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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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sexta-feira, 24 de abril de 2009

José Sócrates e a Igreja da Cientologia

Nos países onde não foi banida, a Igreja da Cientologia criou um reinado de terror que usa como arma principal a litigação abusiva. Quem ousar denunciá-la ou criticá-la é processado; e mesmo que, na maioria dos casos, obtenha ganho de causa, não se livra de despesas legais que podem levar à insolvência. Para esta seita, o castigo dos herejes não é a fogueira; é a miséria.

José Sócrates aprendeu a lição: nenhum primeiro-ministro tem posto tantos processos a tanta gente como ele. Geralmente, perde: os tribunais têm entendido, e bem, que o direito do cidadão ao seu bom nome não pode esvaziar o dever do político de se submeter ao escrutínio dos eleitores. Aos eleitores honestos interessa saber se um político é honesto ou não; e, não tendo acesso aos meios investigativos duma polícia profissional nem obrigação de seguir as regras de prova em vigor nos tribunais, resta-lhe formar uma opinião a partir dos media, dos antecedentes que conhece, das peças do puzzle que vai encaixando e até, muito legitimamente, da sua intuição pessoal.

Com base nesta opinião, que não tem que ser uma certeza, o cidadão eleitor decide o seu voto; e com base nela tenta persuadir os outros cidadãos a votar num sentido ou noutro. Está no seu pleníssimo direito.

É por pensar assim que eu já escrevi aqui que não quero que o cidadão José Sócrates seja preso sem que se prove a sua culpa no caso Freeport, mas também não quero que continue a ser primeiro-ministro sem que se prove a sua inocência. Tanto mais que José Sócrates, mesmo que seja inocente em relação a este caso, e que nunca tenha cometido um crime de corrupção tal como a lei o define, é indubitavelmente corrupto pela definição de corrupção que eu já aqui expus, que é política e não jurídica: corrupção é tudo o que converte poder político em poder económico ou poder económico em poder político. O recente chumbo no Parlamento dos projectos de lei contra o enriquecimento ilícito é apenas o último episódio numa longa série que torna clara (ou ainda mais obscura, vista por outro prisma) a posição do Partido Socialista em relação aos corruptos; e nãoserá preciso lembrar que tão ladrão é o que vai à vinha como o que fica à porta...

Convém a José Sócrates confundir os dois planos e passar para a opinião pública esta confusão. É ela que lhe permite vitimizar-se, e é ela que lhe permite conduzir a verdadeira campanha de terror jurídico com que tem procurado silenciar os seus críticos. A sinceridade deste exercício seria mais convincente se não se dessem duas estranhas coincidências: a tentativa recente da parte do Governo de aumentar as custas judiciais, que já são exorbitantes, e o facto de as primeiras referências passadas pelo Governo para os media quanto à possível desejabilidade desta medida terem surgido na sequência dos diversos processos postos por professores e organizações de professores, geralmente com êxito, contra o Ministério da Educação.

Um Estado que não consegue vencer os cidadãos pela razão ou pela lei; um Estado que tenta vencê-los pela ruina económica; um Estado que tenta pôr a Justiça fora do alcance das classes médias; um Estado que ainda por cima tem o privilégio de litigar gratuitamente não tem legitimidade para invocar a Lei que subverte por sistema, e muito menos a têm os titulares dos órgãos de soberania.

E que tal se o Estado, em vez de poder litigar de graça, tivesse de pagar o dobro das custas judiciais do que pagam os cidadãos comuns? E que tal se os tivesse que indemnizar em dobro, em caso de eles obterem vencimento de causa, de todas as despesas em que tivessem incorrido ao longo do processo - incluindo as despesas de representação legal? E que tal se a mesma tabela valesse para os detentores de cargos políticos, para as grandes empresas, e para todos os casos de grande superioridade do poder do queixoso em relação ao do réu? Fala-se tanto em Estado de Direito - porque não havemos nós, cidadãos, de exigir um Estado de Direito a sério?  

sexta-feira, 10 de abril de 2009

A corrupção é um imposto

Todos pagamos a corrupção. Pagamo-la se formos vítimas directas dela - por exemplo, se a nossa empresa se vir indevidamente preterida num fornecimento ao Estado porque uma concorrente obteve um tratamento de favor, ou se a operação de que estamos à espera for protelada ainda mais porque alguém nos passou à frente. Mas também a pagamos quando somos vítimas indirectas, como acontece se o dinheiro dos nossos impostos vai parar, sem contrapartida cabal, a bolsos particulares.

Quanto custa a corrupção a cada um de nós? Não tenho meios de fazer esse cálculo. Pagamos a diferença entre o que ganhamos e o que ganharíamos se vivêssemos numa sociedade mais eficiente e mais justa, mas não sei a que nível se situa este limite superior.

Pode ser que paguemos mais em corrupção do que pagamos em IRS, em IRC, em IVA e em imposto sobre os combustíveis. Mas mesmo que não seja esse o caso, e que a corrupção não seja o maior dos nossos impostos, uma coisa é certa: é, de longe, o pior e o mais injusto de todos os impostos. Os outros são pagos ao Estado, que bem ou mal ainda nos vai dando algumas contrapartidas em troca deles; mas a corrupção é paga a um baronato que não nos dá contrapartidas nenhumas e se limita a enriquecer sem produzir.

A corrupção não só não produz, como destrói. Destrói o ambiente, destrói a paisagem, destrói a concorrência leal entre as empresas, destrói a recompensa devida ao mérito. Não é um jogo de soma zero: é um jogo de soma negativa. Os custos para quem perde são maiores do que os benefícios de quem ganha.

A corrupção não é só o que a lei define como tal. A própria lei pode ser corrupta. A corrupção é a convertibilidade recíproca entre o poder político e o poder económico, e por mais legal que seja continua a ser corrupção. Quando Alberto Martins afirmou que a Ética Republicana é a ética da lei, a corrupção falou pela boca dele - quer ele se tenha dado conta disto, quer não.

Quais são os partidos da corrupção? É bom de ver: são o PSD e o PS. São eles, ou os seus dirigentes, os principais beneficiários do jogo da porta giratória entre os cargos políticos e os cargos nas empresas. O CDS/PP também, quando está no poder: lembremo-nos dos casos dos submarinos e da Universidade Moderna.

A corrupção não é necessariamente de direita, mas em Portugal calhou assim. Muitos eleitores que votam PSD ou PS, ou CDS/PP, fazem-no convencidos que estão a votar contra o comunismo soviético, que está morto e enterrado e já não faz mal a ninguém. Enganam-se: a menos que pertençam à pequena minoria que tira da corrupção um benefício líquido, estão a votar contra si próprios.

E os que se abstêm são desprezíveis: vêem o mal e consentem nele.

A ânsia dum governo mundial

Só uma instituição mundial pode garantir os direitos humanos. E se necessário tem de o conseguir pela força

(Do
Frankfurter Allgemeiner de 05.04.09; traduzido por mim)

Os princípios da liberdade e da igualdade valem também para os países que não os acolhem nos seus sistemas legais? Esta questão coloca-se apesar de quase todos os países terem assinado a Declaração Geral dos Direitos Humanos de 1948. Mas em muitos casos tratou-se apenas de um reconhecimento formal que não foi integrado na ordem jurídica interna. A excepção cultural, a tradição particular opôs-se nestes países aos princípios universais.

"Os direitos humanos estão em vigor independentemente de serem ou não parte de um sistema jurídico", dizem os seus defensores. Têm que o dizer, já que estes direitos não têm força se só tiverem efeito nos lugares onde estiverem integrados na ordem jurídica. É precisamente nos lugares em que este não é o caso que eles são necessários, e têm que ser legitimados com argumentos que não sejam estritamente de ordem legal.

A legitimação que tem sido usada há séculos é o argumento da Natureza. Os filósofos atenienses que introduziram o conceito - os Cínicos, que se situaram no início da "Velha Doutrina" - não tinham qualquer respeito pela Lei (nomos), antes recorriam na sua argumentação à Natureza (physis): acreditavam que a Natureza obrigava a considerar todos os homens livres e iguais.

Em Roma, onde as ideias de liberdade e igualdade integraram, três séculos mais tarde, a cultura dos letrados, a palavra "natura" transformou-se mesmo numa palavra da moda. A crença nos velhos deuses regredia e passava-se a reconhecer a natureza como a autoridade mais alta. A ordem harmónica que rege o Universo era venerada como se fosse divina. A unidade da natureza, resultante da convergência dum número infinito de variações, era tão admirada que se tornou o modelo para todas as obras humanas. Na "nova doutrina" podia por isso dizer-se que tanto os reis como os escravos nascem nus e sem quaisquer sinais de diferença hierárquica. Quando Séneca disse "nenhum homem é mais nobre do que outro", acrescentou: "do ponto de vista da Natureza." Mesmo o imperador se deu conta disto: Marco Aurélio tornou-se um dos representantes desta concepção do mundo.

Este conceito legitimado pela Natureza, prevalecente sobre todas as ordenações legais concretas, transformou-se em "lex naturae," e foi-lhe dado o nome de Direito Natural. Sob a bandeira desta noção - mais tarde usurpada por desvios anómalos - desenrolou-se uma luta que durou séculos. Na Idade Média foi esquecido; mas com o renovaddo interesse pelo mundo antigo, no Renascimento, no Humanismo e no Iluminismo, ele regressou à luz do dia. Quando os teóricos da Revolução Francesa exigiram liberdade e igualdade, basearam-se nos "direitos natos". "Regresso à Natureza!", gritou Rousseau; e a sua frase "L'homme est né libre" encontrou em Schiller a seguinte expressão: "O ser humano nasce livre, seria livre mesmo que tivesse nascido em cadeias".

Hoje ninguém fala em Direito Natural quando o tema são os direitos humanos. Há boas razões para isto: Encontram-se de facto os indivíduos, na Natureza, numa relação livre e igual uns com os outros? Não. Na natureza reinam hierarquias rígidas. Ela não reconhece a ninguém o direito à vida. Funciona, muito pelo contrário, segundo a lei do comer ou ser comido. Se a Evoluçãotrouxe um aperfeiçoamento, isto deve-se à sobrevivência dos mais fortes. Os fracos foram sacrificados.

O jogo admirável das forças da natureza não é conduzido por princípios morais externos. A sua ordenação vem profundamente de dentro: é "intrínseca." É por isso de compreender que o conceito de direitos humanos, que se autonomeava "direito natural", fosse combatido por ser anti-natural. Isto aconteceu mesmo antes da Revolução Francesa, quando o britânico Edmund Burke escreveu um panfleto intitulado "Uma Defesa da Sociedade Natural, ou: um olhar sobre a miséria e a inconveniência que qualquer espécie de ordem artificial traz à Humanidade".

Depois da Revolução, quando as ideias de liberdade se desacreditaram de forma tão horrível no Terror, o apelo aos verdadeiros princípios da natureza transformou-se no argumento principal daqueles que queriam restaurar o Antigo Regime - os românticos. Novalis e Eichendorff elogiaram a especificidade admirável do orgânico e exigiram da ordem política que radicasse num devir ancestral - submetida a nenhum princípio exterior, mas sim obediente à sua dinâmica intrínseca.

A ideia dos Direitos Humanos é tão contrária à Natureza, tão oposta a tudo aquilo que resulta de si mesmo, que não é sustentável sem uma obra humana artificial, sem uma construção: o Estado. Numa observação superficial isto não se vê claramente. Muita gente pensa que os Direitos Humanos estão dirigidos contra o Estado e que a sua defesa implica o enfraquecimento deste. É certo que por um lado isto é correcto - mas por outro lado estes direitos pressupõem o Estado. Só ele está em condições de os garantir, só ele possui o monopólio da força necessário à protecção dos indivíduos contra os ataques de terceiros aos seus direitos.

A ideia de que os indivíduos gozam de tanto mais direitos quanto mais fraco for o Estado está muito espalhada, mas é falsa. O contrário é que é o caso. A liberdade do indivíduo exige um Estado forte. Antes de ele existir, o indivíduo isolado - a menos que se tratasse dum aventureiro com escassas probabilidades de chegar a velho - ficava preso toda a vida ao lugar em que tinha nascido. Não se podia emancipar da sua comunidade, uma vez que estava dependente da sua protecção, e tinha que se conformar com o lugar que lhe tinha sido dado na hierarquia. Depois formou-se o Estado moderno, e só então, sob a sua protecção, puderam os indivíduos desenvolver a liberdade e a igualdade.

De quão pouco servem os Direitos Humanos onde o Estado não existe, podem os migrantes testemunhá-lo. Hannah Arendt relata o que aconteceu aos emigrantes judeus que confiaram nos seus direitos eternos: "Afinal, quando as pessoas falavam de direitos inalienáveis e incondicionais, queriam dizer que estes eram independentes de todos os governos e tinham que ser respeitados por todos os governos. E subitamente verificou-se que no momento em que os seres humanos deixam de ser protegidos por um governo deixam de gozar de direitos civis e consequentemente é-lhes negado o mínimo de direitos com que alegadamente nasceram; de repente deixou de haver quem lhes pudesse garantir a protecção do Direito".

Este papel do Estado foi negligenciado durante as últimas décadas. Foi pouco valorizado em todas as suas funções; foi, pelo contrário, menosprezado e reprimido como perturbador das forças livres e auto-reguladas da sociedade. Toda a teoria era consensual quanto a isto: Niklas Luhmann procurou reduzi-lo ao mínimo na sua Teoria dos Sistemas e não o quis reconhecer nem mesmo no seu papel de garante dos direitos essenciais, Jürgen Habermas combateu-o como um "sistema" contra o qual o mundo da vida teria que se afirmar. Nos pós-modernos franceses, entre eles Michel Foucault, ele é mostrado como um elefante numa loja de louças. Só eram tidas em conta as actividades vindas das bases, da chamada Sociedade Civil.

Este tempo já passou. É certo que os letrados ainda apresentam, nos seus colóquios, os escritos anti-estatais que tinham preparados, e ainda têm na boca a frase de Foucault "Não queremos ser governados!" Mas já se vão dando conta que este lema não se coaduna com a realidade. De dia para dia, são compelidos pelos noticiários a deixar-se ensinar como é prejudicial a falta de poder do Estado. À falta de ser eficazmente controlada por uma instância central, a economia mundial caiu numa crise grave, e numa grande parte do Mundo uma tal instância reguladora torna-se urgentemente necessária para que os direitos humanos sejam efectivamente assegurados. "Failed state" - ainda há pouco tempo, a situação que esta expressão descreve era tida por desejável, porque permitia que as forças sociais vindas de baixo se desenvolvessem; hoje, essa mesma expressão é entendida como assinalando o caos no qual os direitos humanos se afundam.

Cresce de novo o interesse pela consagração de decisões centrais aplicáveis às áreas mais vastas possíveis. Isto exprimiu-se no entusiasmo com que a eleição de Barack Obama desencadeou em todo o mundo. Ele despertou a esperança de que os direitos humanos possam ser ficar em todo o mundo sob a protecção da única super-potência. E estas expressões de entusiasmo não deram lugar à fobia de um governo mundial que até agora se manifestava sempre que alguém exprimia propósitos semelhantes. "Polícia do Mundo" já não é insulto. Os direitos humanos, quer residam inalienavelmente no Céu, quer nascam das profundezas da lei natural, exigem uma instituição central construída pelo homem que os faça cumprir - se necessário pela força. O Tribunal Penal Internacional aponta nesta direcção. Na internacionalização da defesa dos direitos humanos mostra-se já a tendência para o Estado Mundial.

Sibyle Tönnis

terça-feira, 7 de abril de 2009

Bloco de Esquerda ou Bloco Central?

Para muitos eleitores a escolha será óbvia, para muitos outros será difícil. O que parece, porém, é que cada vez mais a escolha é esta.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Literacia cívica

É um calhamaço enorme mas vale a pena. Ainda só li o índice e alguns capítulos dispersos, mas deu para entender que a ênfase está na racionalidade e no pensamento crítico aplicado ao discurso político, ideológico e publicitário.

O capítulo em que se faz o inventário das falácias é - como o todo o livro - exaustivo e inclui não só as falácias lógicas como as que se dirigem às emoções, como o uso de termos com conotação negativa para demonizar as posições do adversário.Outro capítulo interessante é o que trata duma check-list para avaliar da racionalidade e da cogência dum texto ou de uma argumentação.

A estrutura do livro, que se dirige a estudantes, professores e ao público em geral, consiste basicamente na apresentação de conceitos como «debate», «pensamento crítico», «ponto de vista», «enviesamento», «autoritarismo», «conformidade», retórica política», «propaganda», etc., na sua ilustração por dois textos de «direita» e de «esquerda», respectivamente, e na proposta ao leitor de alguns exercícios em relação a eles.

Este livro contém o essencial do que um professor de Português, História ou Filosofia devia ensinar, mas que os programas de ensino não contêm. Et pour cause: trata-se aqui duma educação para a cidadania a sério e não do amontoado de chavões politicamente correctos a que se dá esse nome, com o qual as autoridades «educativas» portuguesas e europeias procuram lavar os cérebros das crianças.

domingo, 29 de março de 2009

O que conta é ser importante

Um jovem português que trabalhava no Porto negociou um contrato em nome da sua empresa. No dia marcado para a assinatura, fez uma viagem de duas horas e apresentou-se na outra empresa à hora combinada. Mas nesse dia o "Senhor Engenheiro" encontrava-se mal-disposto e mandou dizer que não estava para aturar miúdos: ele que voltasse noutro dia. Passado algum tempo, este jovem emigrou, juntando-se ao número dos que refiro neste artigo. Não tomou esta decisão por causa deste episódio, mas pesou nela uma longa sucessão de episódios semelhantes.

Vários meses depois e trezentos quilómetros mais a Sul, mil portugueses compraram bilhetes para assistir a um espectáculo de ópera no CCB. O espectáculo começou com meia hora de atraso porque outro "Senhor Engenheiro" - Primeiro-Ministro de Portugal - achou perfeitamente natural que a cortina só subisse quando ele e os seus acompanhantes estivessem sentados nas respectivas cadeiras. O que ele não acharia natural, atrevo-me a suspeitar, é que o espectáculo tivesse começado à hora marcada sem a sua ilustre presença.

O que têm estes dois episódios em comum? O facto de ambos envolverem "Senhores Engenheiros" é irrelevante, como é irrelevante a hipótese de ambos darem aos portugueses vontade de emigrar.

O que é relevante é a aparente banalidade dos dois casos. A naturalidade com que estas coisas se fazem todos os dias, milhares de vezes e por todo o país. É serem o retrato cruel duma cultura em o que conta não é ser competente, mas sim ser importante. E é claro: a importância de cada um mede-se, muitas vezes à falta de outro título, pelo poder de fazer esperar os outros.

O atraso de Sócrates

Imaginemos, forçando um pouco, que José Sócrates era um bom primeiro ministro. Imaginemos que todas as suas políticas eram acertadas, ou pelo menos uma boa parte delas. Imaginemos que governava para o bem comum e não para o bem de uns poucos. Mesmo assim, todo esse bom trabalho teria sido desfeito pelo mau exemplo que deu ao chegar atrasado ao CCB. Num país como Portugal, em que a falta de pontualidade é um vício generalizado (que nos fica caríssimo em termos de riqueza e de qualidade de vida), um responsável político não pode, simplesmente não pode, dar exemplos destes. Seja qual for a desculpa.

O remédio para a falta de pontualidade é simples: nunca esperar por ninguém. Imaginemos que o director do CCB tinha decidido dar início ao espectáculo à hora marcada. José Sócrates ficaria perante uma escolha: ou retaliava, ou aproveitava para o elogiar em público, apresentando-o como exemplo do "Portugal moderno" que a sua propaganda nos vende. A hubris aconselharia a primeira alternativa, a inteligência a segunda.

Desconfio que no caso de José Sócrates prevaleceria a hubris. Mas a hubris, como é sabido, atrai a vingança dos deuses.  

quinta-feira, 26 de março de 2009

É sonso, ou é pulha?

Uma das coisas que mais me incomodam numa certa direita é a pulhice (não há outro nome) de chamar "inveja" a indignações que radicam na mais elementar decência. Vem isto a propósito do uso daquela palavra por José Sócrates quando Francisco Louçã questionou no Parlamento o enriquecimento de Armando Vara.

Não sei como é que Louçã reagiu a esta expressão, e não me compete defendê-lo. Pelo que me toca, se algum José Sócrates dissesse, ou insinuasse sequer, que eu tinha "inveja" dum fulano como Armando Vara, exigiria desculpas públicas; e se elas não me fossem dadas, pregaria dois estalos na cara do atrevido.

Entendamo-nos: Sócrates acusou Louçã de exprimir inveja, sua ou de outrem, em relação a um corrupto. Isto é um insulto pessoal grave e gratuito. E Armando Vara é corrupto: pode não o ser pela definição legal do termo, que é escandalosamente restritiva; mas é-o na substância, visto que converteu poder político em poder económico. Ou haverá alguém tão ingénuo que ache possível, numa sociedade de castas como é a portuguesa, que alguém, partindo de onde Armando Vara partiu, chegasse aonde ele chegou sem passar pela política?

Já escrevi neste blogue que não sei se José Sócrates é corrupto. Sei, sim, que é indulgente com a corrupção, que a facilita por sistema e que não se indigna com ela. E agora fiquei a saber que chama invejoso a quem se indigna.

Crime, digo eu

Se alguém quiser perceber como o "capitalismo de compinchas" que governa Portugal nos está a empobrecer a todos e ao país, leia os depoimentos publicados neste blogue. São histórias reais de jovens altamente qualificados que emigraram. As histórias são escritas pelos próprios e publicadas sem comentários, o que as torna ainda mais impressionantes. Depois de ler meia dúzia destas histórias começamos a encontrar pontos comuns que formam um padrão: e este padrão indicia um dos crimes mais hediondos que o poder político e o poder económico (se é que ainda há distinção entre os dois) já cometeram contra a nossa República.

Pela minha experiência e das pessoas que conheço, sei que mais de metade dos nossos filhos, genros e noras - jovens entre os 25 e os trinta e cinco anos, na esmagadora maioria altamente qualificados - estão a estudar ou a trabalhar noutros países; e fico a pensar se a proporção que encontro neste pequeno universo é ou não generalizável. Em todo o caso, mesmo que a nível nacional a proporção não atinja os 50% que atinge na minha experiência, uma certeza tenho: são muitos. São demais.

Sou professor do ensino secundário no topo da carreira: não é de admirar que uma grande parte das minhas relações sociais consista noutros professores de idade semelhante à minha, muitos deles já aposentados ou a pensar na apossentação, nem que muitos tenham filhos da idade aproximada do meu. Destas pessoas, só uma tem uma filha professora. Os pais fogem da escola; os filhos fogem da profissão dos pais e metade deles fogem de Portugal. É este o padrão que eu vejo.

Não seria interessante se alguma estação de televisão fizesse um documentário sobre os professores que se estão a aposentar prematuramente e, em paralelo, sobre os filhos destes professores - a sua visão do mundo, as suas qualificações, as suas profissões, as suas expectativas de vida e de carreira? Quase garanto que esta reportagem, se fosse bem feita, seria daquelas que dão prémios.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Não há alternativa?

"Não há alternativa" era uma das frases preferidas de Margaret Thatcher. Como não há alternativa às decisões de quem manda, o melhor é aceitá-las docilmente.

Curiosamente, o leninismo e o estalinismo também eram adeptos do "não há alternativa". A História obedecia a regras rígidas e inescapáveis: o futuro estava determinado "cientificamente" e os donos dele eram os membros da Nomenklatura.

Os neoliberais não fugiram a esta tradição. O mercado tinha as suas regras, estas eram conhecidas, e a partir delas era possível deduzir, com absoluta certeza, o futuro. Houve quem chegasse a escrever que estávamos perante o fim da História.

De repente, a crise. E não uma crise qualquer: uma crise diferente de todas as outras. Uma crise cuja evolução, apesar de todas as inevitabilidades históricas anteriormente invocadas, se anuncia imprevisível. E esta imprevisibilidade é, naturalmente, anátema para quem passou trinta anos a anunciar-se como dono e oráculo do futuro. Não admira que estejamos todos perplexos. Ou melhor, todos, não: quem está mais perplexo e desorientado é quem tinha, ainda há dois anos, as certezas todas.

E é assim que Cavaco Silva diz, perante trabalhadoes desesperados com o fecho duma empresa, que não tem solução para o problema deles. E como ele, os políticos, os empresários, os académicos, os jornalistas. O mundo, tal como o conheciam, desabou sobre eles: não sabem para onde hão-de ir eles próprios, muito menos para onde hão-de conduzir os outros. Não vêem o futuro e por isso pensam que ele não existe.

Mas, mesmo sem donos, há sempre futuro. Há sempre alternativa. E haverá sempre alguém para a propor.

José Mourinho para Ministro da Educação.

Pelo que ouvi José Mourinho dizer há pouco tempo na televisão, aquando do seu doutoramento honoris causa, fiquei convencido que está qualificado para o cargo: disse ele, referindo-se aos seus tempos de estudante e aos seus êxitos actuais, que os conhecimentos que naquele tempo lhe pareciam inúteis fazem hoje a diferença.

Bem sei que isto pode parecer uma banalidade aos olhos de quem me lê; mas, como se lê na frase de Orwell que serve de epígrafe a este blogue, chegámos a um ponto tal que a reafirmação do óbvio é o primeiro dever dos homens inteligentes.

Pois Mourinho cumpriu, ao dizer o que disse, o seu dever. Não só mostrou que é capaz de compreender o óbvio, como de o reafirmar. Com isto provou que está, na hierarquia natural, muitos furos acima de Maria de Lurdes Rodrigues, Válter Lemos, Jorge Pedreira e Margarida Moreira, para não falar na turbamulta de tecno-burocratas alucinados que infestam, a expensas do contribuinte, os gabinetes do Ministério dito da Educação.