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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A Revolução das Borboletas

Escrevi este texto a convite do Pedro Correia, que o publicou ontem no blogue Delito de Opinião.
Publico-o hoje neste blogue porque entendi incorrecto fazê-lo no dia da primeira publicação. Peço desculpa ao Pedro pelas pequenas modificações, mas não está na minha natureza reler o que escrevi sem fazer emendas. E aproveito para lhe agradecer, não só a publicação do texto, mas as bem escolhidas imagens com que o ilustrou.

Um trabalho sobre a teoria do caos apresentado em 1972 por Edward Lorenz tem por título Predictability: Does the Flap of a Butterfly’s Wings in Brazil set off a Tornado in Texas? Versões posteriores desta metáfora colocam a borboleta, mais especificamente, na Amazónia, e o tornado no Texas passa a ser um tufão na China. Em todo o caso, o que se quer saber é até que ponto uma causa mínima pode resultar num efeito máximo, e se este efeito é sempre previsível. Num sistema dinâmico de extrema complexidade, uma variação mínima nas condições iniciais pode levar a variações extremas nos resultados finais; o bater de asas da borboleta pode mesmo causar o tufão, mas não nos permite prevê-lo. O sistema torna-se caótico, não porque deixe de haver nele correlações de causa e efeito, mas porque estas correlações não são observáveis.

Andamos há milénios – pelo menos desde Platão – a tratar a política e a economia como se fossem sistemas simples, compreensíveis através da determinação rigorosa de causas e efeitos. Nunca o foram; e o facto de nunca o terem sido obrigou a que fossem pensados com base em postulados abstractos, em larga medida arbitrários. Enquanto opção metodológica, esta simplificação é intelectualmente legítima: Adam Smith não pode ser acusado, nem de simplismo, nem de desonestidade intelectual, nem de insensatez. Teve que recorrer a estes postulados porque não dispunha, nem de informação suficiente, nem dos instrumentos matemáticos – entre eles a teoria do caos - de que dispõem hoje os cientistas sociais. O seu lugar no panteão dos grandes pensadores está mais que assegurado.

O equívoco que está na origem do nosso mal-estar começa quando os economistas clássicos do século XIX confundem as opções metodológicas de Adam Smith com dados objectivos da realidade. Mas o equívoco só se torna fraude com os economistas neoclássicos, que, dispondo da informação e dos instrumentos matemáticos de que não dispunham os clássicos, adoptam os postulados destes por razões de ordem política e ideológica.

A economia ortodoxa está hoje no estado de completa desautorização em que estaria a biologia se Trofim Lisenko tivesse triunfado. Se, em vez de ser apoiado apenas pelo regime soviético, tivesse sido apoiado politicamente pelos líderes das outras grandes potências; se os senhores do dinheiro tivessem criado fundações e think-tanks para “confirmar” as suas teorias e “refutar” as contrárias; se os dissidentes fossem saneados das principais universidades americanas e europeias; se as teorias que o contradizem fossem, já não digo ilegalizadas durante 16 anos, como na URSS, mas ridicularizadas durante oito décadas em todo o mundo ocidental; se os media divulgassem incessantemente, em versão simplificada, as suas teorias até elas se transformarem em senso comum – então o lugar da ortodoxia nas ciências biológicas não coincidiria com o lugar da autoridade, mas antes, como nas ciências económicas, com o lugar da fraude.

Se a fraude em economia, e por contágio na política, se fundamenta num conjunto de simplificações abusivas, torna-se improvável que as novas variáveis introduzidas no sistema sejam reconhecidas como tais – até porque as suas primeiras manifestações são pouco mais perceptíveis que o bater de asas duma borboleta. Convoca-se em Madrid, por telemóvel, uma manifestação que inverte de um dia para o outro os resultados previstos dumas eleições? Um mero fait-divers que deixa o mundo igual ao que era antes. Obtêm-se pela Internet donativos que permitem eleger, nos EUA, um presidente negro? Bizarro, de facto, mas esse presidente pode ser enquadrado pelo sistema existente de modo a que nada mude, nem na América, nem no Mundo.

Uma banda faz uma canção; um humorista faz um sketch; um desenhador faz um cartoon. Um antigo hacker descobre e divulga os segredos de governos e empresas. Um jornalista chama rasca a uma geração a que mais tarde se chama a mais bem preparada de sempre. Tudo isto tem consequências, que se diluirão no previsível se forem pequenas, ou abalarão o mundo se forem grandes.

Manifesta-se, em Portugal, uma profissão quase inteira sem que nenhuma estrutura formal a tenha convocado? Ora, Portugal é pobre e mora longe, nada do que lá acontece pode ter consequências – tanto mais que mesmo a nível interno o poder político consegue, como escreveu José Gil, desinscrever do real esta realidade.

A palavra “revolução” começa a ocorrer com alguma frequência no discurso corrente e na opinião publicada, como antes de 2008 só ocorria na blogosfera? Ora, não passa duma palavra, e palavras leva-as o vento.

O mesmo vento que leva as borboletas.

Também o crash de 2008 é desinscrito do real e tudo volta – quem o poderia acreditar? – ao que era antes. Com uma pequena diferença: o capital financeiro, os políticos que o servem e os economistas que o defendem conseguiram, a custo, manter o poder; mas tiveram para isso que sacrificar a pouca autoridade que lhes restava.

Nas convulsões sociais que estão a eclodir na Europa do Sul, o que bate as asas já não é uma borboleta: é algo de maior, e não é uma pomba. Maiores ainda são as asas que batem na Argélia, na Tunísia, no Egipto. O tufão revolucionário é uma probabilidade cada vez menos remota; se começar a soprar, varrerá todo o planeta; e até talvez comece a soprar, por ironia, na China.

O que a geração outrora rasca está a descobrir – aqui, no Egipto, na Irlanda, na Austrália, no Japão - é que as armas pequenas podem ser mais eficazes que as grandes, e as organizações efémeras mais efectivas que as permanentes. Nada nos garante que um dia destes um adolescente, sentado a um computador na Nova Zelândia ou na Escócia, no Cairo ou em Bogotá, não desactive só por desfastio todos os sistemas informáticos dum porta-aviões, transformando-o por algumas horas num monte enorme de sucata flutuante.

Batamos então as asas. Mesmo sabendo que o mais provável é que esta acção não tenha consequências óbvias. Mesmo sabendo que, se as tiver, poderão não consistir num tornado no Texas nem um tufão na China, mas numa tempestade de areia no Mali.

3 comentários:

Rui Ferreira disse...

Para mim, leigo que sou, a leitura deste texto funciona com um exercício de elevada intensidade.
Como treino todos os dias a componente física, principalmente a capacidade motora condicional resistência, para melhorar em cada participação a minha marca na Maratona, é neste espaço onde consigo atingir o tão desejado equilíbrio, "mente sana in corporo sano".
Obrigado pela partilha.

Anónimo disse...

Sugiro a leitura do artigo A COISIFICAÇÃO DO LIXO UM COCEITO PRÁTICO ALÉM DE ADORNO. Busque no GOOGLE e ótima leitura.

Anónimo disse...

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