Dizia uma das minhas colegas de tertúlia, há uma semana, que a moção de censura do BE a tinha feito perder a pouca consideração que ainda tinha pelo Francisco Louçã. Porquê? Porque era irresponsável. Porquê? Porque não tinha qualquer possibilidade de ser aprovada, e se o fosse entregaria o poder ao PSD e ao PP.
A segunda razão é fácil de rebater: no ponto a que chegou a guerra das oligarquias contra as classes médias, é hoje perfeitamente indiferente para os interesses destas que seja o PS a governar ou qualquer outro partido supostamente à sua direita. O PS é hoje parte do problema, não da solução; e não há qualquer motivo racional para que um cidadão informado, que não seja corrupto ou não esteja vinculado à oligarquia ou dependente dela, deseje a sua permanência no poder.
Já a questão da responsabilidade é mais difícil de discutir à volta duma mesa, com várias pessoas a querer falar; mas acredito que a minha amiga a estava a ver ao contrário. Quando apresenta uma moção de censura (ou qualquer outra proposta), a responsabilidade dum deputado perante os eleitores (e recordemos que os deputados não são responsáveis perante mais ninguém) consiste em fundamentá-la devidamente. Do mesmo modo, a responsabilidade dos restantes partidos está em votá-la de acordo com a apreciação que fizerem desses fundamentos - e não por qualquer critério táctico ou de oportunidade.
É dever do bloco de Esquerda, como é dever de qualquer partido, presumir que os outros partidos avaliarão e votarão de boa-fé as suas propostas. Presumir não é a mesma coisa que acreditar, é claro. Mas se um partido tem o direito de acreditar, realisticamente, que a sua proposta será rejeitada, já não tem o dever - nem responsavelmente, o direito - de presumir que assim será. E é esta presunção de má-fé que está a ser exigida ao BE pelos seus adversários e por muitos analistas políticos.
Mas os deputados dos outros partidos têm direito ao benefício da dúvida: até ao momento do voto, presume-se que votarão cada proposta, caso a caso, em função da avaliação que fizerem dos seus fundamentos e em função da medida em que estes se coadunem com os programas dos seus próprios partidos - tais como o eleitorado, perante quem são responsáveis, os sufragou.
Mas os deputados dos outros partidos têm direito ao benefício da dúvida: até ao momento do voto, presume-se que votarão cada proposta, caso a caso, em função da avaliação que fizerem dos seus fundamentos e em função da medida em que estes se coadunem com os programas dos seus próprios partidos - tais como o eleitorado, perante quem são responsáveis, os sufragou.
Tudo o que acabo de escrever é demasiado formal - dirá amanhã a minha amiga, e dirão hoje alguns dos que me lerem. Mas é nestas formalidades que se estrutura a democracia; e de resto o próprio texto da moção, informal e directo, invalida este argumento. Trata-se de um documento de apenas duas páginas, muito legível, escrito em português e não em politiquês, baseado em premissas que batem certo com a experiência pessoal de muitos cidadãos, e elaborado de forma a coadunar-se, não só com o programa do BE, mas também com os programas de outros partidos - nomeadamente, e decerto propositadamente, com o do PS.
De modo que a responsabilidade está agora do outro lado. O PS, se votar contra, estará a votar contra aspectos fundamentais do seu próprio programa - e isto, sim, será de todo irresponsável: um partido responsável obedece ao mandato que lhe foi conferido e não se furta a prestar contas a quem deve, especialmente se o fizer com o intuito de as prestar a quem não deve.
O PSD e o PP não estarão em melhor situação: ao absterem-se, se se abstiverem, estarão a declarar que não vêem razão para censurar o governo; ou então, a havê-la, estarão a comprometer-se perante o eleitorado a apresentar as suas próprias moções, com fundamentos obrigatoriamente diferentes dos que são apresentados nesta, e expressas em documentos pelo menos tão concisos e tão claros como o que vai ser discutido a 10 de Março. Sempre quero ver o que dali sai.
1 comentário:
Tem razão.
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