Permitam-me a auto-citação: a corrupção é um imposto, e os portugueses só a toleram (por vezes até a admiram) porque não se dão conta que o pagam.
O tema está em discussão há tempo suficiente para se ter estabelecido na sociedade, nos meios de comunicação e na classe política um esboço de consenso sobre os três pilares em que tem que assentar um combate efectivo à corrupção: fim do segredo bancário, criminalização do enriquecimento ilícito e impedimento de os ex-titulares de poder político exercerem cargos em empresas afectadas pelas suas decisões anteriores.
Todos sabemos a luta que tem representado a eliminação do segredo bancário, e o pouco que se avançou nesta matéria.
Conhecemos também a resistência determinada e desesperada do PS à criminalização do enriquecimento ilícito, resistência esta para que não encontra melhor argumento do que uma alegada inconstitucionalidade resultante duma alegada inversão do ónus da prova. Desculpa esfarrapada, esta, sobejamente desmontada por vários juristas, e de entre eles, de forma particularmente clara, por Magalhães e Silva no «i» do passado dia 12 de Novembro. Passo a citar:
Ora o crime de enriquecimento ilícito pode ser formulado nos seguintes termos: é punido com a pena de x anos de prisão o agente público que adquirir bens em manifesta desconformidade com os rendimentos fiscalmente declarados e sem que se conheça outro meio de aquisição lícito. E caberá ao Ministério Público fazer prova de tudo: (i) dos bens adquiridos e seu valor, (ii) dos rendimentos fiscalmente declarados, (iii) da manifesta desconformidade entre uns e outros, (iv) de não ser conhecido outro meio de aquisição lícito. O acusado terá o ónus de provar que, afinal, existe uma causa lícita de aquisição que não era conhecida - herança, bolsa, totoloto, euromilhões.
Ora o ónus de prova, em matéria criminal, sempre se distribuiu assim: a acusação prova o ilícito e a culpa, o acusado os factos que possam excluir uma coisa ou outra - provado o homicídio, é o arguido quem tem de provar a legítima defesa; provado o furto, é o acusado quem tem de provar o estado de necessidade.
Onde, então, a inversão do ónus de prova?!
(Só tenho uma objecção à formulação proposta: porquê restringir a lei a "qualquer agente público"? Porque não "qualquer cidadão"? Não há por aí muitos agentes privados com fortunas inexplicadas?)
Mas adiante: pergunta a seguir o cronista de que tem medo, afinal, o PS, sabendo que a lei nunca seria retroactiva. Respondo eu: se o PS não tem razão para temer o passado, só pode temer o futuro; e isto diz-nos tudo sobre a forma como tenciona governar-nos enquanto for poder.
Mas não podemos esperar melhor do PSD. Vejamos o que tem o seu líder parlamentar a dizer à Focus sobre aquilo a que chamo acima o terceiro pilar do combate à corrupção. Pergunta-lhe o entrevistador se o PSD não faz associação entre a tutela governativa e a colocação de dirigentes partidários nas empresas [que estão a ser investigadas no processo Face Oculta]. Aguiar Branco responde no seu melhor politiquês:
A questão que deve ser debatida é a da responsabilidade política de quem nomeia para funções tuteladas e que deve ter depois a atitude consequente, quando se verifica que os nomeados têm actuações contrárias à transparência e às funções que exercem.
Traduzindo para português vernáculo: as nomeações são para continuar e quando alguma manigância se tornar especialmente escandalosa arranja-se um bode expiatório. Suponho que o PS e o CDS não poderiam estar mais de acordo com isto.
A legislatura ainda mal começou e já temos um elemento de avaliação pare ela: o Bloco Central tudo fará para combater a corrupção desde que não a combata.
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3 comentários:
"E caberá ao Ministério Público..."
Quando o acusado receber dinheiro, do ministério público para se defender, igual ao que o ministério público gastou para o acusar, estarei completamente de acordo.
José Simões
José Simões, eu até concordaria consigo verificadas duas condições: que o subsídio que você propõe fosse devolvido ao Estado em caso de condenação; e que a medida contemplasse todos os crimes e não só a corrupção. Porque é que os corruptos deveriam ter privilégios em relação aos outros criminosos?
Vou mais longe: o condenado devia devolver não só o subsídio recebido, mas o dinheiro dos contribuintes que o ministério público gastou para o condenar: afinal, se ele não tivesse cometido o crime, esse dinheiro não teria sido gasto.
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