Mas mesmo que assim fosse - mesmo que, por hipótese absurda, todos os ricos, ou a maioria deles, tivessem enriquecido por mérito próprio e só por mérito próprio - uma distribuição mais igualitária da riqueza não seria o jogo de soma zero que o catecismo oficial pressupõe: se os pobres
fossem menos pobres em termos relativos, isto não resultaria em que os ricos
fossem menos ricos em termos absolutos. Até há sólidas razões para acreditar que ficariam a ganhar.
Mas o que interessa a muitos deles não é tanto tornar-se mais ricos do que eram, digamos, no ano anterior: é sobretudo tornar-se (muito) mais ricos do que as outras pessoas. E isto tanto se consegue enriquecendo-se a si como empobrecendo os outros. Um país como Portugal, onde os custos salariais não ultrapassam 7,8% do preço dos bens produzidos e apesar disso continuam a ser veementemente exigidas reduções nos salários, é bem o exemplo de que o empobrecimento dos muitos é politicamente prioritário sobre tudo o resto, incluindo neste resto o enriquecimento dos poucos. Há gente que nem para si é boa.
A maioria das pessoas procura enriquecer o suficiente para satisfazer os seus desejos em termos de conforto, segurança, qualidade de vida, consumo, lazer. Para isso trabalha. Mas há um ponto a partir do qual a aquisição de mais riqueza já nada acrescenta à satisfação destes desejos. A partir deste ponto, há quem se dê por satisfeito.
Trata-se de tornar os pobres o mais pobres possível, para que se submetam a tudo. Para obter isto, há quem esteja disposto seja ao que for, até a ficar menos rico em termos absolutos. E são estas pessoas, ou os seus lacaios, que ocupam, nesta nossa burocrática Europa, os principais lugares de decisão. Foram elas, são elas, que definem o projecto político-económico actualmente em curso na União Europeia. É a ganância pelo poder, nada mais que pelo poder, e pelo poder pessoal, exercido de preferência sem prestar contas a ninguém. É o regresso à ordem feudal, em que os rituais democráticos que sobrarem não passarão disso mesmo: rituais.
3 comentários:
Os tais rituais, apesar da sua aparência democrática perfeitamente inócua, são perigosos. Mas mais perigosos são os tais lacaios que servem, conscientemente ou não, o poder oculto e discricionário que não desiste de subjugar o seu semelhante para enriquecerem a qualquer custo, mas também, ao que parece, com outros fins inconfessáveis em mente. O mundo está a ser dirigido por cegos: cegos pelo poder e cegos pela ambição o que os pode tornar perigosamente desumanos.
Com razão ou sem ela existe a teoria da conspiração. Se é verdadeira, não se sabe ao certo. O que existe de facto é uma acção concertada dos grandes lóbis do poder e do capital internacional com ambições ilimitadas que não sabemos muito bem como começou (eu não sei) e muito menos como vai acabar. Mas, atendendo às lições da história e pelo rumo que as coisas vão tendo, irá acabar muito mal se o povo, o tal que os governantes considera estúpido, não abrir os olhos e não os obrigar a arrepiar caminho…
E isso não é de todo impossível: o caso da Islândia é paradigmático
e um bom exemplo para se começar a dar a volta ao texto...
Belíssimo texto. E certeiro, como sempre. A antropologia dos processos identitários explica muito bem o que este "post" coloca em evidência: o motor perverso dos detentores de grandes fortunas é a diferenciação identitária, feita em termos desiguais e hierarquizantes, através da qual uma ínfima minoria procura maximizar a sua auto-estima face a todos os outros. É, de facto, um comportamento com traços psicopáticos. O problema é que os tais "outros todos" vão consentindo ser dominados por psicopatas sedentos de poder. E essa é outra psicopatologia: a das massas...
Ora, aqui está, um texto que vale por mil imagens.
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