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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.
..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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quarta-feira, 20 de maio de 2020
Álvaro Cunhal, Tradutor de Shakespeare
Não falta reflexão política em Shakespeare. Stephen Greenblatt, em "Tyrant", elabora mesmo uma taxinomia do despotismo na sua obra: Ricardo III é capaz de qualquer fraude ou crime para chegar ao poder mas não sabe o que fazer dele depois de o alcançar. Leontes enlouquece e exerce o poder como um psicopata, crescendo em crueldade no decorrer da acção. Coriolano, um aristocrata cujo desdém pela plebe o torna incapaz de se sujeitar aos contrangimentos duma campanha política, torna-se um traidor. Macbeth, roído pelo remorso, vê ameaças e conspirações em tudo excepto naquilo que acaba por vencê-lo. No ciclo Henrique VI, o populista John Cage convoca as massas rurais contra as elites letradas e enforca quem sabe ler.
Porque escolhe então Álvaro Cunhal o "Rei Lear" para a sua única tradução de Shakespeare? Lear não é tão obviamente um tirano como o são as filhas Goneril e Regan; a máquina inexorável da tragédia, que põe em marcha, não tem a marca da vontade de poder mas sim a de se despojar dele. Mas Lear acaba por ser tanto mais protagonista da Tragédia e da História quanto menos se quer protagonista duma vontade política.
Escreve Cunhal na sua nota introdutória que o Rei Lear é o admirável exemplo da obra de um grande artista assente no espírito criador do seu povo, da fusão do génio individual com o génio popular. Mas para estabelecer o nexo entre o génio do indivíduo e o espírito criador do povo, para mostrar como se opera esta fusão, Cunhal não se pode ficar por uma mensagem política superficial. A sua abordagem tem que ser a de um erudito e a de um poeta.
O erudito segue as raízes de Lear na tradição popular e literária que antecede o texto de Shakespeare; compara as diferentes versões e edições de modo a chegar à mais idónea; data o período em que foi escrito (entre 1603 e 1606); interpreta-o no contexto cultural da sua época; e refere mesmo, caracterizando-as, algumas das deturpações, falsificações, "emendas" e "aperfeiçoamentos" que outros autores menos talentosos lhe introduziram entre a segunda metade do século XVII e o final do século XVIII. Todo este trabalho aparece documentado nas notas finais.
O poeta faz esta coisa espantosa: apresenta-nos um texto que poderia, aos olhos de qualquer leitor, ter sido escrito originalmente em português. E isto sem nunca o trair.
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