...............................................................................................................................................

The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
....................................................................................................................................................

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Profissionalismo crítico

Escrevendo sobre a diferença entre freshwater macroeconomists e saltwater macroeconomists, Paul Krugman salienta o facto de Keynes não ser sequer abordado em algumas universidades americanas. Lembrei-me, ao ler isto, duma queixa corrente entre economistas portugueses de que Keynes quase não consta dos planos de estudo da Universidade Católica.

Não se trata aqui, note-se, de abordar criticamente um economista importante: as universidades existem para isso mesmo. Trata-se de o suprimir, de o eliminar da fotografia, de o reduzir a uma nonperson. Assim como há quarenta anos, nos liceus femininos portugueses, se colavam as folhas do Canto Nono d'Os Lusíadas para que as alunas não o lessem, assim se colam as páginas de Keynes para que não seja maculada a pureza ideológica dos estudantes actuais.

Algo de semelhante se passa noutros ramos de conhecimento. José Sócrates citava há pouco tempo, num debate, a frase de Abel Salazar segundo a qual um médico que só sabe medicina nem medicina sabe. Que José Sócrates não se desse conta que, ao citar esta frase, se estava a condenar a si próprio e ao mundo que ajudou a criar, é problema dele. Mas resta a verdade profunda da frase: um praticante das profissões letradas tem que ser capaz de pensar de fora a sua profissão, os seus fundamentos científicos e epistemológicos e o seu impacto na coisa pública; isto só se consegue a partir das Humanidades, só se realiza na autonomia e implica que o direito do Estado, mesmo democrático, de definir o bem comum não é ilimitado nem exclusivo.

Um economista que só sabe economia, e para mais truncada; um médico que só sabe medicina; um jurista que sabe tudo sobre a letra da lei e nada da sua filosofia; um sociólogo que não consegue explicar o mundo e os homens por outra grelha interpretativa que não seja a sua especialidade; um professor que só sabe a matéria que ensina e a pedagogia que lhe inculcam - são profissionais acríticos e portanto, inevitavelmente, incompetentes; e estão além disso limitados no exercício da sua cidadania.


O processo de Bolonha conduziu a uma subversão e descaracterização da Universidade. Não vou aqui especular sobre quem beneficia desta circunstância, nem acredito que ela resulte duma conspiração centralizada. Direi antes que os governantes que tratam os professores como profissionais acríticos, que os desejam acríticos, sem uma palavra a dizer sobre a ética e a política da sua profissão, são eles próprios produto deste estreitamento intelectual a que dão o nome de modernidade e eficácia.

É isto que explica um Tony Blair, um José Sócrates, uma Maria de Lurdes Rodrigues. É esta barbárie tecnocrática que urge combater em nome dessa coisa incómoda que é a civilização.

1 comentário:

Eduardo Miguel Pereira disse...

O avanço tecnológico gerou facilitismo nas sociedades, e uma socidade de facilitismo é na sua essência, e perdoem-me a crueza do termo, uma sociedade estúpida.
Criou-se e expandiu-se ao máximo o conceito da escpecialização. E o que é o especialista senão um tipo que saber apenas uma parcela do que é suposto saber-se na sua profissão ?
Temos, cada vez mais, uma sociedade com perguiça mental, e se calhar não é descabido pensarmos que uma sociedade assim serve na perfeição os propósitos dos Blairs, dos Sócrates e da Marias de Lurdes deste Mundo.