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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Eu sou professor, e o Carlos Santos não me convence a votar PS

Há muito que o Carlos Santos e eu concordámos em discordar, se não quanto a princípios éticos e políticos que em grande parte partilhamos, certamente quanto à expressão partidária desses princípios.

Em relação a este post, são vários os reparos que tenho a fazer.

A primeira afirmação que acho problemática é a de que um professor deve ser um agente activo de mudança. Não porque a considere falsa, mas porque não se pode falar em mudança sem perguntar em que direcção se quer mudar, e isto implica que o professor, para ser agente de mudança, tem forçosamente que ser um crítico das várias mudanças propostas. Acresce que a mudança, na ética docente, é um devir, e por isso inseparável da transmissão de um património. O professor, mormente o do ensino básico ou secundário, assegura a ligação entre o passado e o futuro: esta, e não a mudança pela mudança, é a função e a razão de ser da escola. Mais do que agente de mudança, o professor deve ser agente de progresso.

Como professor, vejo este governo a dar muita importância à mudança e nenhuma ao progresso; e esta é a primeira razão porque não voto PS.

Concordo que a escola não deve ser instrumento de estagnação social ou de perpetuação de injustiças; mas a injustiça perpetua-se precisamente quando se cai no a-historicismo, isto é, quando deixa de se ver o passado como suporte do futuro. Uma sociedade que vive num eterno presente é uma socidade de faraós e fellahs.

Para os bons professores, a metáfora adequada à escola não é o círculo que tem um centro, mas a elipse, que tem dois focos. Não "centram" a escola, nem no aluno, nem em si próprios, porque sabem que a escola acontece onde houver um professor e um aluno e tudo o resto é acessório. Nem a "centram" no conhecimento, porque este ocupa toda a elipse e não um ponto dela.

O bom professor dá importância às tecnologias da informação e da comunicação, mas não faz delas fetiche. A informática é uma tecnologia, um pau a riscar o chão é outra. Para ensinar certas matérias (por exemplo, os movimentos dos planetas) um modelo móvel em três dimensões, tal como se pode criar num programa de computador, é de indubitável utilidade; mas para ensinar outras (por exemplo, o teorema de Pitágoras), tanto faz usar meios informáticos como riscar o chão com um pau. O bom professor sabe que qualquer tecnologia é apenas um meio, e não a trata como se fosse um fim em si mesma.

Ora um dos critérios da avaliação que este governo impôs aos professores é a utilização de determinadas tecnologias em detrimento de outras. Neste âmbito, como noutros, o governo impõe os meios sem determinar os fins: não faz o que lhe compete mas usurpa o que compete aos professores. Também por isto não voto PS.

A questão do inglês é interessante, até porque segue a mesma lógica de fetichização dos meios em detrimento dos fins. Que a utilidade imediata do inglês é, para a generalidade das pessoas, maior do que a de outras línguas estrangeiras, é óbvio e não se contesta; mas para o indivíduo o turco pode ser mais útil: por muito grande que seja a oferta de emprego para quem saiba inglês, pode muito bem ser que a procura seja maior; e por muito pequena que seja a oferta para quem souber alemão, francês, russo, árabe ou turco, pode acontecer que a procura seja ainda mais pequena. No agregado, a utilidade do inglês é maior; caso a caso, pode ser maior a utilidade de outras línguas. Por isso, a finalidade do ensino das línguas não deve ser a utilidade imediata, mas o contributo deste conhecimento para o desenvolvimento intelectual do aluno. O que conta não é tanto saber inglês como saber pelo menos uma língua estrangeira - e isto, não na sua vertente técnica, que é a mais pobre, mas sim na sua vertente cultural. A este propósito seria útil que os nossos responsáveis políticos pela educação visitassem as escolas finlandesas onde o ensino é todo ministrado em francês, japonês, russo, húngaro - conforme o projecto educativo que autonomamente elaboraram - e as duas línguas oficiais do país são ministradas em plano de igualdade como se fossem línguas estrangeiras. O problema com o plano de ensino do inglês não é a sua demasiada ambição, mas sim a sua ambição insuficiente. Também neste aspecto as vistas do governo se revelam curtas e a fetichização dos meios notória.

Nem a informática, nem o inglês, nem a capacidade de pesquisar a web são más opções - a não ser na medida em que se possam substituir às competências mais gerais de gerir informação, pensar a linguagem e pesquisar dados sob qualquer forma em que se apresentem. Quem sabe pesquisar numa biblioteca, sabe pesquisar na web: só lhe falta aprender a mexer nos botões. O problema dos professores no terreno não está em os alunos não saberem mexer nos botões, está em não saberem distinguir entre informação válida e não-válida, estruturada e não estruturada, entre citação e plágio. E se, quanto aos pontos anteriores, não é possível apelar para a experiência directa de um professor universitário como o Carlos Santos, o mesmo não é o caso quanto a este.

Compreendo que a disciplina e a assiduidade dos alunos sejam problemas que não dizem muito a um professor universitário - os estudantes são adultos e se faltam ou estão desatentos o problema é deles - mas para um professor do básico ou do secundário são absolutamente vitais. Dar o teste mais uma vez não é apenas um "incómodo" para o professor: é tempo que ele retira, por causa da acção irresponsável de um aluno, ao trabalho com os outros. Por isso é que também o Estatuto do Aluno presentemente em vigor me leva a não votar PS.

A acusação de facilitismo não desvaloriza o trabalho nem do professor, nem dos alunos. Ninguém é responsável pelo que lhe é imposto. As excessivas facilidades resultam, não da acção de professores ou alunos (que nem sequer foram consultados), mas duma vontade política que não pode ser escamoteada. Porque me oponho a esta política, não voto PS.

O governo é contra as reprovações ou retenções, dizendo que não são a melhor solução. Eu até concordo: não são a melhor solução, são a segunda melhor. O problema é que este governo, tâo "determinado" e "corajoso", não se atreve a propor a melhor, que são as turmas e as escolas de nível. O governo quer sol na eira e chuva no nabal; porque sei, por "longa experiência e honesto estudo", que isto é impossível, não voto PS.

Mas fique o meu amigo Carlos Santos descansado, que também não voto PSD.

6 comentários:

Luís Ferreira disse...

Também não voto PS e concordo, no essencial, com o pensamento aqui expresso. Aliás, concordo com a larga maioria dos teus textos.

Discordo com a metáfora da elipse, na qual não me revejo. Se quiseres representar a Escola por um "objecto" matemático, devias pensar numa equação diferencial. :-)

Luís Ferreira

A disse...

Subscrevo integralmente. Tmabém não vou votar PS nem PSD.

Anónimo disse...

Não posso subscrever a totalidade do texto, porque discordo das turmas e escolas de nível.
http://fjsantos.wordpress.com/2009/09/04/sendo-professor-so-posso-apelar-ao-voto-a-esquerda-do-ps/

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Caro fjsantos:

As turmas e as escolas de nível não são uma vaca sagrada e é perfeitamente legítimo discordar delas.

A questão que se põe é que é isso, ou são as retenções. Se há na prática uma terceira escolha, não conheço.

Rui Ferreira disse...

Muita lucidez e muito conhecimento.
Parabéns.

A disse...

Há um prémio para este blogue, no «bichocarpinteiro». Parabéns!