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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A Responsabilidade Segundo Sócrates

O politiquês funciona por modas. De vez em quando enamora-se duma palavra: passa a usá-la a propósito de tudo e de nada até a esvaziar completamente de sentido. Há tempos (lembram-se?) foi o autismo. Todos eram autistas; autistas políticos, é claro sendo que o próprio adjectivo "político" e o advérbio "politicamente" são usados como palavras mágicas que têm o dom de fazer com que um insulto deixe de ser um insulto. Assim: se um deputado disser a outro "V.Exª" cometeu uma fraude" está a candidatar-se a um par de bengaladas; mas se disser "uma fraude política" a bengala desvanece-se no ar. "A vossa intenção é obscena" torna-se uma afirmação inócua se em vez de "obscena" se disser "politicamente obscena".

Mas nem o qualificativo "político" com todos os seus poderes mágicos, salvou o "autismo" de cair em desuso. As pessoas que lidam com autistas verdadeiros, conhecem a gravidade desta doença e sabem do sofrimento que traz foram manifestando a sua indignação e acabaram por conseguir que uma coisa tão séria deixasse de ser trivializada.

Agora é a "responsabilidade" e a "irresponsabilidade". Os políticos que dantes eram "autistas" são agora "irresponsáveis". Isto até faz algum sentido, ainda que perverso; mas adiante.

Vendo José Sócrates apresentar-se nos media como campeão e especial cultor da responsabilidade política, seja lá isso o que for, deu-me a curiosidade  de saber exactamente do que é que ele acusa os seus opositores. Começando pelos dicionários, verifico que o Lello Universal dá "irresponsabilidade" como "estado do que não é responsável": Provar a irresponsabilidade do réu. O mesmo dicionário dá "irresponsável" como "Que não é responsável": Os doidos são irresponsáveis pelos seus actos. Temos então "responsável" e "irresponsável" como sinónimos de "imputável" e "inimputável". Estará então José Sócrates (ou Pedro Passos Coelho, que lhe disputa o título de campeão acima referido) a chamar "doidos" ou "inimputáveis" aos seus adversários? Não pode ser, já que usa estas palavras precisamente quando lhes quer imputar alguma malfeitoria.

Tanto o Lello como o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora remetem para "responsável". Vejamos então como definem este termo. O dicionário da Porto Editora dá "responsável" como "que ou a pessoa que age com o conhecimento e a liberdade suficiente para que os seus actos possam ser considerados como seus e deva responder por eles; fiador; consciente; pessoa cujo papel dentro de um grupo a habilita a tomar decisões". Já o Lello é mais lacónico: "responsável" significa "Que deve responder pelos seus actos ou pelos de outrem".

Temos então que ambos os dicionários associam o termo "responsável" ao dever de responder, limitando-se o Lello a esta acepção. Também para o Lello, "responsabilidade" é a "Qualidade do que é responsável. Obrigação de responder ou dar contas pelos seus próprios actos, pelos de outrem, ou por coisa confiada".

Prestar contas? Perante quem? Perante quem tenha o direito de as exigir, evidentemente. Temos então que um político, ao considerar outro político "responsável" ou "irresponsável", se está a arrogar o direito de lhe exigir contas. Mas nem sempre tem este direito: um dirigente partidário pode exigir contas aos deputados do seu próprio partido, mas não aos dos outros partidos. Estes respondem apenas perante o seu eleitorado e, solidariamente com os outros deputados, perante o Soberano, que é o eleitorado em geral. Não respondem perante o governo nem perante o primeiro-ministro: estes é que respondem perante o Parlamento. Temos assim que qualquer deputado tem o direito de se pronunciar sobre a responsabilidade de qualquer membro do governo, mas que o inverso não se verifica: nenhum membro do governo tem o direito de se pronunciar sobre a responsabilidade ou irresponsabilidade de qualquer deputado.

Quem é responsável não é só responsável perante alguém, mas também por alguma coisa. Os deputados que representam o Soberano no Parlamento têm várias responsabilidades: perante quem votou neles, são responsáveis pelo programa que apresentaram a sufrágio. Perante o eleitorado em geral, incluindo a parte dele que votou noutros partidos, são responsáveis, na proporção da parcela de poder que o Soberano lhes conferiu, pela obtenção do melhor compromisso possível entre o bem público tal como está definido no seu programa e o bem público tal como está definido nos programas dos restantes partidos; e daqui decorre que também são responsáveis, perante o próprio Parlamento, pelo benefício da dúvida que devem aos outros partidos. É dever de cada deputado presumir a boa-fé de todos os outros; e esta boa-fé, que se presume existir, exige que cada proposta seja avaliada e votada pelos seus méritos e pelos seus fundamentos, e não por critérios de oportunidade ou conveniência partidária.

Nenhum partido é responsável pelo sentido do voto dos outros nem pelo critério dos outros.

Exigir a um partido político, em nome da "responsabilidade", que antes de apresentar uma proposta presuma, não a boa-fé dos outros partidos, mas o sentido previsível do seu voto, é perverter a própria ideia de responsabilidade política. Irresponsável é um partido que actue por puros critérios de oportunidade. Exigir-lhe isto é exigir-lhe, não só que seja irresponsável perante aqueles a quem deve contas, mas que parta do princípio que os outros partidos são igualmente irresponsáveis.

A Responsabilidade Segundo Sócrates só é responsabilidade na ordem da politiquice; mas não tem nada a ver com responsabilidade política.

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