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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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sábado, 31 de outubro de 2009

Uma fracção duma fracção

O modelo de avaliação de professores que proponho na mensagem anterior não é perfeito e não vai ser posto em prática. Eu próprio, ao relê-lo, encontro nele ingenuidades e incoerências. Não tenciono corrigi-las - quod scripsi scripsi - porque não afectam o documento nos seus propósitos essenciais, que são criar, por um lado, uma base de discussão do modelo actual e das alternativas possíveis e, por outro, um ponto de partida para outro debate que transcenda a questão do modelo de avaliação e do ECD.

Pela mesma razão não tenciono responder às críticas que me foram feitas, apesar da consideração que me merecem os seus autores e do mérito que reconheço a muitas delas.

Suponhamos, então, que o meu modelo era perfeito e que era aplicado. Ou que se descobria e aplicava um outro que fosse perfeito. Resultaria daqui uma melhoria evidente e imediata na qualidade dos professores?

Nem por sombras. Um bom modelo de avaliação é condição necessária para que tenhamos melhores professores, mas está longe, muito longe, de ser condição suficiente. Uma melhoria significativa da qualidade dos professores implicaria, logo na fase de recrutamento, que se fosse buscar às universidades os melhores graduados - competindo as escolas, para tal, com outras carreiras e com outras opções de vida, incluindo a emigração que nos está a privar, dia a dia, dos nossos jovens mais qualificados. A carreira docente precisaria, para atrair estes jovens, de ser muito mais atraente do que é hoje - quer em termos de remuneração, quer de estabilidade, quer de probabilidades de progressão, quer em prerrogativas - e destaco, de entre estas, a que mais afronta a tradicional inveja e o tradicional anti-intelectualismo dos portugueses: tempo livre para reflectir, estudar e adquirir o ascendente cultural que, mais do que qualquer outra coisa, confere autoridade aos professores. É esta, de resto, a moeda utilizada em todo o mundo, à falta de dinheiro, para pagar aos professores.

Se a carreira docente não for suficientemente aliciante para atrair os jovens mais qualificados, então qualquer modelo de avaliação, mesmo que perfeito, acabará por escolher apenas os melhores de entre os piores.

Mas a melhoria da qualidade dos professores não depende só da conjugação de um bom sistema de avaliação com um bom sistema de recrutamento. Há outros factores, tais como a qualidade da formação (quer inicial, quer contínua), a satisfação no trabalho (que implica a noção, tantas vezes ausente do trabalho dos professores, de que o que se está a fazer é útil e produtivo), o empowerment, o reconhecimento social, etc. Uma melhoria significativa da qualidade dos professores não é fácil de conseguir e não será já para amanhã.

Admitamos, porém, como hipótese, que conseguimos dotar o sistema de ensino de professores significativamente melhores que os actuais. Resultará isto numa melhoria correspondente nas aprendizagens?

Para responder a esta pergunta basta fazer o thought experiment proposto, salvo erro, pelo Ramiro Marques (se ele me estiver a ler, peço-lhe que me forneça o link para incluir aqui): trocar os alunos da melhor escola do ranking pelos da pior e ver os resultados ao fim de um ano lectivo. Concluiremos imediatamente que para a boa aprendizagem concorrem decisivamente a atitude que os alunos trazem para a escola, a acção ou inacção dos pais, as condicionantes socio-culturais, etc. Uma política que vise melhores aprendizagens terá que actuar sobre todos estes factores e não apenas sobre a qualidade dos docentes.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Por uma avaliação dos professores sem derivas neotayloristas

I

Princípios gerais

1. A Escola Republicana é uma instituição da Sociedade Civil e tem por função transmitir entre gerações o património científico, cultural, artístico e técnico adquirido pela sociedade e pela humanidade em geral. Deste modo, a conservação e a inovação são os dois pólos do seu ethos, que se realizará, quer na conservação e continuação do património adquirido, quer na sua contestação crítica.

2. O conhecimento (saber e saber fazer) e a sua transmissão entre gerações constituem a prioridade da escola e a sua razão de ser. No âmbito do conhecimento, o conhecimento contextualizante e estruturante tem prioridade sobre o conhecimento de utilidade imediata, que é efémero e se torna rapidamente inútil.

3. A função de educar compete em primeiro lugar à família e subsidiariamente à sociedade em geral, não devendo ser assumida pela escola a não ser na medida em que esta educa ensinando. Ao arrogar-se o direito de intervir sobre todos os aspectos da pessoa do aluno e sobre todas as esferas da sua vida, a escola substitui-se às famílias e ao tecido social e usurpa uma autoridade que não lhe cabe legitimamente, tornando-se assim uma instância totalitária.

4. O professor tem por função ensinar. Quaisquer outras funções que assuma ou lhe sejam atribuídas serão subsidiárias desta e orientadas para ela.

5. A avaliação dos professores deve incidir na proficiência com que exercem as funções que lhes são próprias. A proficiência em funções ou tarefas subsidiárias é presumida a partir do resultado da avaliação naquelas, e, se tiver que ser sujeita a procedimentos avaliativos específicos, sê-lo-á a título supletivo e residual.

6. O professor é um trabalhador assalariado, obrigado a uma prestação definida e limitada em troca de um salário também ele definido e limitado.

7. O professor é também um profissional, obrigado a uma deontologia historicamente definida e legitimada. A deontologia docente tem como valores centrais o conhecimento, a racionalidade, o pensamento crítico e a conformidade do ensinado com o real. Enquanto avaliador de alunos, é direito e dever do professor fazer prevalecer critérios de racionalidade e de validade científica sobre quaisquer outros critérios de avaliação que lhe sejam determinados por via hierárquica.

8. A condição profissional do professor prevalece, para efeitos disciplinares e de avaliação, sobre a sua condição de assalariado.

9. A progressão na carreira depende por um lado da avaliação do professor e por outro da sua experiência profissional, estando as duas vertentes integradas entre si segundo uma fórmula simples, clara, racional e unívoca. É além disso subsidiária da avaliação prévia da escola.

10. Só um cidadão pode formar cidadãos. O direito-dever de o professor ser avaliado articula-se com o seu direito-dever de avaliar a escola e as políticas educativas que lhe cabe executar, sem prejuízo da legitimidade dos órgãos de soberania para terem a última palavra em relação a estas.

11. A avaliação é um instrumento de determinação do mérito no âmbito duma relação legal ou contratual definida pela sua natureza e pelos seus limites, e não tem que considerar comportamentos exteriores ou suplementares a este âmbito. Este princípio decorre do facto de o trabalhador ser uma pessoa soberana em relação a si própria, não podendo o seu tempo de vida ser tratado como propriedade do empregador. Consequentemente, a avaliação, tal como a definição de objectivos, não pode ser instrumento de um qualquer neo-taylorismo, nem utilizada para defraudar, subverter ou contornar direitos definidos por lei ou por contrato.

domingo, 18 de outubro de 2009

They still don't get it

Na comemoração dos cem anos do Liceu Camões, o Presidente da República falou em educação e formação.

Não falou em ensino.

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sábado, 17 de outubro de 2009

Avaliar o Ministro

Não sabemos ainda quem vai ser o próximo ministro da educação, mas sabemos já uma coisa em relação a ele: quando tomar posse, a primeira coisa que os professores vão fazer é sujeitá-lo a uma avaliação diagnóstica.

Não será uma avaliação emaranhada, irracional, vingativa, opaca, ideologicamente motivada ou determinada por qualquer agenda oculta. Os professores sabem melhor que ninguém que uma tal avaliação seria contraproducente e lesiva, não só dos seus próprios interesses, como dos da Escola e da República.

Será uma avaliação com poucos parâmetros, e transparentes. Sabe o senhor ministro o que é uma escola e para que serve? Vê a escola como uma instituição da República, ou, de um modo redutor, como uma empresa ou repartição pública? Tem o senhor ministro como prioridade o ensino? Tem o senhor ministro alguma noção da carga de trabalho dos professores? Caso tenha, está disposto a não mentir sobre ela ao País? Tem algum plano exequível para a reduzir significativamente com base numa hierarquia de prioridades que seja racional e reflicta verdadeiramente (em vez de o invocar em vão) o interesse público?

Terá finalmente a humildade de entender que ele, o seu ministério e a burocracia que o sustenta são elementos acessórios do sistema, mas os professores e os alunos são elementos essenciais? Eu sei que esta humildade é difícil para um político, mas neste caso tem que ser: ou o próximo ministro da educação faz dela a base do seu trabalho, ou fracassará como todos os outros antes dele.

Os professores vão estar atentos. Vão avaliar cuidadosamente o ministro. E esta avaliação terá consequências. Se o senhor ministro passar, os professores trabalharão com ele para conseguir um ensino melhor. Se chumbar, trabalharão contra ele para que o ensino não piore ainda mais.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A desigualdade é o paraíso?

(Actualizado e corrigido a 13.10.09 às 19:38)

Dos tempos em que entrava em polémicas com os blogues neoliberais, recordo especialmente uma circunstância que, com a repetição, acabou por adquirir o se quê de cómico.
Disposto a admitir, pelo menos como hipótese, que a desigualdade pode ser benéfica porque, aumentando a motivação, aumenta a produção de riqueza, punha-se-me a questão de saber que grau de desigualdade se pode considerar óptimo tendo em conta este benefício.

Fiz esta pergunta centenas de vezes aos nossos neoliberais blogosféricos; e nunca, mas mesmo nunca, obtive uma resposta. Se tivesse perguntado uma vez sem obter resposta, poderia levar este silêncio à conta de o meu interlocutor preferir abordar outros aspectos, que considerasse mais relevantes, do meu comentário; ou se tivesse perguntado algumas vezes obtendo uma ou duas respostas, poderia concluir que os meus interlocutores, considerando embora a questão incómoda, faziam ao menos um esforço para não se furtarem a ela. Ou poderia pensar que, não tendo uma resposta quantificada para me dar, não lhes ocorresse dar-me uma resposta qualitativa, sujeita a um critério plausível.

Mas o carácter sistemático deste silêncio, a absoluta ausência de excepções, permite-me tirar conclusões sobre o que poderia ser a resposta sem fazer processos de intenção e sem recear atribuir a outrem, arbitrariamente, ideias que não são as suas. Estou hoje convicto que há na blogosfera quem acredite que a desigualdade económica é um bem em si mesma, que não há qualquer limite a partir do qual ela se torne contraproducente, e cujo lema não expresso é "quanto mais desigualdade, melhor."

Abandonando, por improdutiva, a tentativa de obter dos neoliberais blogosféricos uma opinião sobre os eventuais limites éticos e práticos da desigualdade económica, comecei a procurar respostas noutras fontes. O princípio de que parti era ético e político e valeu-me várias vezes a acusação de moralista: a desigualdade económica começa a ser inaceitável a partir do ponto em que gera desigualdade política. Posso não ter inveja da fortuna de um Américo Amorim; nem lhe disputo o direito de ter mais poder nas empresas em que tem mais acções do que eu. Disputo-lhe, sim, o excesso de poder numa República em que a sua participação é exactamente igual à minha. Portanto, das duas, uma: ou se consegue eliminar a convertibilidade recíproca entre a riqueza e o poder político - e nenhuma sociedade conseguiu, até hoje, mais que mitigá-la - ou se limita por lei, em nome da igualdade política, o grau de desigualdade económica que uma sociedade democrática pode tolerar sem entrar em colapso.

Tinha, portanto, um argumento ético-político contra os supostos méritos da desigualdade; mas, não sendo economista (e muito menos macroeconomista) não tinha qualquer argumento científico ou técnico. Não estava em condições de contradizer a asserção neoliberal de que a desigualdade resulta necessariamente em mais riqueza e acaba por beneficiar todos, mesmo os que ficam no fundo da escala por um processo de trickle down. Isto cheirava-me a falso, mas uma mera intuição não é argumento contra raciocínios aparentemente escorreitos e aparentemente baseados na realidade das coisas.

Depois descobri na net blogues de economistas que divergem daquilo que eu julgava ser o consenso neoliberal. O primeiro, por ordem cronológica, foi o Ladrões de Bicicletas, que ainda hoje sigo assiduamente. Depois veio O Valor das Ideias, que sigo atentamente apesar (ou por causa) da divergência de opções partidárias que me separa do Carlos Santos. Assinalo, ainda, de entre os blogues portugueses que sigo regularmente, o Da Minha Profunda Ignorância.

Uma característica simpática comum a estes blogues é a ideia que a economia não é assunto só de economistas. Concordo: quem tem alguma coisa a dizer sobre o fato não é só quem o talha, mas também quem o veste.

Da minha ainda mais profunda ignorância, comecei a dar-me conta da existência de estudos segundo os quais a desigualdade económica pode ter efeitos opostos aos que os neoliberais lhe atribuem. Quantos e quais são estes estudos? Quem são os seus autores? Que recepção crítica têm tido? Em que factos se baseiam? Em que medida são validados pela comunidade científica? Estas são as perguntas para as quais comecei a procurar respostas.


No âmbito desta procura, apareceu-me, fortemente recomendado, este livro, que, pela informação que tenho, não só trata em profundidade o assunto que me interessa, como compendia muitos outros estudos efectuados ao longo de décadas. Encomendei-o assim que pude; e, enquanto ele não chega, vou-me entretendo a ler as recensões doutros leitores. Aqui ficam alguns excertos, o primeiro dos quais me foi particularmente penoso ler porque destaca Portugal como um case study em matéria de desigualdade económica.

Simply put, [the authors'] method is to plot the level of health related/social problems against the difference in income of the world's twenty richest countries. Cleverly, this is repeated for each of the fifty United States. Each problem is dealt with separately, the data being represented in graphic form. Wherever there is a large differential betwixt the two ends of the income scale, drug abuse, alcohol abuse, obesity, mental problems, and even teenage pregnancy occur more frequently, people live for a shorter period and commit suicide more regularly. Additionally, but just as damningly, children are not as well educated and less literate . So which countries score well on this scale? Interestingly, if not entirely surprisingly, Scandanavia and Japan have can be seen to have the narrowest of divergence betwixt highest and lowest incomes and, indeed, boast the best psychological health of all. Conversely and rather predictably, those nations with the widest gulf between rich and poor, are thus plagued by the highest occurrence of health-related and social problems. Here's the rub; those countries are, in fact, Britain, the USA and Portugal.

Desta outra recensão, impressionou-me especialmente o facto de os 20% mais pobres entre os suecos terem uma esperança de vida superior à dos 20% mais ricos entre os britânicos, levando-nos a pensar que, exactamente ao contrário do que dizem os neoliberais, a desigualdade prejudica não só os mais pobres, mas a sociedade toda, incluindo os mais ricos:

This is the most important book yet on inequality's effects on society. The authors, Richard Wilkinson (Professor Emeritus at the University of Nottingham Medical School) and Kate Pickett (Senior Lecturer at York University) show how inequality affects the vast majority of the people in every country. They show that the way to deal with society's problems is not to preach at individuals, or to blame young people, parents or teachers. As they write, "The evidence shows that reducing inequality is the best way of improving the quality of the social environment, and so the real quality of life, for all of us." They point out that more equal societies have lower levels of mistrust, illness, status insecurity, violence and other stressors. "Social structures which create relationships based on inequality, inferiority and social exclusion ... inflict a great deal of social pain", worsening all society's problems. Over and again, the USA does worst, and Britain next worst. As they prove, health and social problems are more common in countries with bigger income inequalities. Sweden has lower death rates than England and Wales for working age men and for infants, across all occupational groups. The death rate in its poorest 20 per cent is lower than in our richest 20 per cent! Obesity rates are lower in more equal societies. Women's status and child wellbeing are better in more equal societies, which provide more paid maternity leave. In more equal societies, children experience less bullying, fights and conflict. More equal societies like Finland and Belgium have better educational levels across all social groups than Britain or the USA. Drug use and mental illness are less common in more equal societies; so are teenage births and divorce. More equal countries have shorter working hours. More equal societies also have more social mobility: of eight developed countries, the USA had least social mobility. US bankruptcy rates rose most in those states where inequality had risen most. Less equal societies are more punitive. California has 360 people serving life sentences for shoplifting. In Britain, every day 40 people are sentenced to jail for shoplifting. Countries that spend less on education spend more on prisons. Since 1980, US spending on prisons has risen six times faster than spending on schools. The authors note, "More unequal countries also seem to be more belligerent internationally." If Britain were as equal as Japan, Norway, Sweden or Finland, we would all live a year longer, we would have seven more weeks of holiday every year, mental illness, teenage births, obesity, imprisonment rates and murders would all be halved. The authors conclude, "If you want to know why one country does better or worse than another, the first thing to look at is the extent of inequality. There is not one policy for reducing inequality in health or the educational performance of school children, and another for raising national standards of performance. Reducing inequality is the best way of doing both." How do we achieve this more just society? To their credit, the authors don't suggest by just voting for it, or waiting for the government to do it for us. They write that we must "stand up to the tiny minority of the rich." We need to recruit to our trade unions, because the more trade union members there are, the more equal the society. If we want a better society, we will have to work for it.

Uma nota final: a imagem que apresento no início deste post não é a do livro que encomendei, mas da edição em paperback, que ainda não foi editada. O subtítulo sofreu uma alteração entre as duas edições. Escolhi esta imagem e não a da edição em hardback porque é de melhor qualidade. Em resposta ao primeiro comentário que recebi, acrescentei um link que permite chegar à página relevante da Amazon.co.uk clicando no título deste post.





domingo, 11 de outubro de 2009

Utopia, radicalismo, extremismo: a "sovietização" de Portugal

Há dias, Francisco Louçã contou, na televisão, o caso de um terreno que foi comprado por um milhão de euros para ser vendido seis horas depois por quatro milhões. Algo se deve ter passado nessas seis horas para justificar esta subida de preço - e passou-se, de facto: a autoridade pública reclassificou o dito terreno de agrícola para urbanizável.

Louçã não mencionou nomes, mas não precisava: bastou mencionar o município para qualquer português do Norte medianamente informado ficar a saber quem são os políticos e empresários envolvidos. Nem eu preciso de mencionar lugares: a prática é de tal maneira recorrente em todo o País que seria injusto particularizar um caso.

A proposta do BE para acabar com estas situações (e, como se pode ler aqui,acabar com elas é não só possível, como urgente) consiste em fazer reverter para a esfera pública todas as mais-valias que resultem de decisões da autoridade pública. Na legislatura que agora termina, foi apresentada uma proposta de lei neste sentido, e ainda agora estou à espera duma explicação plausível e que se possa dizer em público para o voto contra do PS. Anunciou Louçã que vai voltar a apresentar a proposta na nova legislatura: sempre quero ver com que argumentos os outros partidos a recusarão.

Os argumentos dos crackpots de direita que infestam a blogosfera, esses posso prevê-los facilmente: que a proposta é utópica; que é radical e extremista; que conduzirá directamente à transformação de Portugal numa República Soviética.

Utópica não é. Utópico é o que não existe em nenhum lugar, e a apropriação pública das mais-valias resultantes de decisões públicas é norma corrente nos países desenvolvidos. Em Espanha áté está consagrada na Constituição.

Radical e extremista, também não. Pelo contrário, poucas políticas têm reunido um consenso mais amplo entre políticos, filósofos e economistas - de David Ricardo a Milton Friedman, passando por John Stuart Mill e Winston Churchill.

Resta o fantasma da sovietização. Mas a medida nem sequer é anti-capitalista: pelo contrário, combate um dos maiores impedimentos do mercado livre, que é o rent seeking. Não estou a dizer que o BE tenha qualquer simpatia pelo mercado irrestrito; mas no caso vertente até está a favorecer objectivamente o mercado livre.

E por ironia quem está, neste aspecto, a pôr empecilhos ao mercado é a direita dita liberal. Vamos a ver como vai ser na próxima legislatura.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O meu palpite

José Sócrates vai tentar alianças com o PSD e CDS para continuar a governar à direita; mas, como não é suicida, não dará qualquer indicação neste sentido antes das eleições autárquicas.

5 de Outubro

É bom que haja um dia para comemorar a existência da República Portuguesa - e não Portugal SA. E é uma coincidência feliz que no mesmo dia se celebrem os professores - que são construtores, e não destruidores, da res publica.

domingo, 4 de outubro de 2009

Livro Branco da Educação: reivindicações profissionais (por oposição a laborais) dos professores

Num comentário a um post do Ramiro Marques, que ele depois teve a gentileza de publicar neste outro post, fiz referência à necessidade de um Livro Branco da Educação com origem na classe docente, livro este que, assumindo um cariz reivindicativo, não se limitasse às reivindicações estritamente laborais, reflectindo antes a visão da classe sobre o interesse público e sobre a sua acção na prossecução desse interesse. Não me ficaria bem, tendo sugerido um Livro Branco, não dar uma contribuição, ainda que modesta, para que ele viesse a existir; e por isso publico este índice, que não pretende ser mais do que um work in progress, que será modificado e completado ao longo do tempo de acordo com as críticas e achegas que venha a receber e com a minha própria reflexão. As revisões e acrescentos, resultantes, quer da minha própria reflexão, quer destas achegas, aparecerão a azul e em itálico. A data será modificada ao longo do tempo de modo que este post apareça sempre no topo da página.


Índice

1. Pressupostos: o que é uma escola e para que serve

1.1. A Escola: instituição social, repartição pública ou empresa?
1.2. Escola pública generalista e escolas especializadas
1.2.1. Escola pública generalista
1.2.1.1. Do conhecimento e da sua hierarquização: saberes contextualizantes, estruturantes e instrumentais
1.2.1.2. Do património científico, literário, cultural e artístico: papel da escola generalista na sua conservação, transmissão e produção. Escola e trabalho. Escola e Universidade
1.2.1.3. Da transmissão de valores: racionalidade e pensamento crítico.
1.3. Civilização e Economia
1.4. Da escola autónoma
1.5. Neutralidade política, religiosa e moral da escola pública

2. Do essencial imediato: as medidas urgentes
[A minha ideia inicial era que este segundo capítulo fosse o primeiro, porque trata do mais urgente. A minha principal razão de queixa contra Maria De Lurdes Rodrigues e os ministros que a antecederam é, com efeito, não terem feito nada para combater os três vícios centrais do sistema, dos quais decorrem todos os outros: pedagogia delirante, burocracia asfixiante e incivismo endémico. Maria De Lurdes Rodrigues não só não os combateu, como os agravou. Mas optei pela ordem lógica em vez da cronológica, e é por isso que este capítulo aparece em segundo lugar.]

2.1. O pensamento único em educação e a hegemonia política do pedagogismo
2.2. Centralização, burocracia e profusão legislativa
2.3. Do incivismo na escola.

3. Das pessoas
3.1. Do núcleo essencial: os professores e os alunos
3.1.1. O bom professor
3.1.2. O bom aluno
3.2. Da envolvente: família, funcionários, comunidade e autoridade pública
3.3. Papel da família. Duas centralidades complementares: da família na educação e da escola no ensino.
3.3.1. Escolaridade obrigatória e direito ao ensino doméstico
3.4. Não é o que a escola pode fazer pela comunidade, é o que a comunidade pode fazer pela escola.
3.5. Da autoridade pública: a melhor ajuda é não atrapalhar

4. Especificidade da função docente
[Relevante, nesta matéria, é por exemplo
este texto publicado pelo Ramiro Marques no ProfAvaliação.]
4.1. Profissionalismo e deontologia
4.2. Trabalho subordinado e deveres disciplinares
4.3. Prevalência dos deveres deontológicos sobre os deveres disciplinares

5. Condições de trabalho
5.1. Equipamentos e materiais
5.2. Remuneração
5.2. Horários e tempos de trabalho
5.3. Doenças profissionais e desgaste
[6. Conclusão: a profissionalidade
6.1. A profissionalidade é o contributo específico dos professores para o bem público
6.2. A profissionalidade é o principal direito dos professores]


Actualização (3/10/09 às 12:04): Wegie e Ramiro Marques põem
aqui em dúvida a utilidade de um Livro Branco. Respondi-lhes que havia uma diferença entre um livro branco gerado bas bases e um livro branco gerado nos gabinetes, mas fiquei a pensar. A designação "livro branco" ocorreu-me em contraposição a "caderno reivindicativo". Não é que eu conteste a utilidade ou a necessidade dos cadernos reivindicativos: as pessoas podem e devem defender os seus direitos, se necessário contra a autoridade do Estado e até contra a invocação, quase sempre capciosa, do interesse público.

Trata-se, sim, de os professores, enquanto agentes duma instituição central da sociedade civil e enquanto detentores de conhecimentos especializados relevantes para a prossecução do bem público, terem o direito e o dever de reivindicar não só em seu próprio nome, mas em nome da instituição da qual são parte essencial.

Está em aberto, portanto, a designação do documento. "Livro Branco da Educação?" "Caderno Reivindicativo das Escolas Portuguesas?" Ou, mais modestamente, "Os Professores e o Interesse Público: Uma Proposta de Política Educativa"?