Nas próximas eleições legislativas vamos ter que decidir entre várias propostas que não estamos habilitados a avaliar cabalmente do ponto de vista técnico e científico: o TGV, o investimento público, as políticas salariais, o défice... Não podemos nem devemos furtar-nos a essa decisão: somos cidadãos, fazemos parte de um corpo político, e ninguém além de nós tem legitimidade para determinar a vontade desse corpo.
Os economistas, geógrafos, politólogos, sociólogos que nos têm dado as suas opiniões sobre estas matérias têm autoridade profissional para o fazer, mesmo quando estas opiniões são contraditórias entre si. Podemos e devemos ouvi-los; mas tem que ficar bem claro que dos meios sabem eles, mas dos fins sabemos nós.
Até porque eles próprios são leigos fora da sua esfera de competência. Quando um economista está doente e vai ao médico, tem em conta o que o médico lhe propõe, mas não prescinde de ter a última palavra sobre os tratamentos que aceita ou não aceita fazer. Quando um médico quer construir uma casa e encomenda o projecto a um arquitecto, está a reconhecer implicitamente a autoridade deste, mas ele é que sabe a casa que quer.
Todos nós somos leigos; e cada vez mais, numa sociedade cada vez mais complexa, todos nós somos especialistas. E daqui resulta o dilema que dá o título a este texto: como conciliar uma legitimidade de que não podemos abdicar (legitimidade esta que pode ser política quando está em causa o corpo político, ou individual quando está em causa o nosso corpo físico ou a nossa propriedade) com a autoridade profissional que temos de reconhecer a quem a tem?
Ao fazer a pergunta já estou, é claro, a dar uma parte da resposta. Tudo começa, com efeito, pela necessidade de separar conceptualmente o direito de decidir, que incide sobre os fins, da autoridade científica, que incide sobre os factos, e da autoridade profissional, que incide sobre os meios.
Os cientistas e os técnicos não devem invadir a esfera da decisão política - a não ser, obviamente, na sua qualidade de cidadãos; e o poder político não deve invadir a esfera da autoridade profissional, como tem tentado fazer no caso dos professores.
Eu, enquanto cidadão, não quero uma tecnocracia. Não quero uma república de militares, nem de juízes, nem de juristas, nem de gestores, nem de professores, nem de economistas. Quero uma república de cidadãos em que nenhuma área do saber se apresente como explicação definitiva e única do Homem e do Mundo.
E é por este critério que avalio, a partir da minha ignorância, as propostas dos sábios: se fazem do seu saber um saber totalitário; se invadem a esfera de legitimidade dos cidadãos; se não reconhecem nem têm em conta outras esferas de autoridade além da sua - então fico autorizado a presumir que se trata de charlatães. E se comparar, à luz deste critério, o Manifesto dos 28 sobre as grandes obras públicas com o Manifesto dos 51, a minha decisão enquanto eleitor vai favorecer o segundo.
Uma decisão tomada com base em informação insuficiente? Sem dúvida. É assim que a democracia funciona. Mas também foi para isto que o cérebro humano evoluiu.
Blogue sobre livros, discos, revistas e tudo o mais de que me apeteça escrever...
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4 comentários:
Em termos políticos, sociais e económicos as ideias dos 2 manifestos devem ser analisadas, comparadas, pesadas: algumas excluem-se mutuamente, outras não.
Mas em termos eleitorais as coisas são mais lineares: preferir o manifesto dos 51 é votar Sócrates (sozinho ou acompanhado do Bloco de Esquerda). Depois das asneiras que este governo tem feito, nomeadamente na educação, votar no Sócrates... Não me diga que foi para isso que o cérebro humano evoluiu!?
Caro Carlos Pires, preferir o manifesto dos 51 só é votar Sócrates se o eleitor não utilizar mais nenhum critério - e mesmo assim ainda tem a opção de votar BE.
Por outro lado, preferir o manifesto dos 28 e adoptar esta preferência como único critério leva ao voto no PSD, o que é exactamente a mesma coisa que votar PS. Qualquer transferência de voto entre o PS e o PSD é um jogo de soma zero e deixa o país exactamente na mesma. Um voto no PSD/PS é um voto no Bloco Central dos Interesses, ou seja: um voto contra a República.
Caro José:
Algumas ideias do PSD são diferentes das do PS: um pouco mais liberais, um pouco mais à direita. O que na minha opinião é uma qualidade.
Lamentável é que essas ideias não sejam ainda mais diferentes, mas admito que não possam ser: numa sociedade como a portuguesa em que, tirando uma minoria, toda a gente depende do Estado há séculos talvez seja politicamente impossível, ou quase, ser mais liberal.
E sabe Deus como nós precisamos de um abanão liberal (estou a falar de livre iniciativa - assumindo os riscos em vez de ir logo a correr para o colinho do estado quando algo corre mal, como fazem quase todos os empresários portugueses - e não de mera especulação desregulada e de negócios montados no crédito do crédito, por assim dizer).
Mas isto são as ideias e as suas dificuldades de chegar ao mundo real. Quanto aos interesses (que tanto no PS como no PSD têm sempre mais peso que as ideias) acho que tem toda a razão: é um bloco central corrupto até à medula, imoral e desmoralizante - uma objecção permanente parra quem defende a seriedade e o valor do trabalho honesto. E todos os dias mina um bocadinho a credibilidade da classe política e da própria democracia.
Quanto ao BE - mesmo que eu fosse de esquerda não votaria neles.
Já ouviu o modo compreensivo como o Louça fala da ETA? Já os ouviu falar dos exames nacionais? Dizem que não deviam existir, pois são socialmente selectivos. Já prestou atenção quando falam de segurança? Parece que os polícias são inimigos e que qualquer repressão é fascista... Enfim!
Em suma: se não arranjar coragem para votar no PSD voto branco.
Mas seja que for quem ganhe espero que José Sócrates tenha uma derrota humilhante! Ele merece!
Será que esses temas são assim tão complicados? Não me parece:
http://bloguex.blogspot.com/2009/06/estudo-sobre-o-tgv.html
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