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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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sexta-feira, 29 de maio de 2009

Nós, europeus

A escola primária ensinou-me que eu era europeu, pelo menos em sentido geográfico. Durante muitos anos, contudo, não me senti europeu por aí além: até para ir ali a Espanha era preciso um passaporte, e para obter um era preciso que a PIDE deixasse (e, no caso de um rapaz em idade militar, a tropa). Quando o meu professor de Religião e Moral, um homem do salazarismo, me dizia que a liberdade absoluta não existe, eu respondia-lhe que não queria a liberdade absoluta: bastava-me a liberdade relativa de qualquer francês ou alemão. Mas isto estava tão longe de mim como a Lua.

A seguir ao 25 de Abril, a Europa não ficou muito mais perto: havia limites apertados à quantidade de dinheiro que se podia transportar legalmente para fora do País, os transportes eram caros, os telefonemas caros e difíceis. Apesar disto, lá consegui passar um ano em Heidelberg com uma bolsa de estudo do Estado Alemão; e, mais ou menos por esta altura, Fernando Pessoa ensinou-me que Portugal não só é parte da Europa, mas uma parte essencial dela: Portugal é a face com que a Europa contempla, esfíngica, o Oceano.

Hoje acontece-me, por vezes, ter de fazer um esforço para me lembrar de quantas vezes me meti num avião para um país europeu nos doze meses precedentes. Viajei em turismo, viajei em trabalho, viajei em estudo. A certa altura, comecei a ter a impressão de que se estava a instalar na Europa algo de parecido com as corporações medievais: era-me mais fácil conversar com um professor finlandês ou sueco do que com um yuppie português. Sentia que com eles falava a mesma língua, e com o yuppie não.

Ainda hoje sinto o mesmo.

Hoje, sou um europeu. Mais do que isso, sou um europeísta convicto. E é por isso que fico perplexo com a minha própria reacção quando vejo nos cartazes eleitorais do PS o slogan que dá o título a este texto. Se eu me sinto europeu, de onde me vem a convicção de que esse slogan é uma enorme mentira?

Não é que os slogans mentirosos em campanhas eleitorais me perturbem grandemente: estou habituado a eles e já não espero outra coisa. Mas este é mais que uma mentira. É uma mentira egrégia e despudorada. Os europeus em que José Sócrates e Vital Moreira me querem incluir não são os europeus em que eu me incluo. Não são nem podem ser os cidadãos da Europa, pelo menos enquanto esta se continuar a esforçar por negar aos seus habitantes, precisamente, a cidadania.

A Europa de Sócrates e Vital Moreira não é a Europa dos cidadãos. Não é a minha Europa. O Parlamento Europeu, para o qual vou votar, não me representa adequadamente porque não tem o poder de iniciar legislação nem de fiscalizar o Executivo. As leis que me governam provêm em 60% de Bruxelas; e, como não foram redigidas tendo em conta a minha franquia democrática, o resultado é que sou, como qualquer outro habitante da UE, 40% cidadão e 60% súbdito.

E é nesta situação que Sócrates e Vital Moreira se esforçam por nos manter, um com a sua defesa desesperada do falecido tratado de Lisboa e com o seu apoio contra-natura a Durão Barroso, o outro levando para Bruxelas um formalismo legalista e árido (lembram-se do que ele disse em relação aos professores?) que impede a cidadania de crescer.

É a Europa da burocracia e dos negócios. É a Europa dos interesses. Não é uma República, é uma empresa; e consequentemente não tem cidadãos, tem «recursos humanos». Não é «Nós, a Europa»: é «Eles, a Europa.»

1 comentário:

Paulo disse...

A ideia de que a entrada na União Europeia traria o dinheiro e, com ele, a modernidade foi (é) uma preversidade, como o tempo mostrou. Não se investiu na cultura, na educação, no saber, na investigação na inovação. Investiu-se em propagandear a ideia de que com dinheiro (fácil) poderíamos consumir e ter um vida "à europeu"...sermos como eles, mas sem esforço. Claro que, ao mínimo sopro de vento da crise, tudo se desmorona e voltamos aos níveis de consumo pré "europeu". Nos outros planos (cultural, educacional, etc.)ficamos onde estavamos quando ainda não eramos "europeus".
Cumprimentos.