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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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segunda-feira, 11 de maio de 2009

Um país ingovernável?

Ou: Uma Lição de Democracia Dada por um Cidadão aos Partidos; e não ousem dizer que não precisam dela.

Fala-se muito agora na formação dum Bloco Central no caso provável de o PS não obter maioria absoluta nas próximas eleições legislativas. O PS e o PSD juram e voltam a jurar que não, mas todos sabemos o que valem essas juras em período eleitoral: o mesmo que juras de amor eterno a meio da noite.

Ora acontece que qualquer coligação pós-eleitoral tem um défice de legitimidade intrínseco, uma vez que o programa de governo sufragado pelo Parlamento não tem fundamento num programa eleitoral anterior sufragado pelo Soberano. Perante os actos dum governo de coligação pós-eleitoral, o cidadão pode sempre dizer "não foi nisto que eu votei."

O mesmo não pode o cidadão dizer perante um governo de um só partido (nem perante um governo de coligação se esta se formar antes das eleições e apresentar a sufrágio um programa eleitoral). Ao votar, e mesmo ao abster-se, o eleitor celebra dois contratos: um com a República, outro com quem vier a ser eleito. Nos termos do seu contrato com a República, fica vinculado ao resultado das eleições: mesmo que tenha votado noutros, não pode dizer mais tarde "não foi nestes que votei." Pode continuar a dizer-se de cada eleitor concreto que votou no partido x ou no partido y, mas dos eleitores em abstracto diz-se que votaram no partido ou candidato vencedor. Neste contrato, a obrigação da República consiste em ser efectivamente a Coisa Pública, não se deixando substituir ou dominar por interesses particulares.

O partido ou candidato vencedor está contratualmente obrigado perante os eleitores - todos os eleitores, e não só os que votaram nele - a cumprir o seu programa. Neste programa consiste, grosso modo, o conteúdo essencial do seu mandato; e, como em Democracia não há mandatos em branco (em bom rigor não há votos em partidos ou pessoas, mas sim em programas), a legitimidade de qualquer eleito, que começa por ser puramente eleitoral, depende para continuar do cumprimento das acções para que foi mandatado. Um governo de coligação pós-eleitoral não se pode ilegitimar por incumprimento de mandato pela simples razão que nunca se chegou a legitimar cabalmente: o seu mandato é em larga medida um mandato vazio. A sua legitimidade é imperfeita: é uma legitimidade legal e formal, mas não é legitimidade política nem legitimidade democrática.

O défice de legitimidade intrínseco dos governos de coligação pode ser ampliado pelas circunstâncias concretas: é o que acontecerá, creio eu, se o PS e o PSD se coligarem depois das eleições, não tendo apresentado previamente à apreciação do Soberano um programa comum. As circunstâncias concretas das próximas eleições legislativas são tais que o défice de legitimidade inerente a todos os governos de coligação se ampliaria, no caso específico dum governo de bloco Central, até ao ponto em que uma minoria significativa de cidadãos, ou até talvez uma maioria, não reconheceria legitimidade ao Governo e não se sentiria vinculada às instituições da República.

Que circunstâncias são essas? Enumero-as:

Em primeiro lugar, se se registar, como é de prever, uma subida significativa dos partidos à esquerda do PS, será difícil não concluir daqui que o Soberano manifestou explicitamente a sua vontade de que a República seja governada mais à esquerda nos próximos quatro anos; e se o Parlamento lhe der, em vez desse Governo mais à esquerda, um Governo mais à direita, muitos eleitores sentirão que o voto lhes foi confiscado.

Em segundo lugar, os temas da corrupção, do tráfico de influências e da promiscuidade entre poder político e poder económico têm ocupado uma boa parte do debate público nos últimos meses. Justa ou injustamente, uma parte considerável do eleitorado não vê no PS e no PSD dois partidos, mas sim um só partido; e não é um partido da República, mas dos interesses. Muitos eleitores, incluindo alguns dos que votarem no PS ou no PSD, estarão a tentar manter separadas, a favor da República, as duas componentes desse Partido dos Interesses. Se virem que essa votação resulta, por manobras pós-eleitorais do PI, num aumento do poder de gente em que ninguém votou, sentir-se-ão vítimas duma fraude eleitoral - por mais correcto que o processo seja formalmente.

Em terceiro lugar, não está em cima da mesa como hipótese, nem foi pedida ao Soberano, uma maioria suficiente para mexer na Constituição. Ao ir às urnas, o Soberano não estará a exprimir qualquer vontade de que uma tal maioria seja constituída. Se o PI a fabricar a posteriori, e a utilizar para mexer naquilo em que o Soberano não quer que se mexa, fará caducar qualquer legitimidade política que a votação popular, por mais expressiva que seja, lhe tenha conferido.

Tudo isto pode parecer muito abstracto e muito árido, mas a verdade é que o eleitorado tem mostrado a sua capacidade de avaliar momento a momento a legitimidade de quem o governa. Tem mostrado a sua capacidade de distinguir entre legitimidade política e democrática, por um lado, e legitimidade formal, por outro. Distingue entre poder e autoridade e não gosta que quem tem de menos desta tenha demais daquele.

E sabem ainda outra coisa, os eleitores: é que, quanto mais se deslegitima o poder formal, mais se legitimam os poderes informais. Se a soberania popular for subvertida nas instituições, o Povo exercê-la-á na rua, ou na Internet, ou onde puder - e terá, quer os políticos e os juristas queiram, quer não, toda a legitimidade para tal. Do mesmo modo, é dos livros que os cidadãos têm legitimidade, em casos-limite, para praticar a desobediência cívica. Temo que um governo do Bloco Central leve os cidadãos a este limite, do qual o PS sozinho os aproximou perigosamente durante a legislatura que termina este ano.

Será o país ingovernável sem maioria absoluta? Governável comodamente, não será, mas a política não serve a comodidade dos políticos. Será governável à custa de muita negociação - mas a negociação é a essência da boa política, e nenhum praticante da arte tem o direito de se furtar a ela.

Ingovernável será, isso sim, com um Bloco Central. Não porque este não disponha de legitimidade formal, mas porque não disporá de legitimidade democrática. Porque terá poder a mais para autoridade a menos. E porque os cidadãos, muito provavelmente, não se deixarão governar por uma tão descarada coligação de interesses.

10 comentários:

com senso disse...

Absolutamente certo!

Anónimo disse...

Absolutamente de acordo!
rita

Anónimo disse...

Esclarecida análise. Há muito que não lia um texto interpretando contexto político de forma tão lúcida.

Formiga disse...

Gostava de poder concordar...
Mas quais as diferenças entre as propostas eleitorais do PS/Socrático, e o que ele realmente fez... será melhor perguntar pelas semelhanças... é mais fácil...
No entanto, ainda, existem muitas pessoas que o defendem... e juram a pés juntos que ele foi chefe de um bom governo...
Gostava mesmo poder concordar, mas há muita gente que não me deixa...

Anónimo disse...

É exactamente essa a expressão do que está em cima da mesa. Poder a mais para autoridade a menos com um governo do Bloco Central. Extremamente inteligente a sua análise à qual cheguei através do link do artigo sobre a corrupção no blasfémias. Brilhante.

Anónimo disse...

É exactamente essa a expressão do que está em cima da mesa. Poder a mais para autoridade a menos com um governo do Bloco Central. Extremamente inteligente a sua análise à qual cheguei através do link do artigo sobre a corrupção no blasfémias. Brilhante.

Anónimo disse...

É exactamente essa a expressão do que está em cima da mesa. Poder a mais para autoridade a menos com um governo do Bloco Central. Extremamente inteligente a sua análise à qual cheguei através do link do artigo sobre a corrupção no blasfémias. Brilhante.

Anónimo disse...

É exactamente essa a expressão do que está em cima da mesa. Poder a mais para autoridade a menos com um governo do Bloco Central. Extremamente inteligente a sua análise à qual cheguei através do link do artigo sobre a corrupção no blasfémias. Brilhante.

Anónimo disse...

É exactamente essa a expressão do que está em cima da mesa. Poder a mais para autoridade a menos com um governo do Bloco Central. Extremamente inteligente a sua análise à qual cheguei através do link do artigo sobre a corrupção no blasfémias. Brilhante.

anareis disse...

Estou fazendo uma campanha de doações para meu projeto da minibiblioteca comunitária e outras atividades para crianças e adolescentes aqui no Rio de Janeiro,preciso da ajuda de todas as pessoas de bom coração,pode doar de 5,00 a 20,00.Doações no Banco do Brasil agencia 3082-1 conta 9.799-3 Que DEUS abençõe todos nos.Meu e-mail asilvareis10@gmail.com