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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Socialização dos custos, privatização dos proveitos

No meu post anterior usei a expressão que serve de título a este para caracterizar o regime político que vigora hoje nas chamadas democracias ocidentais. Num comentário a esse post, Range-o-dente escreveu o seguinte:

"Meu caro, prefiro que o lucro seja distribuído por via privada que o prejuízo por via pública."
Ou seja, Range-o-dente interpretou a referida expressão como se ela exprimisse uma alternativa, dois termos entre os quais é possível escolher. Leu "ou" onde se devia ler "e".

"Socialização dos custos e simultaneamente privatização dos proveitos": foi neste sentido que usei a expressão e foi sempre neste sentido que a vi utilizada. Não se trata duma escolha, trata-se de uma prática corrente que os menos distraídos observam há décadas na realidade que os rodeia (o governo Sócrates é um praticante exímio) e que hoje, com o famoso bailout americano, se tornou observável até pelos mais distraídos. No capitalismo pós-moderno não sobrevivem os mais eficientes em termos de economia real: sobrevivem aqueles que, sendo nominalmente entidades privadas, conseguem cobrar mais tributo ao contribuinte.

E não é um fenómeno económico. Não resulta, como até os neoliberais reconhecem, nem do funcionamento normal do mercado, nem de quaisquer leis da economia. É um fenómeno político, isto é, resulta de um determinado grupo (ousarei chamar-lhe "classe"?) ter o poder de o impor ao conjunto da sociedade. Este regime é, como ando a dizer há anos, um neo-feudalismo; e hoje já só não vê isto quem não quer.

6 comentários:

RioDoiro disse...

Caro JLS:

O "e" ou o "ou" não tem qualquer relevância.

Quer se passe uma coisa de cada vez, quer se passem simultaneamente, não tem qualquer relevância.

O que imposta é a existência de um 'canal' de distribuição. Existem ambos e funcionam ambos, quase sempre simultâneamente.

O meu carro anda e faz fumo. Andar é bom, fazer fumo é mau. Quando está parado faz fumo (tudo mau), quando anda com motor dseligado (descer) não faz fumo (tudo bom). Apenas um dos casos acontece de cada vez.

Quando anda com motor a trabalhar, anda e faz fumo (o bom e o mau) simultaneamente.

E então?

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Anónimo disse...

O "e" e o "ou", longe de não terem qualquer relevância, são o ponto mais relevante de toda esta discussão.

Um sistema que privatizasse os custos "e" os proveitos seria verdadeiramente liberal. Que eu saiba, nunca existiu nenhum, e não sei se algum dia poderá haver.

Um sistema que socializasse os custos "e" os proveitos seria verdadeiramente socialista. Também nunca existiu nenhum, que eu saiba, e também não sei se pode haver.

Um sistema que privatizou os custos e socializou os proveitos foi o comunismo: deu no que deu.

Um sistema que socializa os custos e privatiza os proveitos é aquele em que agora vivemos. Não é um sistema liberal, mas também não é um sistema socialista. Nem sequer está no meio-termo: está num plano completamente diferente, em que os próprios conceitos de "privatização" e "socialização" deixaram de ter sentido. Chamam-lhe capitalismo mas se há alguma coisa que ele não é, é capitalismo. O nome que eu tenho para ele é o que lhe dei no post: um neo-feudalismo. Também há quem lhe chame "Espectáculo". Se não concorda com nenhuma destas designações, chame-lhe "a coisa": não errará por muito.

RioDoiro disse...

Caro JLS:

Já lhe ocorreu que quando recorre a uma consulta hospitalar está, simultaneamente, a socializar custos e a privatizar proveitos?

Quando recursos são processados pelo estado, a maioria deles são privatizados, socializando custos.

O estado pega no bodo dos impostos e transforma-o numa imensa colecção de actos de privatização de proveitos. Os impostos não são mais que uma imensa socialização de custos, quer sejam provenientes de particulares quer de empresas.

O problema que refere pode (e deve) ser encarado como uma imensa colecção de pequenos actos de privatização de proveitos, socializando custos. Uma prestação de uma casa ou uma ‘mesada’ resultante de uma poupança de reforma é uma privatização de proveitos (entregue) a um pérfido capitalista neo-liberal?

O estado é um cancro que pega numa imensa quantidade de custos socializados, usa a maioria deles (varia de país para país) no seu próprio funcionamento e privatiza os restantes proveitos. Em qualquer caso, transforma custos sociais em proveitos privados.

O cancro só pode ser porto privando-o de comida.

O JLS não terá pesado bem as consequências do que afirmei:

“Quando um milionário ganha dinheiro, ele não coloca o cacau no colchão. Directamente ou indirectamente, ele coloca-o ao serviço do mundo. É verdade que como muito bem entender, mas ao serviço do mundo.

Ele pode comprar milhares de Ferraris, mas já viu a quantidade de milhares de pessoas que directamente ou indirectamente vivem à custa do luxo do gajo? Do mineiro ao polidor de estofos são milhares, provavelmente milhões (não exclusivamente, é claro, mas milhões).”

RioDoiro disse...

O cancro só pode ser 'morto' privando-o de comida.

... queria eu afirmar.

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Anónimo disse...

Caro Range-o-Dente:

Pergunta você: "Já lhe ocorreu que quando recorre a uma consulta hospitalar está, simultaneamente, a socializar custos e a privatizar proveitos?"

Para responder a esta pergunta tenho que estipular quatro cenários, e só em relação a um deles é que vejo que você possa ter razão.

Primeiro cenário: o hospital é público e eficiente, isto é, em troca de x que os contribuintes entregam em média a esse hospital os utentes recebem em média um serviço no valor de x. Neste caso, tanto os custos como os benefícios estão a ser socializados.

Segundo cenário: o hospital é público e ineficiente, isto é, em troca de x que os contribuintes entregam em média a esse hospital, os utentes recebem em média um serviço no valor de x-y. Neste caso, será interessante saber para onde foi y: se foi destruído em pura perda, ou se foi total ou parcialmente entregue a privados através de mecanismos de corrupção. Nesta segunda hipótese, houve uma privatização ilegítima de recursos públicos, ou seja, uma parte do imposto público degradou-se em tributo particular, o que define o sistema politico-económico como neo-feudal.

Terceiro cenário: o hospital é privado e eficiente, isto é, em troca de x que os contribuintes entregam em média a esse hospital, os utentes "públicos" recebem em média um serviço no valor de x. O lucro, neste caso, advém de o hospital ter utentes "privados" e de ter conseguido reduzir os seus próprios custos de maneira a fornecer aos seus utentes "públicos", pelo valor de x, um serviço em que só investiu x-z. Neste caso, z representa um lucro perfeitamente legítimo e você tem razão.

Quarto cenário: o hospital é privado e ineficiente, isto é, em troca de x que os contribuintes entregam em média a esse hospital, os utentes "públicos" recebem em média um serviço no valor de x-y. Neste caso, y representa um lucro, mas é um lucro obtido sem contrapartidas: nesta quarta hipótese houve uma privatização ilegítima de recursos públicos, ou seja, mais uma vez o imposto público se degradou em tributo privado.

Um neoliberal fanático diria que o primeiro e o quarto cenários não se põem, o que é a mesma coisa que eu estar a olhar para uma casa ou uma árvore e alguém me dizer que essa casa ou essa árvore não existem porque não estão previstas na teoria.

O que a crise do subprime mostrou até aos mais distraídos foi que o quarto cenário não só se põe, como até talvez constitua a principal característica definidora do regime politico-económico em que vivemos. Claro que daqui a um mês ou dois os mais distraídos já se terão esquecido (isto é, se a situação não se agravar até à catástrofe) e a ideologia neoliberal voltará a adquirir uma parte da credibilidade que perdeu. Mas mais tarde ou mais cedo a contradição entre a ideologia e o regime político que se reclama dela levará à destruição deste último. Eu gostaria que esta destruição fosse lenta e pacífica, mas receio que seja rápida e extremamente violenta; daí a minha referência à possibilidade de centenas de milhões de mortos.

13 de Outubro de 2008 11:03

RioDoiro disse...

Não tenho possibilidade de dar sequência à conversa. Veremos para o fim de semana (se conseguir ficar acordado).

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