Quando andava no Liceu, antes de 1974, tive um professor que era, verdadeiramente, uma besta fascista. Quando um dia soubemos que esse professor tinha um filho a quem dava frequentemente sovas de chicote, não nos admirámos: a informação condizia perfeitamente com a personagem.
Pois este senhor tinha uma máxima que nos declamava a cada passo, de dedo em riste: «máxima liberdade, máxima responsabilidade!»
Era mentira. Nas aulas dele não tínhamos liberdade nenhuma. Tínhamos que nos sujeitar a tudo: testes com classificações incompreensíveis que não podiam ser contestadas, castigos sem causa que se visse, notas dadas com o claro intuito de prejudicar os alunos de quem ele não gostava.
Uma besta fascista, como escrevi acima.
Um dia, depois de lhe ouvir pela enésima vez a máxima sobre a liberdade e a responsabilidade, levantei o braço; e quando o senhor me deu permissão de falar, perguntei: «Desculpe, senhor doutor [naquele tempo não havia setores, havia senhores doutores]. Não será antes 'máxima autoridade, máxima responsabilidade'?»
Fui expulso da sala com falta disciplinar a vermelho, e no fim do período lá tive a competente negativa para me recompensar o atrevimento. Não me queixei a ninguém porque não havia ninguém que me aceitasse a queixa sem me aplicar uma punição ainda mais grave.
A autoridade deste homem não se baseava no respeito que tivesse por nós, que era nenhum; nem no respeito que tivéssemos por ele, que nenhum era; nem em especiais capacidades científicas ou pedagógicas. Era baseada no poder cru e puro de nos aplicar faltas a vermelho (com três reprovava-se), de nos dar as notas que quisesse sem ter que as justificar perante ninguém fora do Conselho de Turma; e era baseada sobretudo no clima de terror que instaurava na sala; no ar que tinha - não sei se o cultivava - de poder partir a qualquer momento para a violência física.
Não quero voltar a esses tempos. Não porque considere que os professores tinham poder a mais, mas porque não eram responsabilizados por ele. Não quero que a autoridade dos professores consista num poder irresponsável. Mas quero que os professores tenham a autoridade que advém, por um lado, do respeito que merecem, e por outro de um poder legítimo e responsável, mas também real e eficaz.
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2 comentários:
Nem queres voltar a esses tempos, nem mais ninguém (talvez raro aquelas excepções que ainda continuam a bater nos seus alunos na sala de aula sem que ninguém apresente queixa).
Sou mais nova, entrei no liceu em 1980, mas o ambiente era de respeito. lembro-me de haver uma única falta disciplinar na minha turma ao longo do meu percurso e nós ficámos tão escandalizados com a atitude como o professor... Mas enfim.
Agora do que me lembro mesmo, mesmo, era daquele carimbo vermelho enorme que ocupava quase uma página A5 que os meus professores (sim, professores, que na Alemanha não havia monodocência no 1º Ciclo) me aplicavam no caderno quando eu não fazia o TPC. Eram coisas tão pequenas como essa que nos punham na linha...
Há de facto ainda muita gente a confundir autoridade com autoritarismo.
O problema é que mesmo continuando a haver professores autoritários, lhes foi retirada a sua autoridade.
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