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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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sábado, 29 de março de 2008

Para quando a escola democrática?

Há-de haver por aí muita gente com saudades da escola salazarista. Uns porque a viveram e se deram bem com ela; outros porque, não a tendo vivido, a mitificam. Eu vivi-a como aluno e não tenho saudades nenhumas.

A escola salazarista era fortemente hierárquica. Os professores tinham poder efectivo sobre os alunos, os directores de ciclo sobre os professores, os metodólogos sobre os estagiários, o reitor sobre todos.

Esta distribuição de poder não era necessariamente um mal. Não era ela, só por si, que fazia da escola uma instituição autoritária e opressora. O mal estava na irresponsabilidade do poder e na consequente arbitrariedade. Quem estava na posição mais baixa na hierarquia não tinha recurso contra as decisões de quem estivesse em posição mais alta. Pelo contrário: qualquer protesto, por mais justificado que fosse, era visto como um delito e punido como tal.

Isto não significa que todos os professores fossem tiranos: pelo que me lembro, a maior parte não o era. Mas todos o podiam ser; e isto era intolerável para quem tivesse um mínimo de dignidade pessoal ou espírito de liberdade. E assim, com a irrupção dos Beatles e dos Rolling Stones nos anos sessenta, com o Maio de 68 em França, com as crises académicas de 62 e 69, com o 25 de Abril de 1974, agigantou-se a contestação a esta escola e quase se universalizou o desejo duma escola democrática que a substituísse.

E num certo sentido este desejo tornou-se realidade. Quem não podia ir à escola passou a poder ir. O ensino universalizou-se. Isto foi verdadeiramente um avanço democrático e é hoje uma conquista civilizacional irrenunciável. Quaisquer que sejam os problemas da escola actual, a sua solução não pode passar, nem pela exclusão dos mais desfavorecidos, nem pelo seu acantonamento num ghetto (que seria a escola pública por contraponto à privada) em que se desista do ensino e cuja única função seja tirar os jovens da rua.

Ao mesmo tempo que se democratizou em termos de acesso, a escola caminhou em sentido contrário em termos de filosofia educativa e de missão atribuída. A escola "moderna" é sob muitos aspectos totalitária, porque usurpa funções e competências de agentes educativos outros sem os quais não é possível uma sociedade livre.

Diz o ditado que é necessária toda uma aldeia para educar uma criança. Transposto este ditado para as sociedades urbanas do nosso tempo, mais verdadeiro ele se torna. Nas sociedades modernas opera uma variedade incontável de agentes educativos, desde os mais nocivos e perigosos, como os gangs, até aos mais naturais e necessários, como as famílias. Entre um extremo e outro temos as igrejas, os clubes desportivos, as associações culturais, as celebridades, as figuras de referência - e sobre tudo isto, omnipresentes e quase omnipotentes, os media.

Por mais nocivos que alguns destes agentes sejam, e por mais úteis que sejam outros, a sua variedade é em si mesma um valor, porque é ela que permite aos jovens fazer escolhas éticas e elaborar, com a liberdade possível, as suas próprias e diversificadas visões do mundo. A escola, que é um agente educativo entre muitos, não pode nem deve substituir-se aos outros, sob pena de formatar os seus educandos num pensamento único e numa ética única que talvez convenha ao poder, mas diminui os alunos na sua dimensão humana e na sua liberdade moral. Um projecto de educação global dirigido, a partir de um centro político, à pessoa total que é o aluno é necessariamente um projecto totalitário que ofende gravemente a liberdade e a integridade pessoal dos seus destinatários.

Não sei se a escola democrática, se alguma vez vier a existir em Portugal, será uma mini-democracia que reproduza, como uma parcela fractal, as instituições e os procedimentos do Estado democrático. Estou em crer que não. Mas será com certeza uma escola em que os professores terão poderes concretos comensuráveis com as responsabilidades que lhe são pedidas; em que os traumas do salazarismo estarão ultrapassados e não impedirão o exercício da autoridade por parte de quem a deve ter; será uma escola livre de escolher, de entre as várias teorias e práticas pedagógicas, a que reunir maior consenso entre pais e professores; será uma escola muito mais concentrada do que a actual na sua tarefa educativa específica, que é ensinar e instruir; e será sobretudo uma escola muito mais modesta e comedida do que a actual no poder que se arroga de intervir sobre a «globalidade» do aluno, de modo a não usurpar funções que a restante sociedade tem o dever e o direito de desempenhar.

PS.: Depois de ler, no Dragoscópio, este post, sou levado a reflectir que, enquanto a escola tenta, felizmente sem êxito, monopolizar a formatação das mentes, os media tentam, infelizmente com êxito, exactamente o mesmo.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Feras ou bons selvagens?

Os gatos são pequenas feras. Basta vê-los caçar para entender isto. Fazem o que querem, não são socializáveis, e quando os temos ao colo e lhes fazemos festas sabemos muito bem que se pesassem 50 quilos em vez de cinco eram perfeitamente capazes de nos fazer em pedaços e de se porem depois a lamber o pelo com o ar mais plácido deste mundo.

Apesar disto gostamos deles. São tão belos - a seguir a uma árvore um gato é a coisa natural mais bela do mundo - que lhes perdoamos tudo.

Por maioria de razão perdoamos tudo às crianças. As crianças, não nos limitamos a gostar delas como gostamos dos gatos: amamo-las como seres humanos que são, de cuja felicidade depende a nossa. E no entanto, até Rousseau, toda a gente teve como evidente que as crianças são feras e que a educação consiste em humanizá-las: ou seja, em fazer delas outra coisa, uma coisa melhor, que elas por natureza não são.

Rousseau convenceu muita gente, mas não convenceu toda a gente. Ainda hoje muitos iletrados intuem, e muitos especialistas concluem, que as crianças não são bons selvagens a quem basta deixar desenvolver naturalmente, com algum pouco encaminhamento no bom sentido, para que se tornem em adultos livres, felizes e virtuosos.

São, portanto, para muita gente, feras. E eu confesso que partilho esta noção. Apresso-me a acrescentar que não quero metê-las em jaulas nem tratá-las a chicote: são feras, sim, mas feras que podem e devem ser amadas.

O problema - o facto da vida que nos custa a aceitar - é que não basta amá-las: é preciso também domá-las e ensiná-las. É o nosso dever. E parece-me que cada vez menos temos estômago para o cumprir.

terça-feira, 25 de março de 2008

Ciências da Educação

Perguntam-me muitas vezes o que é que eu tenho conta as Ciências da Educação. E eu respondo: o mesmo que tenho contra a Bioquímica, ou seja, nada.

Sem os avanços da Bioquímica, muitos progressos que tem havido na Medicina nunca se teriam verificado. A Bioquímica reveste-se, portanto, de autoridade sobre a profissão médica. E os médicos aceitam esta autoridade de boa vontade.

A bioquímica impõe-se aos médicos pela sua autoridade própria, não através da autoridade do Estado. Os investigadores em Bioquímica nunca colonizaram o Ministério da Saúde nem elaboraram a partir dele normas legais para os médicos respeitarem. Validam as suas teorias e as suas descobertas através dos protocolos estabelecidos para as Ciências: avaliação pelos pares, replicabilidade dos resultados, etc. E as técnicas a que as suas teorias dão origem passam, para chegarem aos consultórios e às salas de operações, por um crivo profissional - não por um crivo político, burocrático ou administrativo. É por isso que em Medicina há progresso.

Em Educação há, em vez de progresso, inovação. Não gosto muito desta palavra. Implica mudança, que pode ser para melhor mas também para igual ou pior. Faz-me engulhos que no Ministério da Educação haja organismos dedicados à Inovação -assim, com maiúscula e carácter obrigatório. Porque sentem as Ciências da Educação esta necessidade de se imporem aos professores através da autoridade do Estado? Não têm autoridade própria? Porque colonizam o Ministério da Educação? Se os próprios especialistas nestas disciplinas confiam tão pouco na sua validade, porque hei-de eu, professor, confiar nela?

Não desejo que fechem as Escolas Superiores de Educação. Pelo contrário, desejo que prosperem, e que apresentem no mercado das ideias as suas conclusões para serem ou não adoptadas por quem tem que construir, a partir delas, técnicas que funcionem no terreno. Mas larguem o Ministério da Educação, que já é grande demais e tem demasiados parasitas. É um favor que fazem aos professores, aos alunos, à sociedade em geral e, a longo prazo, a si próprias. Uma ciência que se impõe por decreto é uma ciência que desistiu de o ser.

domingo, 23 de março de 2008

Fazer o mal e a caramunha

João Amado, especialista em Ciências da Educação, questionou na televisão a preparação da professora que foi vítima de violência na escola Carolina Michaëlis. Permitiu-se fazer esta avaliação sem conhecer nem as circunstâncias, nem a pessoa; e sem que ela tivesse a possibilidade de se defender.

Esta gente cria os monstros, e depois exige aos professores que estejam preparados para lidar com eles.

sábado, 22 de março de 2008

O poder dos professores

Quando andava no Liceu, antes de 1974, tive um professor que era, verdadeiramente, uma besta fascista. Quando um dia soubemos que esse professor tinha um filho a quem dava frequentemente sovas de chicote, não nos admirámos: a informação condizia perfeitamente com a personagem.

Pois este senhor tinha uma máxima que nos declamava a cada passo, de dedo em riste: «máxima liberdade, máxima responsabilidade!»

Era mentira. Nas aulas dele não tínhamos liberdade nenhuma. Tínhamos que nos sujeitar a tudo: testes com classificações incompreensíveis que não podiam ser contestadas, castigos sem causa que se visse, notas dadas com o claro intuito de prejudicar os alunos de quem ele não gostava.

Uma besta fascista, como escrevi acima.

Um dia, depois de lhe ouvir pela enésima vez a máxima sobre a liberdade e a responsabilidade, levantei o braço; e quando o senhor me deu permissão de falar, perguntei: «Desculpe, senhor doutor [naquele tempo não havia setores, havia senhores doutores]. Não será antes 'máxima autoridade, máxima responsabilidade'?»

Fui expulso da sala com falta disciplinar a vermelho, e no fim do período lá tive a competente negativa para me recompensar o atrevimento. Não me queixei a ninguém porque não havia ninguém que me aceitasse a queixa sem me aplicar uma punição ainda mais grave.

A autoridade deste homem não se baseava no respeito que tivesse por nós, que era nenhum; nem no respeito que tivéssemos por ele, que nenhum era; nem em especiais capacidades científicas ou pedagógicas. Era baseada no poder cru e puro de nos aplicar faltas a vermelho (com três reprovava-se), de nos dar as notas que quisesse sem ter que as justificar perante ninguém fora do Conselho de Turma; e era baseada sobretudo no clima de terror que instaurava na sala; no ar que tinha - não sei se o cultivava - de poder partir a qualquer momento para a violência física.

Não quero voltar a esses tempos. Não porque considere que os professores tinham poder a mais, mas porque não eram responsabilizados por ele. Não quero que a autoridade dos professores consista num poder irresponsável. Mas quero que os professores tenham a autoridade que advém, por um lado, do respeito que merecem, e por outro de um poder legítimo e responsável, mas também real e eficaz.

Autoridade, respeito e poder

A autoridade do professor tem duas pernas: a relação de respeito mútuo que se estabelece entre ele e os alunos e o poder que lhe é conferido pela lei ou pelos regulamentos.

A autoridade dos professores tem que se equilibrar nas duas pernas: se for baseada no poder bruto será autoritarismo e opressão; mas se o professor não tiver poder suficiente a sua autoridade será uma utopia, porque pode sempre acontecer que lhe apareçam pela frente alunos com quem é impossível estabelecer, por mais talentoso e dedicado que seja o professor, uma relação de respeito mútuo.

O respeito conquista-se respeitando os alunos: isto é uma coisa que todos os bons professores sabem e praticam quase por instinto. Conquista-se também pelo saber: um professor ignorante, sobretudo se for arrogante na sua ignorância, nunca será respeitado. Conquista-se ainda pela justiça: não será respeitado o professor que dê mostras de arbitrariedade na avaliação ou de favoritismo na sua relação com os alunos. Conquista-se pela paciência e pelo empenho em que os alunos aprendam. E a isto tudo há que acrescentar todas aquelas subtilezas de comportamento e postura que dificilmente se podem definir mas que são elementos importantes dessa qualidade a que chamamos talento.

Mas este talento não garante só por si, mesmo no seu grau mais elevado, a autoridade do professor. Esta depende também da sua relação de poder com os alunos. Se esta lhe for adversa, pode ser que em muitas turmas lhe seja possível manter a autoridade, mas é estatisticamente impossível que a mantenha em todas. Os alunos são diversos; as suas circunstâncias são muitas vezes, além de diversas, incontroláveis pelo professor; há alunos que nunca na vida foram respeitados por ninguém e que por isso não entendem quando o professor os está a tratar com respeito.

Nas escolas portuguesas é dado demasiado poder aos alunos e não é dado poder suficiente aos professores. Todas as leis do sistema educativo, todos os regulamentos, estão feitos no pressuposto de que o professor é automaticamente suspeito. Não devia ser assim. Uma escola não é uma democracia, e não o é, sobretudo, se quiser ser democrática. Nesta escola democrática que não é uma democracia o pressuposto tem de ser que até prova em contrário o professor tem sempre razão. Isto confere-lhe, é claro, poder. Este poder presta-se, é claro, a abusos. Mas a solução não é tirar poder ao professor, é responsabilizá-lo pelo uso ou abuso que faça dele.

O que a sociedade não pode continuar a fazer, se quer que as escolas funcionem, é a dar cada vez mais responsabilidade a quem não tem poder e cada vez mais poder a quem não tem responsabilidade.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Professora brutalizada

I.

Não quis escrever ontem, a quente, sobre o caso acontecido na escola Carolina Michäelis e divulgado no youtube. Mas mesmo guardando para hoje este texto verifico que não sou capaz de o escrever tão a frio como desejaria.

De entre as muitas reacções que li na blogosfera gostaria de referir aqui duas, que têm em comum a ideia de que a professora não se revelou tão boa profissional como lhe seria exigível. F. J. Santos exige aos professores, no seu blogue (Re)flexões, que saibam gerir melhor a diversidade; e Daniel Oliveira exige-lhes, no Arrastão, que saibam gerir melhor o conflito.

Ambos têm razão até ao ponto em que a têm: os professores devem ter alguma capacidade, com efeito, de gerir a diversidade e o conflito. A questão que nenhum dos dois aborda é a de saber em que grau lhes são exigíveis estas capacidades.

Vivemos numa sociedade diversa. Nem todos os alunos das escolas provêm duma classe média que dá valor ao ensino e à ascensão social que este pode proporcionar. Nem todos aprenderam em casa a controlar a violência ou a respeitar os adultos. Esta circunstância tem que ser gerida? É claro que tem. Mas tem que ser gerida a todos os níveis. O sistema educativo não pode alhear-se dum facto que é geral e social, e endossar a sua gestão às escolas para que a façam sozinhas. Nem as escolas podem, por sua vez, endossá-la ao professor para que se encarregue dela, isoladamente, na sala de aula. E no entanto é isto que acontece: o professor vê-se na situação de um ponta de lança a quem os médios não passam jogo mas a quem os adeptos exigem mesmo assim que marque golos.

Quanto à capacidade de gerir conflitos, há quem a tenha naturalmente, em maior ou menor grau. Mas num grau em que ela quase atinja a perfeição só a tem quem tiver, além da capacidade natural, um treino tão longo, tão difícil e tão oneroso que a sociedade não o dá sequer a todas as forças policiais, só às de elite. E mesmo estas sabem que podem contar, nas situações difíceis, com uma retaguarda que os apoia. Os professores contam com uma retaguarda que lhes atira pedras.

Mesmo que fosse exequível dar a 143.000 professores o mesmo treino em gestão de conflitos que se dá aos Grupos de Operações Especiais, duvido muito que isso fosse desejável. E creio que qualquer pessoa de bom senso duvidará comigo. A professora que aparece no vídeo não exibiu o auto-controlo sobre-humano que se espera, noutros grupos profissionais, apenas de uma elite. Ainda bem: no dia em que esse nível de auto-controlo for exigível aos professores o projecto educativo de toda a nossa sociedade terá falido.

II.

Não tenho a certeza, mas julgo que conheço a professora que aparece no vídeo. Se é quem eu penso, gostava de dizer aqui algumas coisas sobre o seu percurso profissional, que está ligado, como é quase inevitável com os professores, a um particular modo de ser. A pessoa em que estou a pensar é aquilo a que ainda hoje se chama uma senhora. Um modelo de cortesia, de saber estar e em termos de idiossincrasia pessoal - de doçura. Nos últimos anos dedicou-se ao Parlamento Europeu dos Jovens, contribuindo com o seu trabalho e esforço para que centenas de jovens portugueses aprendessem como funciona a máquina da democracia e se treinassem, com colegas de todas as nacionalidades europeias, nas regras do debate racional sobre todos os temas imagináveis da cidadania.

Antes disso ensinou, e bem, gerações de alunos. A doçura do seu carácter nunca a impediu de o fazer com competência, antes pelo contrário. Tratava-se maioritariamente, é certo, e como diria o F.J. Santos, de jovens da classe média; mas também havia entre eles muitos alunos provenientes de famílias com dificuldades económicas e isto nunca foi obstáculo a que entre professora e alunos se estabelecessem relações de afecto e respeito mútuo.

A infelicidade desta professora foi estar muitos anos afastada da escola, que entretanto mudou. Durante estes anos o poder político tirou o tapete de debaixo dos pés aos professores. Os que viveram este tempo na escola foram-se adaptando, mesmo em termos de idiossincrasia e carácter, às novas circunstâncias e aos novos alunos. Esta professora não teve oportunidade de se adaptar e caiu de chofre numa escola que não era a que ela conhecia: uma escola em que se tinha invertido a relação de poder entre professores e alunos, uma escola frequentada por jovens provenientes do mundo real, muito diferentes daqueles para quem o actual sistema de ensino foi feito e que só existem na cabeça dos teóricos da educação. Se é a professora que eu conheço, a estas horas deve estar desfeita, enquanto a aluna que a brutalizou se está provavelmente a rir. E isto, não tenho vergonha de o dizer, revolta-me até às entranhas.

Se esta professora falhou, falhou com mérito. Se na escola de hoje a doçura é vício e a dureza virtude, então o falhanço é honroso e o «sucesso» que nos exigem é vergonha.

Silêncio cúmplice

Daqui a bocado tenciono escrever um texto alargado sobre a agressão à professora da escola Carolina Michäelis. Para já observo apenas que o silêncio da ministra da educação sobre este caso não pode ser outra coisa a não ser um silêncio cúmplice.

quarta-feira, 19 de março de 2008

A ministra nem sequer tem a noção dos seus deveres

Um ministro que responde a perguntas no Parlamento não está na posição de um superior que dá a um subordinado os esclarecimentos que entende. Está na posição de um subordinado que presta contas a quem tem legitimidade para lhas exigir.

Quando Maria de Lurdes Rodrigues respondeu a Ana Drago que "não tinha obrigação" de responder às perguntas feitas por esta nos termos em que tinham sido feitas, cometeu um delito de insubordinação e subverteu a Constituição da República. Isto é pura e simplesmente inaceitável. Se passar sem punição é caso para termos vergonha do nosso Governo, do nosso Parlamento e do nosso País.

Quem não quer a Ordem dos Professores?

Não a quer o poder político, porque quer atribuir aos professores as tarefas e as funções que entender sem correr o risco de deparar com objecções deontológicas.

Não a querem os sindicatos, porque querem monopolizar a representação dos docentes.

Não a quer a indústria das «Ciências da Educação», que não quer ver a qualidade dos seus cursos avaliada a não ser pelo Ministério, onde é ela que manda.

Eu não exijo a demissão da ministra

É uma questão de lucidez, e de não fulanizar as coisas. Tenho a perfeita noção de que o problema não é Maria de Lurdes Rodrigues, nem é Valter Lemos, nem é Jorge Pedreira: o problema é o ministério e as suas metástases.

E é também a política do espectáculo do Sr. José Sócrates, que serve só a oligarquia e consiste fundamentalmente em revestir com um verniz de modernidade um imenso balão cheio de ar.

terça-feira, 18 de março de 2008

Os anti-intelectuais

O anti-intelectualismo é uma doença tenaz que assume muitas formas e muitos graus de gravidade. Durante a revolução cultural chinesa chacinaram-se os artistas, os professores, os físicos, os matemáticos, os astrónomos. Nos EUA os candidatos a cargos públicos, se são homens ou mulheres de livros e de cultura, ocultam cuidadosamente esta condição, que joga contra eles nas urnas. Em Portugal despreza-se a cultura "livresca" e celebram-se os heróis que enriqueceram sem "terem estudos".

Neste ambiente não admira que aos sucessivos ministérios ditos "da educação" sempre tenha sido indiferente que os professores ensinem bem ou mal, ou que saibam ou não a matéria que lhes compete ensinar. Não admira que Maria de Lurdes Rodrigues faça aprovar e imponha às escolas um Estatuto da Carreira Docente em que se atribuem aos professores 29 tarefas entre as quais não se conta ensinar. Nem admira que a mesma governante imponha um documento de avaliação dos professores que contempla catorze critérios - entre os quais mais uma vez não se conta o conhecimento que o professor tem da matéria nem o grau de competência com que a ensina.

E também não admira, infelizmente, que esta ministra, com estas políticas, seja uma heroína para uma parte da opinião pública e da opinião publicada.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Rupturas

Rompeu-se a confiança entre a ministra e os professores, disse o Professor Adriano Moreira com carradas de razão. E isto é muito grave, acrescentou: torna muito difícil, se não impossível, qualquer desenvolvimento positivo na situação do ensino em Portugal.

Gravíssimo, de facto. Mas tem solução. Como último recurso poder-se-ia dissolver o ministério: não faltam países onde não há ministério da educação e onde os sistemas de ensino funcionam melhor que o nosso.

Mas Maria de Lurdes Rodrigues não rompeu só a relação de confiança entre ela própria e os professores: rompeu também a relação de confiança entre os professores e a sociedade. E para esta ruptura não há solução nem emenda, é uma catástrofe completa que daqui a décadas ainda afectará negativamente o ensino em Portugal.

Maria de Lurdes Rodrigues tem já assegurado o seu lugar na História. Pela minha parte, não lho invejo.

domingo, 16 de março de 2008

Leitura recomendada

É de ler este post que uma professora de Matemática que assina homoclinica escreveu no seu blogue
Nós-sela. No post transcreve-se uma entrevista que Nuno Crato deu ao «Público». A entrevista já não é recente mas isto torna-a mais interessante porque nela o entrevistado prevê o que realmente se veio a passar.

sábado, 15 de março de 2008

Olhe que percebemos, olhe que percebemos...

A Ministra da Educação diz a quem a quer ouvir que os professores se lhe opõem porque não percebem as reformas. Está enganada: quem a apoia é que não percebe as reformas. Os professores que se manifestam percebem-nas até muitíssimo bem...

Resposta a Sousa Tavares

Este artigo foi publicado por Miguel de Sousa Tavares no EXPRESSO no dia 10 de Março. Deixo-o aqui, juntamente com o comentário que enviei para o jornal online:


Setenta mil professores, segundo a Fenprof, estarão hoje nas ruas de Lisboa a manifestar-se. Querem a morte de todas as reformas ensaiadas nos últimos dois anos por Maria de Lurdes Rodrigues e, obviamente, querem também a cabeça de Maria de Lurdes Rodrigues. Desde que há Ministério, desde que há Educação, desde que há democracia, que não me lembro de a Fenprof e os sindicatos da Educação terem deixado de exigir a cabeça do ministro ou ministra em funções. Começou há muitos anos, quando Sottomayor Cardia se lembrou de fazer uma lei de gestão das escolas e Universidades em que (vejam lá a ironia e o escândalo) os conselhos directivos eram maioritariamente compostos por professores e não por funcionários e alunos. Na altura, gritou-se que o fascismo estava de volta e hoje quase que se grita o mesmo, porque a ministra se lembrou de propor a figura de um director para as escolas.

Julgou-se, a certa altura, que o problema poderia estar em os ministros da Educação serem homens, ditando ordens e instruções a um universo essencialmente feminino. Seguindo à letra o discurso feminista oficial de que as mulheres são melhores para a governação porque têm maior capacidade de diálogo, entendimento, etc., e tal, entrou-se na moda dos ministros mulheres, a ver se a coisa acalmava. Não acalmou: o problema não estava aí. E, a menos que se siga a sugestão ditada há dias ironicamente por Maria de Lurdes Rodrigues - experimentar uma loira burra - há que procurar as origens do confronto em outras razões.

Durante muitos anos, e para garantir uma paz podre no sector, todos os governos, incluindo os socialistas, renunciaram a tentar mudar o que quer que fosse. A política de educação estava entregue aos professores e as escolas aos sindicatos. O grosso dos ministros foi do PSD e os sindicatos estavam nas mãos da facção do PSD dirigida por Manuela Teixeira, e a do PCP e companheiros dirigida pelo crónico Paulo Sucena. Como nada de essencial no "statu quo" estava em causa, o confronto centrou-se na ineficácia funcional do Ministério. Anos a fio fomos confrontados com o espectáculo confrangedor de ver os dirigentes sindicais deleitados com as dificuldades e problemas crónicos da colocação de professores e os dramas reais dos professores "não efectivos" que viviam com a casa e a vida às costas, um ano no Algarve outro no Minho. Sem nenhum pudor, tornou-se claro que, quanto pior funcionasse o Ministério e mais problemas viessem para os professores desse mau funcionamento mais felizes andavam os sindicatos. Hoje, são ambos problemas resolvidos e cuja resolução ninguém se lembrou de enaltecer: os professores são colocados a tempo e horas e têm contratos que lhes garantem três anos de permanência no mesmo local.

Essa frente de luta sindical acabou, mas os trinta anos que ela durou deixaram marca. Os sindicatos da Educação tiveram uma contribuição decisiva para sucessivas gerações de alunos prejudicados e para a derrota nacional na frente educativa. Nunca tivemos falta de professores, falta de escolas, falta de dinheiro para a Educação. Gastámos como em nenhum outro sector e, em percentagem do PIB, mais do que a maioria dos países europeus. E tudo isso serviu para nada, para formar gerações de ignorantes, sem préstimo no mercado de trabalho de hoje ou para acumular taxas terceiro-mundistas de abandono escolar. Eu, se fosse professor, estaria, no mínimo, incomodado com os resultados. Porque é preciso muita má fé para sustentar que a culpa foi apenas dos ministros da Educação que tivemos - todos, sem excepção, incompetentes.

Nesta altura do campeonato já toda a gente percebeu que o problema não está em Maria de Lurdes Rodrigues, como também não estava no sacrificado ministro da Saúde Correia de Campos. O problema é mais fundo, mais antigo e mais complicado de enfrentar: Portugal é, de há muito, um país mental e estruturalmente corporativo e qualquer reforma que qualquer governo intente esbarra sempre contra uma feroz resistência da corporação atingida. E para que serve uma corporação? Para proteger os medíocres, não os bons. Acontece com os professores, com os médicos, com os magistrados, com os agentes culturais, com os empresários encostados ao Estado.

Certo que aquele labiríntico organigrama da avaliação dos professores parece, à primeira vista, uma obra-prima de burocracia. Certo que a ministra parece demasiado precipitada e intransigente, adepta de uma atitude de fazer primeiro e avaliar depois. Certo que, como tantas vezes sucede, ela parece ter perdido já a paciência para discutir o pormenor, se não lhe concederem o essencial. Mas, no essencial, ela tem razão e todos nós, que não estaremos hoje a desfilar em Lisboa, já o percebemos. Ela quer mudar as coisas, recusa conformar-se com os resultados de trinta anos a nada fazer; a corporação quer que tudo o que é determinante continue na mesma.

Todos percebemos que a gestão das escolas não pode ser tarefa única dos professores, mas de grande parte da sociedade civil interessada e isto é o que mais atinge uma corporação cuja sobrevivência depende da auto-regulação desresponsabilizadora - vejam como os magistrados ficam logo abespinhados de cada vez que alguém sugere invadir o que chamam a sua sagrada "independência", que é causa primeira da total falência da justiça. Todos percebemos que um professor que falta às aulas ou vê os seus alunos nada aprenderem e não se preocupa com isso não pode e não deve progredir na carreira e ganhar o mesmo que outro que se preocupa com os seus alunos e com as suas aulas. Todos percebemos que um professor que falta a uma aula pode e deve ser substituído por outro que está na escola, sem aula para dar e dentro do seu horário de trabalho - como sucede todos os dias e com a maior naturalidade cá fora, no mundo 'civil', em qualquer empresa ou qualquer local de trabalho. É isto o essencial.

Infelizmente, Maria de Lurdes Rodrigues não tentou ou não conseguiu cativar para o seu lado e para as suas reformas os bons professores, que seriam os maiores interessados e beneficiários delas. Deixou que ficassem isolados e que, pouco a pouco, fossem arrastados pela onda de 'bota-abaixo' da Fenprof. Talvez seja este o destino inevitável de qualquer tentativa que se faça de quebrar o poder paralisante das corporações. Talvez haja sempre uma maioria de acomodados que vejam em qualquer mudança um sinal de perigo para a paz podre em que se habituaram a viver. Estas coisas vêm de longe e estão entranhadas: no tempo de Salazar, o grande sonho do português era arranjar emprego para a vida no Estado - o ordenado era garantido assim como a progressão por antiguidade e a reforma ao fim de 36 anos; não lhe era exigido nem mérito nem resultados e jamais seria despedido, a menos que ousasse contestar o Governo. Com a democracia, se a fé no Estado e no emprego público se mantiveram, a única coisa que mudou é que as corporações do sector público já podem contestar os governos. Mais: fazem-no sempre que acham que os governos pretendem mudar o Estado, de que eles se julgam os guardiões.

E é por isso mesmo que a queda de Maria de Lurdes Rodrigues teria o efeito de um toque a funados por qualquer futura tentativa de reformar o Estado e mudar o país.


O meu comentário:

Sempre que o poder político ou mediático convoca um “pogrom” contra as corporações (”corporações” é o nome que se dá à sociedade civil quando se quer demonizá-la) lá está Miguel de Sousa Tavares, de chuço e tocha na mão, disposto a incendiar, a espancar, a demolir. O Governo só respeita uma “corporação” - a dos banqueiros. Miguel de Sousa Tavares, nem essa.

Diz o nosso “hooligan” das letras que a ministra da educação tem razão no essencial, quando é precisamente no essencial que ela não tem ponta de razão. Poderá tê-la ocasionalmente no acessório; mas quando chegamos aos três grandes vícios do sistema educativo, aqueles que estão a montante de todos os outros e dos quais todos os outros decorrem, o que vemos em Maria de Lurdes Rodrigues não é a governante determinada da propaganda oficial, mas uma política acobardada e inerte que não mexe em nada que lhe possa queimar as mãos.

O sistema educativo português sofre duma burocracia bizantina que quase não deixa margem ao ensino. Atacou a ministra alguma vez esta burocracia? Não, antes a favoreceu, porque para a atacar teria que desmantelar uma grande parte do seu próprio ministério e tirar assim poder a muitos bonzos em relação aos quais se pela de medo.

O sistema educativo português sofre dum incivismo endémico que quase não deixa margem à aprendizagem. Atacou a ministra alguma vez este incivismo? Não, antes o ampliou, ao desautorizar os professores e ao elaborar legislação como o aberrante Estatuto do Aluno que está pronto para entrar em vigor.

O sistema educativo português sofre duma ideologia pedagógica delirante que despreza o conhecimento e o pensamento racional. Atacou a ministra alguma vez esta ideologia? Nunca. Pelo contrário, move-se nela como peixe na água porque é ela o seu habitat natural.

Miguel de Sousa Tavares reconhece, a certa altura do seu artigo, que Maria de Lurdes Rodrigues tem contra si não só os professores medíocres, mas também os melhores professores. Como pode ele afirmar isto e não se perguntar logo porquê?! Se Maria de Lurdes Rodrigues tem contra si os melhores professores, por alguma razão há-de ser. E se Miguel de Sousa Tavares não sabe qual é a razão, eu digo-lhe: é porque todas as acções desta ministra atacam, não só os direitos, prerrogativas e privilégios dos professores, mas também e sobretudo o núcleo irredutível da deontologia docente, que é o ensino.

Aqui, sim, é que está o essencial. Quanto ao discurso dos privilégios, há milénios que serve para justificar “pogroms”. Um homem que se pretende de cultura, como Miguel de Sousa Tavares, não devia alinhar nestas arruaças.

E devia, já agora, ver um pouco mais longe. Se entrasse nas escolas e falasse com os professores depressa se daria conta de que a prioridade destes não é derrubar a ministra, até porque sabem bem que o problema de fundo não é a ministra mas sim o ministério.

quinta-feira, 13 de março de 2008

"Ministério da Educação" porquê?

Educar é uma tarefa vasta e variada. Implica formar o gosto, moldar a opinião, firmar valores, exercitar a memória, agilizar o raciocínio, fornecer informação. Só uma parte da educação resulta de um propósito educativo. A outra parte, a maior, é um subproduto de outros propósitos: informativos, propagandísticos, lúdicos, etc.

Como assinala O Bengalão no texto que transcrevi, as escolas não são, mesmo no seu conjunto, o único nem o principal agente educativo. Há aspectos da educação em que não podem competir com a televisão ou com a internet, e há aspectos em que não devem competir com as famílias. Seria portanto sensato que se concentrassem nas tarefas educativas que nem as famílias, nem os media, nem as outras instituições do Estado ou da Sociedade civil estão em condições de desempenhar. Ou seja, e para usar uma linguagem que os nossos governantes possam entender: as escolas deviam concentrar-se no seu core business.

O que as escolas fazem melhor que ninguém, se as deixarem, é ensinar. Se não forem elas a ensinar Latim, Filosofia, Literatura, Gramática, Matemática, Lógica; se não forem elas a treinar os jovens no método científico e no pensamento racional, mais ninguém o fará. É esta a tarefa central das escolas; é este o núcleo irredutível da deontologia docente.

Portugal não precisa para nada de um Ministério da Educação. Útil seria uma outra estrutura, muitíssimo mais leve: um Ministério da Instrução Pública.

Este projecto seria menos ambicioso? Sem dúvida. Mas seria mais modesto, mais honesto, mais realista, mais exequível e mais democrático do que a monstruosa geringonça totalitária que se propõe moldar e dirigir todos os aspectos da vida a partir da 5 de Outubro. E se o adoptássemos obteríamos, por acréscimo, um bem que tanta falta nos faz: um critério simples, objectivo e racional para avaliar as escolas e os professores.

terça-feira, 11 de março de 2008

Educação

Transcrevo este texto d'O Bengalão:

Estamos todos de acordo. A Educação está muito mal. A maior parte dos portugueses não sabem falar, sabem ainda menos escrever, não são capazes de fazer uma conta simples sem uma calculadora e, mesmo com ela, se por acaso se enganam num algarismo, não dão conta, porque não fazem a mínima ideia do resultado aproximado. Além disso, não sabem História, não têm a menor ideia de Geografia, não conhecem um único pintor, ou escultor, ou músico. Também nunca leram um livro do princípio ao fim. Como se isto não bastasse, confundem alegremente conceitos básicos muito diferentes. Acham que simples é sinónimo de fácil, e complicado de difícil. Não distinguem impossível de improvável, provável de possível. A sua única ética é a Lei, no sentido mais boçal do termo. (Uma coisa é imoral se, e só se, a polícia os apanhar em flagrante delito). E isto aplica-se tanto ao carteirista do Rossio como ao presidente do conselho de administração. A Educação está muito mal, portanto.

O Bengalão diz desde já que a culpa não é do MINED. E não é, porque o sistema educativo está longe de ser o único veículo de transmissão de ideias, de técnicas de formação de opiniões próprias, de factos brutos e de comportamentos. Nem sequer é, provavelmente, o mais importante destes veículos. Um Ministério da Educação que compreendesse isto, exigiria que lhe mudassem o nome. Que lhe chamassem Ministério da Instrução, por exemplo. A educação dos portugueses faz-se, fundamentalmente, pela televisão. É isto um exagero? Será. Mas num país em que se passa tanto tempo à frente da TV, é natural que esta seja, não só a principal fonte de informação, mas também o principal modelo de comportamento. Outra coisa não seria de esperar.

É ou não verdade que os adolescentes portugueses passam, por dia e em média, 4 horas na internet, sem o acompanhamento de um adulto, mesmo de um adulto sem conhecimentos específicos para orientar a sua formação? E o que é que o adolescente faz na internet, pergunta o Bengalão. E responde já. Educa-se. Ou seja, recebe ideias, toma conhecimento de factos, constroi as suas opiniões e modifica os seus comportamentos. Sem acompanhamento.

Quer isto dizer que devemos pôr um especialista atrás de cada jovem que vai à net? Com certeza que não. Mas chamar a um Ministério que ignora estes factos Ministério da Educação só pode ser uma piada de mau gosto.

O Ingenhêro declarou há uns meses que daria um computador a cada aluno do secundário. (Esqueceu-se de dizer que o fez provocando o gáudio dos pingues lucros de algumas empresas de telecomunicações e informática, mas isso são contas de outro rosário). É uma medida boa? É uma medida má? O Bengalão não sabe. Um computador é apenas um meio, não é um fim. E o Ingenhêro esqueceu-se de nos dizer qual era o objectivo. Ou seja, que competências espera o Ingenhêro que TODOS os alunos que saem do Secundário tenham, no que diz respeito à informática.

Tudo no discurso do MINED é do mesmo jaez. Não disse a Lurdinhas, há meses, que, agora, o problema das instalações físicas das escolas está resolvido? Não é verdade que uma parte significativa das escolas portuguesas não têm instalações desportivas? Não interessa, Lurdinhas dixit Gosta o Ingenhêro de apontar a Finlândia como exemplo de sucesso educativo. Pois na Finlândia, uma das aulas obrigatórias do princípio ao fim do ensino obrigatório é uma coisa a que eles chamam, barbaramente, Urheilu. Se o Ingenhêro soubesse Finlandês, saberia que o Bengalão, este vaidosão que dá cinco tostões (e basta) para mostrar que sabe, está a falar de desporto. Já ocorreu à Lurdinhas que a generalização da prática sistemática de desportos colectivos em TODAS as escolas colaboraria para fomentar o espírito de corpo da escola, o espírito de equipa do aluno, o espírito de sã concorrência do cidadão?

Há estudos que mostram uma ligação entre a educação musical temporã e a qualidade dos resultados em matemática. Os japoneses e os coreanos, por exemplo, levam-nos muito a sério e estão à frente nos testes de numeracia. O que faz a Lurdinhas? Acaba com a pouca educação musical séria que existe no país. (O Bengalão não está a falar daquelas senhoras gordas e com pouco ouvido que ensinam as inínclitas gerações a cantar "Atirei o pau ao gato").

A Educação está mal em Portugal. Mas não fazer nada por isso, não reconhecer que há problemas de fundo que vêm de há muito tempo, que não fomos capazes, nós todos, de acompanhar a evolução da sociedade com mudanças das nossas (e não só da Escola) estratégias educativas tem um nome: incompetência. Dizer que tudo é simples e que a culpa é dos Professores tem outro nome: canalhice.

PS: O Bengalão agradece aos Professores que estiveram na manifestação de Sábado. E pareceu-lhe apropriado que, no dia 8 de Março, a maioria parecessem ser mulheres.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Novas tecnologias

Entre os parâmetros mais absurdos da avaliação dos professores - e são muitos os absurdos - conta-se este: se o «docente» utiliza ou não as novas tecnologias.

O teorema de Pitágoras é o teorema de Pitágoras. Tanto faz explicá-lo riscando o chão com um pau, como fazendo uma apresentação em Powerpoint. O resultado é o mesmo, cetera paribus. Só que este cetera é mesmo um cetera muito grande, e o modelo de avaliação que o ministério nos quer impor trata-o como se fosse muito pequeno.

Emídio Rangel e os professores

Emídio Rangel ofendeu-me gravemente duas vezes. A primeira foi há alguns anos, era ele director da SIC: interrogado, numa entrevista, sobre os efeitos sobre os jovens da violência televisiva, respondeu: "Mas então para que serve a escola?"

Ou seja: ele, Emídio Rangel, reserva-se o direito de fazer seja o que for para ganhar dinheiro; e à escola compete desfazer o mal que ele faz.

No sábado passado ofendeu-me de novo, com um artigo no Correio da Manhã que é de fio a pavio um bolsar de alarvidades. Não me ofende que Rangel dê a entender que mais de metade dos professores são comunistas: interrogo-me apenas sobre o que é que anda a fumar ou a chutar para a veia. Mas ofende-me ao escrever que os professores presentes na manifestação do dia 8 de Março - mais de metade dos que exercem a profissão em Portugal - são "pseudo-professores que trabalham pouco e ensinam menos".

O Sr. Rangel é detentor, presumo, duma carteira profissional de jornalista. Essa carteira confere-lhe o dever, julgo eu, de antes de fazer uma afirmação tentar verificar se é verdade. O seu estatuto proíbe-o, imagino, de fazer afirmações, e ainda por cima ofensivas para toda uma classe profissional, baseado apenas no que ouviu dizer em conversas de café.

Se o Sr. Rangel se tivesse informado sobre as tarefas que cabem aos professores - e era fácil, bastava-lhe visitar uma ou duas escolas e falar com a primeira pessoa que encontrasse - teria verificado que a maior parte não só trabalha muito, como trabalha demais. Quanto ao ensinar pouco, depressa se daria conta que uma das principais razões da revolta dos professores está precisamente em não lhes ser deixada margem para ensinar e estudar - as duas tarefas que num mundo racional seriam para eles prioritárias.

O Sr. Rangel, se tivesse vergonha na cara, nunca usaria a palavra "hooligan" para se referir a ninguém, nem mesmo aos verdadeiros hooligans. Mas o ódio cega: destrói a capacidade de autocrítica e promove a desfaçatez.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Quero reformas, já!

Primeira reforma: reduzir drasticamente o colete de forças burocrático que torna quase impossível o ensino.

(Mas esta, a ministra nunca a fará, porque para isso teria que desmantelar a maior parte dos organismos do Ministério e com isso muita gente ia perder poder).

Segunda reforma: tirar aos cientistas da educação o poder de impor administrativamente as suas teorias e dar liberdade às escolas para adoptarem a filosofia educativa que entenderem, de forma a que não se infantilizem os alunos e não se desvalorize o conhecimento.

(Mas esta, a ministra nunca a fará, porque o eduquês é já uma indústria que move milhões).

Terceira reforma: reprimir fortemente o incivismo, que destrói a paz necessária ao ensino e à aprendizagem.

(Mas esta, a ministra nunca a fará, porque vai mexer no lumpen e o governo tem quase tanto medo do lumpen como dos banqueiros).

Mas afinal concorda ou não que o País precisa de reformas?

Destas, não.

Aforismos

Sem professores não há escola, mas a escola não é dos professores.

Pois é, mas...

Sem professores não há escola, mas pode perfeitamente haver escola sem Ministério.

E também:

Se a escola não é dos professores, muito menos é dos burocratas.

terça-feira, 4 de março de 2008

Houve os que gritaram e houve os que resistiram calados

Há uma acusação contra os professores que recentemente se tem avolumado: que nunca protestaram nem se insurgiram em nome dos alunos e do ensino, mas que protestam e se insurgem em nome dos seus estreitos interesses corporativos.

Encontro alguma justiça e muita injustiça nesta crítica: há professores que andam há décadas a lutar pelo ensino e pelos alunos contra a tecnoburocracia do Ministério, mas nunca conseguiram que a sua voz chegasse à praça pública. Não admira que esta os acuse de nunca terem falado - mas falaram, e falam.

Durante décadas o poder político descentrou do ensino a «educação», sobrecarregou as escolas e os professores de tarefas que não lhes competem, afogou o sistema numa burocracia monstruosa, baixou os níveis de exigência, fomentou a indisciplina e o incivismo.

Como reagiram a isto os professores? Uns aderiram às modas; outros, muitos, fizeram das tripas coração e, já que não podiam ensinar com as políticas educativas vigentes, ensinaram, e bem, apesar dessas políticas. Foram décadas de heroísmo silencioso e resistência discreta, praticada dia após dia enquanto na rua outros professores se manifestavam ruidosamente - com toda a legitimidade, de resto - pelos seus salários, pelas suas carreiras e pelas suas prerrogativas.

Hoje aqueles professores vêem-se, em vez de louvados pela sua resistência e dedicação, censurados pelo seu silêncio. Talvez seja esta, no fim, a maior das injustiças - maior ainda que o cerco montado pelo novo Estatuto da Carreira Docente, pela nova lei da gestão escolar, pelo novo modelo de avaliação e pelo novo estatuto do aluno, cerco este que lhes fecha a escassa margem de manobra que lhes permitia ainda resistir e ensinar.

domingo, 2 de março de 2008

A mesma proposta (versão 2)

Nesta versão a proposta está mais elaborada do que na versão anterior, mantendo-se a preocupação de fazer do ensino o núcleo duro da nossa deontologia profissional.


(Ainda ficaram alguns pormenores por corrigir, como o facto de a ficha no princípio nos chamar docentes em vez de professores, que é o que somos com muita honra; mas enfim, não vale a pena mexer-lhe mais.)

A minha proposta

Esta é a minha proposta, ainda incipiente, de ficha de avaliação de desempenho. Foi elaborada com base na famigerada proposta do Agrupamento Correia Mateus e pretende ser, em relação a esta, uma resposta, uma crítica e uma alternativa que afirme como princípio deontológico a prioridade ao ensino. A vermelho vão as modificações que introduzi.

Agradecimento

Com base na tristemente famosa ficha de avaliação de desempenho elaborada no Agrupamento de Escolas Correia Mateus, e como resposta crítica a ela, elaborei uma ficha alternativa. Enquanto pensava na melhor maneira de a publicar neste blogue (ainda não sei utilizar o SCRIBD), enviei-a por correio electrónico a várias pessoas, tendo o colega Ramiro Marques respondido com uma referência elogiosa, que agradeço, e com a publicação, que agradeço também, no seu blogue Profavaliação. Pode ser vista aqui.

sábado, 1 de março de 2008

Que seria do tirano sem o esbirro?

Num agrupamento de escolas do Centro foi proposto, como critério de avaliação dos professores, a sua aceitação das políticas educativas do governo. Chamado a responder por isto perante o Parlamento, o Sr. José Sócrates disse que não era nada com ele, mas sim com o Conselho Executivo do agrupamento; por ele, até achava mal.
Perante os jornalistas, e sobre o mesmo assunto, a Sra. Ministra da Educação disse que era só uma proposta que já tinha sido rejeitada pelo Conselho Pedagógico - o que se veio a verificar mais tarde não ser verdade.
Pois é.
O tirano dá-se ao luxo de atirar a pedra e esconder a mão. Para fazer o trabalho sujo aparece sempre um esbirro.