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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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quinta-feira, 7 de junho de 2007

Pedagogia delirante, burocracia gigantesca, incivismo endémico

O sistema de ensino enferma de tantos e tão variados vícios que a maior dificuldade de quem os quiser resolver será saber por onde começar. Sabemos por onde começou Maria de Lurdes Rodrigues: pelo ataque ao alegado absentismo e à alegada incompetência dos professores - problemas que demasiadas vezes são reais, mas acessórios e artificialmente empolados pela propaganda dum regime politico-económico interessado em demonizar as «corporações» - ou seja, todas as organizações da sociedade civil que possam pôr objecções deontológicas às decisões políticas, administrativas ou «técnicas» do poder. Daí o ataque sistemático, não só aos professores, mas também aos médicos e, mais recentemente, aos juízes.

O essencial está noutro lado. A Ministra da Educação começou pela ponta errada. O erro não foi inocente, longe disso; e Maria de Lurdes Rodrigues sabe muito bem que começando pelo acessório nunca vai chegar aonde alegadamente deseja.

Mas o que Maria de Lurdes Rodrigues alegadamente deseja está nos antípodas do que deseja realmente. A agenda pública é contrária à agenda oculta. Maria de Lurdes Rodrigues não quer um sistema de ensino eficaz ao serviço da República, mas sim um sistema «educativo» politicamente correcto ao serviço da oligarquia.

Se estivesse interessada em corrigir os vícios essenciais do sistema de ensino, começaria por assumir que se trata de um sistema de ensino, em vez de fugir desta palavra como o Diabo da cruz. Verificaria à partida que os vícios do sistema, sendo múltiplos e aparentemente intratáveis, radicam em apenas três; e que estes, longe de serem intratáveis, só não têm solução porque não há vontade política de os resolver.

Estes vícios, dos quais decorrem todos os outros, são os do título deste artigo: a pedagogia delirante que perverte as políticas, os currículos, os programas, as práticas e os manuais escolares; o gigantismo burocrático do Ministério da Educação; e o incivismo endémico nas nossas escolas. Cada um destes vícios alimenta e amplia os outros dois, pelo que qualquer tentativa de melhorar significativamente o conjunto implicaria um ataque simultâneo e concertado nas três frentes.

1. Pedagogia delirante

Sobre este tema muito tem sido escrito, em Portugal como noutros países. Por cá usa-se a palavra «eduquês», cunhada por Marçal Grilo, para designar a linguagem em que o delírio pedagógico se exprime. Esta linguagem está descrita no livro de Nuno Crato «O Eduquês em Discurso Directo» e é objecto de análise aqui, aqui 0u aqui, para dar apenas três exemplos. É uma linguagem terrorista, propositadamente vaga, abstrusa, opaca, que oculta os seus significados (quando os tem) porque os alunos, os professores e os pais nunca os aceitariam se os vissem claramente.

Que significados são estes? Que a escola não está ao serviço da república, mas sim do mercado; que não forma pessoas, mas sim «recursos humanos»; que não serve para formar elites culturais, científicas ou artísticas, mas sim para nivelar por baixo (mantendo assim, e ampliando, a estratificação social e económica e o domínio da oligarquia); que todos os «saberes» são igualmente válidos (o do astrólogo tanto como o do astrónomo); que a aprendizagem não exige esforço; que ensinar não é tarefa dos professores; que todo o saber tem que estar ligado à «realidade», sendo que esta se define pelo acidental concreto; que a memorização, a repetição e o treino são actividades dispensáveis, quando não nocivas; que a «capacidade crítica» se desenvolve pela imersão constante nos chavões do politicamente correcto, e não pelo treino sistemático dum cepticismo racional; que não há passado nem futuro, nem História, e só o presente é real e eterno.
Por isso se elimina, do ensino da Matemática, a exercitação e o treino; por isso se vai eliminando o ensino da História (começando pela eliminação da cronologia, ou seja, dum dos principais quadros de referência que nos situam no tempo e nos permitem integrar os conhecimentos); por isso se elimina a Filosofia; por isso se afirma textualmente, nos programas de Português e de línguas vivas, que o texto literário é um texto como qualquer outro e não merece ser privilegiado; por isso se dá o mesmo relevo a Camões, nos manuais e nos exames, que ao regulamento do Big Brother; por isso pode aparecer um horóscopo, num manual de Inglês, ao lado de um gráfico sobre o aquecimento global.

2. Gigantismo burocrático

Do que todos nos esquecemos é que a política acima exposta é duma violência extrema. Para a impor aos alunos e aos pais - que procuram na escola um mecanismo de ascensão social; para a impor aos professores - que se revêm numa deontologia que não renuncia ao principal tabu desta política - ou seja, o ensinar; para a impor às elites culturais e científicas, cujo consenso lhe é diametralmente oposto; para a impor à sociedade civil, que não a compreende e não a aceitaria se a compreendesse - é necessária uma polícia política. Esta polícia é o aparelho descomunal do Ministério da Educação e as suas metástases espalhadas pelo País.

Não sei - provavelmente ninguém sabe - quantas pessoas trabalham na DREN, na DREC, na DREL, na DGRHE, no GAVE, na 5 de Outubro, na 24 de Julho ... São milhares de assessores, técnicos, peritos, juristas, todos ocupados em legislar, em gerir, em esclarecer, em dirigir - em não deixar que as escolas eduquem ensinando, ou que se desviem um milímetro de práticas e teorias que vão contra todas as convicções, todos os instintos, todas as aspirações de pais, professores e alunos.

O que é que esta estrutura produz? Produz programas, currículos e reformas. E como é necessário, para que a estrutura possa continuar a existir, que a produção continue sem interrupção, os programas e os currículos estão sempre a mudar e as reformas sempre a renovar-se. Mas mudam e renovam-se, sempre, para que tudo fique na mesma. Não admira, neste universo surreal, que seja necessário um organismo especificamente dedicado à inovação educativa. Mas é sempre uma inovação em falso, uma falsa inovação, porque o progresso faz-se na História e o mundo desta gente é o eterno presente dos faraós e dos fellahs.

Tudo isto, ainda por cima, custa dinheiro. Cada euro pago aos burocratas da «educação» é um euro que não é utilizado para aquecer as salas de aula ou para pagar manuais escolares aos alunos que não os podem comprar. Mas isto não preocupa os burocratas, para quem o sistema de ensino ideal seria um sistema com Ministério e sem Escolas.

3. Incivismo

Nenhuma escola cumpre eficazmente a sua função de ensinar (insisto no ensinar) se os alunos faltam sistematicamente, chegam atrasados, agridem colegas e professores, comparecem sem material de trabalho, destroem ou degradam as instalações, desprezam o conhecimento e a cultura; se aos professores é retirado o direito à deontologia; se os pais e encarregados de educação se alheiam e se desresponsabilizam; se os funcionários se refugiam e afadigam no formalismo burocrático em detrimento de qualquer trabalho útil.

O incivismo é muitas coisas. É uma forma de resistência passiva, porque nem os pais, nem os professores, nem os alunos, nem a sociedade querem a escola que o poder lhes impõe; é uma forma de protesto; é o resultado da impunidade geral; é a expressão de quem não sabe exprimir-se doutro modo.

Para trazer civilidade às escolas é preciso dar aos alunos os instrumentos conceptuais que permitem o debate e a crítica, de modo a que tenham uma alternativa à violência. É preciso que a Escola não seja ela própria violenta - e isto não quer dizer uma escola que não exige e não pune, mas sim uma escola que não violenta os espíritos, uma escola em que os programas, as práticas pedagógicas e os normativos disciplinares respeitam minimamente os consensos sociais. É preciso que os alunos e os professores se sintam respeitados enquanto pessoas, e não apenas como «recursos humanos» actuais ou futuros.

E também é preciso que funcione nela uma autoridade legítima e que não tenha nada a esconder, de modo a que todos os actos e omissões, dos mais graves aos mais inócuos e aos mais meritórios, tenham consequências previamente conhecidas. Os professores deviam ser responsabilizados pela eficácia do seu ensino - e não pelas coreografias que executam ao som dos delírios pedagógicos do Ministério. Os alunos deviam ser responsabilizados pelo que aprendem e por aquilo que deixam os outros aprender - e não pela sua progressiva aproximação a um qualquer ideal tecno-burocrático. Os pais e encarregados de educação deviam ser responsabilizados - inclusivamente através de coimas ou perda de benefícios sociais - pela assiduidade, pontualidade, civismo e interesse em aprender dos seus educandos.

E o Ministério da Educação devia ser dissolvido, porque a sua própria existência faz parte do problema.


1 comentário:

Anónimo disse...

Lindo!
É assim mesmo: ensino!
Quem não perceber a diferença, não percebe nada.