulâncias senão o acesso aos hospitais de Lisboa a partir de fora seria impossivel. Alugaram-se barcos para servir de hotel porque no pais não havia capacidade hoteleira para tanto visitante estrangeiro. E não se tomaram medidas mais dramáticas porque prevaleceu o bom senso de alguns ZES que mandaram os estudos às urtigas por sua conta e risco.
Felizmente que há "Zes"... olha se fossem todos "especialistas"... "até a barraca abanava"
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