Atravessada a zona onde se situam os campos de jogos e os edifícios mais antigos, e transposta uma ponte pedonal sobre um ribeiro, chega-se ao edifício principal - uma construção moderna, ampla e confortável. O rés-do-chão consiste numa zona ampla e num conjunto de gabinetes e salas de trabalho para o reitor e para os professores. À entrada estão os cabides e os suportes para os alunos deixarem os agasalhos e os sapatos. Mais ao fundo, uma mesa de bilhar, outra de ping-pong e alguns sofás.
O facto de os alunos andarem obrigatoriamente descalços ou de chinelos de pano tem várias consequências positivas: para começar não estragam o revestimento do chão, que é caro e de boa qualidade; em segundo lugar, é mais difícil andarem aos pontapés às coisas ou uns aos outros; em terceiro lugar, é-lhes mais difícil, sobretudo no Inverno, abandonar subrepticiamente as instalações da escola; e finalmente faz com que se sintam mais "em casa". Aos professores é dada mais latitude, mas a tendência é para não usarem na escola o mesmo calçado que usam na rua. E nunca vi , nem nesta escola, nem noutras, uma professora de saltos altos.
Por trás do edifício, e prolongando-se até à margem do rio, há uma zona verde pertencente à escola. Entre esta zona e os espaços verdes que pertencem à cidade não há solução de continuidade: das janelas das salas de aula é frequente ver pessoas a passear os cães ou famílias a andar de bicicleta.
Subindo do rés-do-chão para o andar onde se situam as salas de aula, passa-se pela sala de informática. Nesta escola dá-se o caso de os computadores serem todos da Apple, como noutra seriam de outra marca: assim o decidiu a escola, autonomamente. Na Suíça não há Ministério da Educação nem qualquer outra entidade central que negoceie os equipamentos com as empresas da sua preferência. Ao longo do corredor está uma representação à escala do Sistema Solar: num dos topos, um segmento de círculo, pintado a amarelo a toda a altura duma parede, representa o Sol; esferas suspensas do tecto representam os nove planetas. Na parede do corredor, uma vitrina com espécimes embalsamados de animais exóticos: escorpiões, tarântulas, aves de rapina.
Cada sala tem a sua biblioteca de referência, organizada de acordo com as necessidades do professor responsável e dos alunos que lá têm aulas. Nas estantes ao fundo estão os manuais escolares dos alunos, que não são comprados pelas famílias nem dados pela escola: são emprestados no princípio de cada ano lectivo e devolvidos no fim, havendo lugar a pagamento apenas no caso de não se encontrarem em bom estado. Na minha havia, além disto, um retro-projector, um conjunto completo de mapas que se podiam fazer descer do tecto por meio dum mecanismo eléctrico: mapas políticos e físicos da Suíça, dos continentes europeu, americano, africano e asiático, e dos oceanos Índico e Pacífico. Nas paredes, uma fotografia de satélite do cantão de Aargau e dois posters com os peixes e as aves autóctones da região.
À hora em que eu começava as minhas aulas - 15:30 0u 16:30, 13:00 às quartas - a escola já está deserta de professores, com excepção de algum que ainda por lá esteja a preparar o trabalho do dia seguinte. Mas não está deserta de alunos: todos têm acesso ao ginásio e aos campos de jogos, supervisionados apenas pelo Hauswart (porteiro ou administrador, traduzindo por grosso; mas a palavra em português não reflecte a importância desta personagem, cuja autoridade quase se iguala à do reitor). Alguns alunos mais velhos têm acesso sem supervisão a outras partes da escola, à sua responsabilidade e dos seus pais.
O currículo inclui poucas disciplinas. Como língua materna, estuda-se o alemão-padrão, que é o da Alemanha. Os alunos chamam-lhe Schrifttütsch, ou "alemão escrito", por oposição ao Schwytzertütch, ou "alemão suíço", que é a língua que eles falam em casa. No ensino da língua materna é ainda frequente o recurso a cópias, ditados e redacções, e isto até ao equivalente do nosso 9º ano.
Surpreendentemente, o francês e o italiano, que são as duas outras línguas oficiais da Suíça, raramente fazem parte do currículo por mais que um ano ou dois. O ensino do inglês inclui aqueles métodos tradicionais que em Portugal são verboten: gramática normativa, cadernos de significados, traduções, ditados e retroversões. Não há, obviamente, nada que se pareça com a disciplina de Técnicas de Informação e Comunicação de que os governantes portugueses tanto se orgulham. Não é que os suíços não reconheçam a importância de capacidades instrumentais como a que esta disciplina pretende desenvolver; é que entendem que estas capacidades se transmitem melhor no âmbito de disciplinas que são fins em si mesmas, como a língua materna e a matemática, e em resposta às necessidades específicas que surgem no trabalho com estas matérias.
Com uma carga lectiva e curricular muito mais leve do que a que se verifica em Portugal, é possível ter turmas mais pequenas sem recrutar um número excessivo de professores. Além disso, na Suíça não há Ministério da Educação nem nenhuma outra estrutura central que ocupe milhares de "professores de gabinete" , como os que em Portugal não dão aulas mas contam para a estatística. A ausência desta estrutura leva a que não haja uma teoria pedagógica oficial imposta a todas as escolas.
O efeito de normalização deve-se a um consenso generalizado entre pais, professores e comunidades locais que resulta em escolas razoavelmente semelhantes entre si, e bastante mais "conservadoras" do que aquelas a que estamos habituados. Mas o contrário também se verifica: um pequeno número de escolas suíças segue teorias pedagógicas de vanguarda, algumas delas tão extremas que, comparado com elas, o "eduquês" parece prudente e conservador.
Uma vez vieram ter comigo os pais de um aluno que tinha graves problemas de aprendizagem. Estavam a pensar pô-lo numa escola Waldorf (doutrina pedagógica baseada nas teorias antroposóficas de Rudolf Steiner). Apesar do meu extremo cepticismo em relação à antroposofia, não os desencorajei - e a verdade é que o miúdo começou a aprender melhor. Isto não me converteu à antroposofia, longe disso - mas ensinou-me que qualquer pedagogia funciona se a expectativa do aluno, dos pais e dos professores for que ela funcione. E talvez nenhuma funcione na falta desta expectativa.
Se assim for, então nenhuma pedagogia oficial pode funcionar - porque as pessoas têm expectativas diferentes. E consequentemente os Ministros da Educação são como as traduções: mesmo quando são bons, são maus.
(Em breve: "Uma Escola na Finlândia")
7 comentários:
(a) andarem descalços não me parece muito higiénico
(b) Um modelo à escala do sistema solar parece-me muito difícil. Se o medelo tiver 100 metros, Mercúrio não se vê.
(c) Jogar ping pong de chinelos?
José Simões
a) Onde o chão estiver limpo e seco andar descalço é MUITO mais higiénico que andar de sapatos. Pergunte ao seu médico.
b) Então não estava à escala. O corredor não tem cem metros.
c) Para jogar ping pong tiram-se os chinelos.
Trabalho nessa escola. De facto, descreve-a bem. Gostaria de conhecer a fonte dessa informação, será possível?
É simples: também trabalhei lá. Como se está a dar por aí? Mora mesmo em Klingnau ou em Brugg?
Estou em Brugg. Trabalho em 5 escolas: Brugg, klingnau, wettingen, Wohlen e Lenzburg.
Há qt tempo esteve cá?
Trabalhei entre 1998 e 2004 em Brugg, Klingnau, Wettingen, Wohlen e Bremgarten.
Desculpem, eu vivo em Klingnau e estou cá à pouco tempo.
Sou licenciada em Línguas e Literaturas Europeias e precisava de uma informação, já que trabalharam nessas escolas todas.
Como posso fazer para tentar dar aulas de Português nas escolas da Suíça?
Já me disseram que podia fazer de várias formas mas todas essas pessoas que me disseram não têm nenhum exemplo de como é feito, por isso nada como perguntar a quem realmente já tem experiência, ainda que não fosse a dar aulas de Português.
já agora a minha irmã frequenta essa escola. :)
Obrigada.
Cátia
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