I
Princípios gerais
2. O conhecimento (saber e saber fazer) e a sua transmissão entre gerações constituem a prioridade da escola e a sua razão de ser. No âmbito do conhecimento, o conhecimento contextualizante e estruturante tem prioridade sobre o conhecimento de utilidade imediata, que é efémero e se torna rapidamente inútil.
3. A função de educar compete em primeiro lugar à família e subsidiariamente à sociedade em geral, não devendo ser assumida pela escola a não ser na medida em que esta educa ensinando. Ao arrogar-se o direito de intervir sobre todos os aspectos da pessoa do aluno e sobre todas as esferas da sua vida, a escola substitui-se às famílias e ao tecido social e usurpa uma autoridade que não lhe cabe legitimamente, tornando-se assim uma instância totalitária.
4. O professor tem por função ensinar. Quaisquer outras funções que assuma ou lhe sejam atribuídas serão subsidiárias desta e orientadas para ela.
5. A avaliação dos professores deve incidir na proficiência com que exercem as funções que lhes são próprias. A proficiência em funções ou tarefas subsidiárias é presumida a partir do resultado da avaliação naquelas, e, se tiver que ser sujeita a procedimentos avaliativos específicos, sê-lo-á a título supletivo e residual.
6. O professor é um trabalhador assalariado, obrigado a uma prestação definida e limitada em troca de um salário também ele definido e limitado.
7. O professor é também um profissional, obrigado a uma deontologia historicamente definida e legitimada. A deontologia docente tem como valores centrais o conhecimento, a racionalidade, o pensamento crítico e a conformidade do ensinado com o real. Enquanto avaliador de alunos, é direito e dever do professor fazer prevalecer critérios de racionalidade e de validade científica sobre quaisquer outros critérios de avaliação que lhe sejam determinados por via hierárquica.
8. A condição profissional do professor prevalece, para efeitos disciplinares e de avaliação, sobre a sua condição de assalariado.
9. A progressão na carreira depende por um lado da avaliação do professor e por outro da sua experiência profissional, estando as duas vertentes integradas entre si segundo uma fórmula simples, clara, racional e unívoca. É além disso subsidiária da avaliação prévia da escola.
10. Só um cidadão pode formar cidadãos. O direito-dever de o professor ser avaliado articula-se com o seu direito-dever de avaliar a escola e as políticas educativas que lhe cabe executar, sem prejuízo da legitimidade dos órgãos de soberania para terem a última palavra em relação a estas.
11. A avaliação é um instrumento de determinação do mérito no âmbito duma relação legal ou contratual definida pela sua natureza e pelos seus limites, e não tem que considerar comportamentos exteriores ou suplementares a este âmbito. Este princípio decorre do facto de o trabalhador ser uma pessoa soberana em relação a si própria, não podendo o seu tempo de vida ser tratado como propriedade do empregador. Consequentemente, a avaliação, tal como a definição de objectivos, não pode ser instrumento de um qualquer neo-taylorismo, nem utilizada para defraudar, subverter ou contornar direitos definidos por lei ou por contrato.
8 comentários:
Fantástico!!!
Isto mereceria uma divulgação universal!
Parabéns!!!!
Também acho. Por isso já fiz um link para este texto no blogue da APEDE.
Gostaria que o autor desta proposta referisse quais foram as fontes inspiradoras da sua proposta.
Carlos
Caro Anónimo, não me vai ser fácil responder à sua pergunta. A minha primeira reacção, quando a li, foi pensar que não tinha fontes de inspiração nenhumas. E com efeito não as tem directas; mas indirectas tem muitas, das quais tenho maior ou menor consciência.
A fonte que me vem imediatamente ao espírito é um artigo, intitulado Hating what you do, da revista The Economist de 10 de Outubro de 2009. O artigo parte da vaga de suicídios na France Telecom para caracterizar o taylorismo que transitou da era industrial para a era pós-industrial. Algumas das características deste neotaylorismo são facilmente reconhecíveis por qualquer professor português ou europeu que tenha reflectido um pouco sobre a sua profissão e sobre as implicações sociais e políticas do seu exercício.
O que o artigo fez, foi fornecer-me um conceito unificador para certas ideias que eu vinha elaborando, consciente ou inconscientemente, desde há muito.
Não é claro para mim como tudo isto se articula com uma proposta de avaliação concreta como a que apresento neste texto. Mas talvez o texto que tenho em mente escrever a seguir ajude a clarificar as coisas para mim próprio e para os meus leitores.
Obrigado pelo seu interesse no que escrevi.Lamento não poder dar-lhe referências bibliográficas mais explícitas, mas realmente a minha proposta resulta da minha experiência pessoal (e da elaboração inconsciente de muitas fontes) e não da consulta imediata de algumas.
Caro José Luiz Sarmento,
Agradeço a sua pronta e franca resposta. Ficarei a aguardar com o maior interesse o texto que tem em mente escrever a seguir. Por mim, apesar de algumas discordâncias, vejo na sua proposta uma base de trabalho honesta de quem, efectivamente, conhece o "terreno acidentadíssimo" que é o da Educação.
Um abraço do colega (que em breve o contactará por mail)
Carlos (é mesmo o meu nome, que já havia assinado acima)
Parabéns, José Sarmento, pelo pelo contributo, nesta causa de todos nós, numa perspectiva construtiva, empenhada e consciente.
Esta tua proposta tem vários pontos que me despertaram a atenção e que apoio, desde já. Tem outros que eu questiono, mas o unanimismo nunca é bem vindo (nem esperado) quando se pretende construir um projecto que abranja muitos.
Gostei, sobremaneira, das premissas. Chapeau !
Caro Carlos:
Peço desculpa por não ter reparado na assinatura no seu comentário anterior. É claro que espero discordâncias. O texto tem vários propósitos, dos quais dou conta na mensagem seguinte, mas entre eles não se encontra a sua adopção pelo Governo como política pública.
Se eu tivesse estatuto para influenciar políticas públicas, o grosso do meu trabalho começaria agora: fazer com que todas as premissas se reflectissem no articulado, anotar as discordâncias e integrá-las, se possível, numa segunda versão do texto; perguntar a quem me diz que a proposta é inexequível as causas dessa inexequibilidade, e eliminá-las; pedir a quem me diz que a proposta é burocrática que me ajude a simplificá-la; e assim por diante.
Cara Fátima Inácio Gomes, também acho que o melhor do texto são as premissas. É à luz delas, e não do articulado em si, que tenciono construir as minhas críticas a outras propostas que vão aparecendo - especialmente as dos partidos políticos em sede parlamentar.
Caro José Luiz Sarmento,
O Manual Escolar 2.0 tomou a liberdade de publicar um link para este post. Pode conferir aqui: http://www.manualescolar2.0.sebenta.pt/projectos/sebenta/posts/114. Aproveitamos a oportunidade para convidá-lo a visitar o nosso site e a participar nas diversas discussões que lá permanentemente decorrem.
Atentamente,
Filipe Medeiros
Manual Escolar 2.0
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