Sem avaliação nada se faz. Quando um processo corre, seja que processo for, é preciso ver se corre bem ou se corre mal, para poder corrigir a rota ou continuar nela, conforme o caso. O maratonista, ao longo da prova, vai recebendo informações sobre os tempos que está a fazer e sobre os tempos que estão a fazer os seus adversários, e assim gere a corrida.
Isto é avaliação.
O merceeiro faz as suas contas: está-se a avaliar, e a avaliar o seu negócio.
O gestor compara os objectivos estabelecidos com os resultados obtidos, e estes com os resultados obtidos pela concorrência: avaliação, de novo.
A proprietária da farmácia no Centro Comercial, que normalmente está aberta sete dias por semana até à meia-noite, fecha-a um dia por ano, sabe-se lá com que relutância, para inventário e balanço. Mais uma vez, avaliação.
O que o maratonista não faz, nem o merceeiro, nem o gestor, é dedicar à avaliação a maior parte do seu esforço ou do seu tempo. A maior parte do seu esforço e do seu tempo, dedica-a o maratonista à corrida, o merceeiro ao comércio, o gestor à gestão. Se assim não fosse, não teriam nada para avaliar. Se a proprietária da farmácia, em vez de fechar o estabelecimento uma vez por ano, o abrisse uma vez por ano, estaria a avaliar coisa nenhuma. O que o maratonista sabe, como o sabem o merceeiro, o gestor e a proprietária da farmácia, é que a avaliação não é um proveito, mas sim um custo; e que será tanto mais eficiente quanto menos onerosa.
Pois bem, agora o Ministério da Educação quer avaliar os professores. Haverá quem se escandalize com isto. Eu, não. Acho perfeitamente natural que os professores sejam avaliados. E digo mesmo mais: acho que os professores têm o direito de ser avaliados, quando mais não seja para saberem às quantas andam.
Isto, é claro, da forma mais prática, mais simples, mais rápida, menos onerosa e menos burocrática possível, de modo a não desviar tempo, nem esforço nem recursos do que é essencial, ou seja: o ensino.
Mas estamos em Portugal, e em Portugal nunca nada é simples. Em Portugal gastam-se pelo menos sete semanas, que podiam ser de aulas ou de férias, com os exames. E mesmo assim há exames que deveriam ser feitos e não se fazem. De princípios de Junho a fins de Julho, e às vezes por Agosto dentro, entram as escolas, os alunos, os pais, os professores no corropio do costume. Tudo pára. Mobiliza-se a polícia, os gabinetes todos do Ministério, os professores, toda uma logística paranóica para aplicar a uns tantos alunos uns tantos testes que qualquer professor seria capaz de elaborar, aplicar e corrigir em dois dias. E ele há os recursos, e ele há os anonimatos, e ele há os júris, e ele há os critérios do GAVE, e ele há os formulários electrónicos que se repetem em papel, e ele há as duplas e triplas assinaturas, e ele há a diskette que não é compatível com a pen e a pen que não é compatível com o excel, e ele há a cotação que tem que ser escrita nas margens e a que não pode ser escrita nas margens...
Quem quiser conhecer um Estado Policial em toda a sua pujança tem que vir a Portugal em época de exames.
Pois bem, é este Estado, é este Ministério, que assim avalia os alunos, que agora se propõe avaliar os professores. Da forma mais rápida, mais expedita, mais justa e mais económica possível? Por amor de quem lá têm, não brinquem comigo. O Estado que desperdiça quase dois meses de cada ano lectivo para avaliar alguns poucos alunos sobre algumas poucas matérias é estruturalmente incapaz de avaliar os professores sem imobilizar completamente as escolas.
Isto até nem seria mau se ao menos servisse para os nossos tecno-burocratas aprenderem alguma coisa; mas é claro que não vão aprender nada. Nem esquecer nada: ai de quem ouse tocar, com mão ímpia, numa grelhazinha, numa fichazinha que seja! A culpa, como sempre, será dos professores. Ou dos Fados, porque os professores, segundo a ministra, já foram postos na ordem e por consequência já não podem ser culpados de nada.
Blogue sobre livros, discos, revistas e tudo o mais de que me apeteça escrever...
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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.
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5 comentários:
Excelente.
A coisa anda à volta de uma apalermada busca da perfeição ... por via burocrática. Uma espécie de felicidade final ... qualquer coisa que, por outros lados, remete para as 72 virgens.
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É claro que os Professores devem ser avaliados. E que os Professores, que sabem muito bem que a avaliação é parte essencial e indissociável de todo o processo formativo, são os primeiros a querer ser avaliados. Haverá pessoas que exercem funções docentes e que não querem ser avaliados? Claro que há. Mas são uma minoria e não são Professores. Quem não quer avaliar os Professores é o Mined (deve ser assim que se passará a dizer no dialecto Eduquês da Novilíngua). Nem os Professores nem os alunos. O Mined NÃO QUER SER AVALIADO e é por isso que afoga a avaliação de Professores e Alunos num mar de papel em que todos estes têm êxito e nenhum daqueles tem sucesso. E o Mined surgirá das águas, limpo e puro, vestido de branco e pronto para o Paraíso.
Aí pela blogosfera o Mined sugerido pelo Bengalão está a fazer o seu caminho. Já o vi transmutado em Al-Mined, o que também não deixa de ter o seu simbolismo.
Meu caro,
A propósito de avaliação, veja lá se gosta desta:
http://fiel-inimigo.blogspot.com/2008/02/balda-crnica.html
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Quando, daqui a dez anos, um professor se cruzar na rua com um seu aluno actual, provavelmente não o questionará directamente, mas os seus olhos falarão. De que valerão nessa altura as quinhentas fichas de avaliação preenchidas?
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