A Ilustre Casa de Ramires não é Os Maias. Ou seja, não é a obra-prima do romance português. Mas se contar o número de vezes que reli ambas as obras, suspeito que A Ilustre casa de Ramires fica a ganhar.
Porquê este encanto? A estrutura é simples, mas eficaz (quase pós-moderna, diria eu, se a mesma ideia não viesse já do D. Quixote): Há um livro dentro de um livro e os dois são apresentados em paralelo. A personagem principal, Gonçalo Mendes Ramires, escreve uma história passada com o seu antepassado Tructesindo Mendes Ramires; e as peripécias desta, cheia de gestos heróicos, crueldades, intransigências e pundonor contrastam com a mansa vida quotidiana de Gonçalo, cheia de auto-indulgências, lapsos de honra, pequenas cobardias, pequenas lealdades e pequenas generosidades.
Da justaposição resulta uma ironia que não tem a finura da que nos é presente n'Os Maias. N'A Ilustre Casa de Ramires a ironia é dada em traços carregados pela repetida justaposição de duas éticas incompatíveis, sem que o protagonista se chegue a aperceber desta incompatibilidade - que é óbvia para o leitor - e sem que deixe de se identificar, pela imaginação, com aquela que não é a sua no mundo real.
Esta dissociação entre ética imaginada e ética real é típica, penso eu, de sociedades sobre as quais pesa demasiada História. Assim com Portugal. Tivemos os nossos heróis e portanto, num qualquer recanto da nossa alma, ainda os temos. Fomos os maiores, e nesse mesmo recanto ainda o somos. E quando o mundo real repetidamente nos mostra que assim não é, então os nossos medíocres são mais medíocres que todos os outros e nós os mais insignificantes entre os insignificantes. Sempre, e ainda assim, os maiores.
Ou seja, sofremos daquilo a que dantes se chamava psicose maniaco-depressiva e hoje se chama doença bi-polar. A doença não tem cura: mas para a manter sob controle A Ilustre Casa de Ramires é, tal como A Cidade e as Serras, um medicamento eficaz.
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