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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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domingo, 24 de junho de 2012

É o poder, estúpido!

A austeridade serve para aumentar permanentemente as desigualdades. Este aumento é um fim em si mesmo, desejado e prosseguido por muita gente poderosa e legitimado por uma casta sacerdotal de economistas mediáticos que todos os dias nos tentam convencer da sua inevitabilidade e da sua superioridade moral. A equidade económica é-nos apresentada como injusta, uma vez que implicaria "confiscar" aos mais ricos uma parte do que ganharam, por definição e sem excepção, por mérito próprio. 

Mas mesmo que assim fosse - mesmo que, por hipótese absurda, todos os ricos, ou a maioria deles, tivessem enriquecido por mérito próprio e só por mérito próprio - uma distribuição mais igualitária da riqueza não seria o jogo de soma zero que o catecismo oficial pressupõe: se os pobres fossem menos pobres em termos relativos, isto não resultaria em que os ricos fossem menos ricos em termos absolutos. Até há sólidas razões para acreditar que ficariam a ganhar. 

Mas o que interessa a muitos deles não é tanto tornar-se mais ricos do que eram, digamos, no ano anterior: é sobretudo tornar-se (muito) mais ricos do que as outras pessoas. E isto tanto se consegue enriquecendo-se a si como empobrecendo os outros. Um país como Portugal, onde os custos salariais não ultrapassam 7,8% do preço dos bens produzidos e apesar disso continuam a ser veementemente exigidas reduções nos salários, é bem o exemplo de que o empobrecimento dos muitos é politicamente prioritário sobre tudo o resto, incluindo neste resto o enriquecimento dos poucos. Há gente que nem para si é boa.

A maioria das pessoas procura enriquecer o suficiente para satisfazer os seus desejos em termos de conforto, segurança, qualidade de vida, consumo, lazer. Para isso trabalha. Mas há um ponto a partir do qual a aquisição de mais riqueza já nada acrescenta à satisfação destes desejos. A partir deste ponto, há quem se dê por satisfeito. 

Mas há também doentes mentais a quem nada satisfaz a não ser o poder sobre os outros. Este é um desejo que não tem limites - por mais poderoso que um ser humano seja, é sempre possível ser ainda mais poderoso - e depende, para se realizar, não da maximização da riqueza em termos absolutos, mas da sua maximização em termos relativos. Nunca param de trabalhar, e orgulham-se disto - mas trabalham para produzir pobreza. No cerne do projecto que tanto os ocupa e preocupa está a maximização permanente da desigualdade económica - condição necessária da desigualdade política - mesmo que para tal seja necessário aceitar e promover perdas em termos de eficiência económica e disfunções desastrosas no funcionamento da res publica.

Trata-se de tornar os pobres o mais pobres possível, para que se submetam a tudo. Para obter isto, há quem esteja disposto seja ao que for, até a ficar menos rico em termos absolutos. E são estas pessoas, ou os seus lacaios, que ocupam, nesta nossa burocrática Europa, os principais lugares de decisão. Foram elas, são elas, que definem o projecto político-económico actualmente em curso na União Europeia. É a ganância pelo poder, nada mais que pelo poder, e pelo poder pessoal, exercido de preferência sem prestar contas a ninguém. É o regresso à ordem feudal, em que os rituais democráticos que sobrarem não passarão disso mesmo: rituais.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Respondendo a cinco europerguntas fáceis....

Por Brad DeLong  

(tradução minha) 


 
(1) P: Quem Devia Assumir os Prejuízos da Actual Dívida Grega?
R: Os bancos alemães que fizeram empréstimos aos políticos gregos que não tinham autoridade para cobrar impostos suficientes para pagar a dívida - e o governo alemão que supervisiona os bancos - deviam assumir os prejuízos da dívida grega actual.
(2) P: Como Devia a Grécia Equilibrar de Agora em Diante os Seus Impostos com a Despesa do Estado?
R: Ninguém tem nada com isso excepto os gregos. Porém, seria bonito que deixassem de gastar dinheiro como água na tentativa de manter uma "paridade estratégica" com a Turquia no Mar Egeu.
(3) P: Como Devia a Grécia Equilibrar de Agora em Diante a Sua Despesa com Importações e as Suas Exportações?
R: Pedir emprestado para cobrir o fosso existente entre importações e exportações aos câmbios actuais e com os preços e salários actuais não vai ser possível, de modo que a Grécia pode escolher entre  (a) uma depressão profunda e prolongada que torne os gregos pobres demais para comprar produtos importados, (b) Saída do euro, desvalorização da moeda e um subsequente boom exportador, e (c ) que os alemães abram as torneiras monetárias para criar um nível de inflação mais alto na Europa do Norte, dando ao mesmo tempo à Grécia uma fortuna adicional que mantenha o sofrimento a um nível suficientemente baixo para que o ajustamento seja possível no quadro da Eurozona.
(4) P: O Que Acontecerá se a Grécia Sair do Euro?
R: A Alemanha terá então que optar entre (d) uma Grande Depressão na Europa, e (e) um nível de inflação muito mais alto na Europa, gastando para amortecer o ajustamento uma fortuna muito maior do que a necessária para fazer com que (c ) resultasse.
(5) P: Então o Que Vai Acontecer É (c ), Certo? Os Alemães Vão Abrir as Torneiras Monetárias Para Produzir uma Inflação Mais Alta no Norte da Europa, Dando ao Mesmo Tempo à Grécia uma Fortuna Adicional Para Manter um Nível Baixo de Sofrimento?
R: Ha!!

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Blitzkrieg

Durante três breves anos, a Europa - especialmente a Alemanha - empolgou-se com a ideia duma guerra rápida, disciplinadora e decisiva que pusesse as periferias no lugar subalterno a que a Natureza as destinou. Ou, do ponto de vista meridional, que pusesse no seu lugar - também ele subalterno, é claro - o bárbaro germânico, a besta loura. 

Wagner contra Verdi. 

Agora parece que o pano abre sobre uma cena de guerra fria. O fantasma que assola a Europa é, afinal, a destruição mutuamente assegurada. Os tempos não estão para romantismos.

domingo, 10 de junho de 2012

Porque é que não partimos tudo?

Porque é que os portugueses não se revoltam? Esta questão já intrigou Lord Byron, que depois de visitar Portugal nos chamou povo de escravos. Unamuno caracterizou-nos pelo culto da dor e por sermos um povo de suicidas. Temos uma fascinação antiga pela mediocridade, pelo sofrimento e pela pobreza: Salazar bem a conhecia, e soube bem tirar partido dela. Até na inveja somos pobrezinhos: odiamos quem tem um pouco mais que nós, mesmo que o mereça, mas tratamos com admiração e subserviência qualquer ladrãozeco que tenha acumulado uma fortuna.

A austeridade cai-nos no goto: achamos que merecemos ser pobres e vemos nessa pobreza uma manifestação de virtude. Por isso aceitamos que nos digam, mentindo, que não trabalhamos o suficiente: por mais que trabalhemos, e por mais penosamente, nunca seremos punidos como merecemos pela culpa de ser portugueses. Tudo o que realça a vida é luxo, e tudo o que é luxo é pecado: daí a nossa aversão às Ciências, às Letras e às Artes. Em vez de favorecer o engenho, condenamo-lo à miséria. Já disto se queixava Camões, no tal Canto Décimo que todos os portugueses deviam saber de cor:

Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida;
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a Pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.

Continuamos austeros, apagados e vis. Não pomos as ruas a ferro e fogo, como os gregos; nem temos, dos franceses, o panache. Continuamos a votar nos partidos da troika, que são por coincidência os partidos da corrupção. 75% contra 25%, segundo as últimas sondagens. Continuamos vis. Exportámos o Poeta para a Índia e para Macau, exportamos hoje os nossos jovens cientistas para todo o mundo: como se atrevem a querer ganhar decentemente só porque são qualificados? 

Estamos então na mesma? Não: estamos pior. Porque não se muda já como soía, os portugueses são hoje menos para mandar do que para ser mandados. E mandados por alemães; é isto que é o cúmulo da vileza.

sábado, 2 de junho de 2012

Dani Rodrik, The Globalization Paradox

Dani Rodrik é professor de Economia Política Internacional na John F. Kennedy School of Government da Universidade de Harvard. É um economista de topo e conta-se, segundo algumas listas, entre os 100 mais influentes do Mundo. O seu blogue, que faz parte da minha lista de hiperligações, é frequentemente citado em publicações como The New York Times ou The Economist

Mas o que o torna mais conhecido do grande público é talvez o famoso "Trilema de Rodrik": a globalização, a soberania nacional e a democracia não podem coexistir. Podem coexistir quaisquer duas delas, mas nunca as três. É deste "trilema" que trata The Globalization Paradox.

Forçados a escolher, depressa nos damos conta que é quase certamente impossível eliminar os Estados soberanos: isto implicaria o estabelecimento de um governo mundial que não se pode antever num futuro próximo. E não queremos, muitos de nós, prescindir da democracia. Resta a globalização - que é, como mostra a história dos seus altos e baixos, uma opção política e não uma inevitabilidade histórica. Se queremos Estados soberanos e democráticos, temos que encarar de frente opções políticas que, tendo em conta os inegáveis benefícios da globalização, não a deixem prevalecer sobre as soberanias nacionais nem sobre a democracia. 

A utopia do "Estado Mínimo", nomeadamente, é um projecto de destruição do Estado Social que se apoia na natural aversão das pessoas aos impostos - mas que dificilmente conseguirá, apesar deste apoio, tornar-se realidade em democracia. A ideia de que o "estado gordo" se financia por um "esbulho" traduzido em impostos tão altos que empobrecem os cidadãos é factualmente falsa. Na realidade, quanto mais alta, em termos percentuais, é a apropriação por parte do Estado da riqueza de um país, mais alto é, em termos absolutos, o rendimento disponível dos cidadãos individuais. Eu próprio já tive essa experiência: nunca tive tanto rendimento disponível como no período da minha vida em que paguei mais IRS. Passo a palavra a Rodrik (tradução minha) para explicar este aparente paradoxo:

"Os mercados são mais desenvolvidos e mais efectivos na geração de riqueza quando têm na sua retaguarda sólidas instituições governamentais. Os mercados e os estados são complementares, não substitutos, como pretendem muitas vezes algumas narrativas económicas simplistas. [ ... ]

Deparei-me inesperadamente com este ponto há alguns anos. O governo desempenha um papel tão difuso nas sociedades modernas que muitos cientistas sociais, eu incluído, se vêem impossibilitados de não ficarem obcecados com ele. Um dia estava sentado no meu gabinete, perguntando-me porque é que reduzir o sector público se revelava tão difícil apesar do clamor pelo "estado mínimo" levantado pelos políticos conservadores, quando um artigo do cientista político de Yale David Cameron cruzou a minha secretária.


Cameron estava interessado na seguinte questão: Porque é que o sector público se tinha expandido tão rapidamente nas principais economias avançadas na década seguinte à II Guerra Mundial? Embora Cameron focasse apenas a experiência posterior a 1945, esta era de facto uma tendência que vinha de muito antes. Por volta de 1870, a parte correspondente às despesas do Estado naquelas que são hoje as economias avançadas era em média cerca de 11%. Em 1920, esta parcela tinha quase duplicado para 20%. Aumentou mais ainda, para 28%, em 1960. Quando Cameron realizou o seu estudo, estava em mais de 40%, e tem continuado a crescer. O aumento não tem sido uniforme nos diferentes países. Os governos são hoje consideravelmente mais pequenos nos E.U.A., Japão e Austrália (com parcelas de despesa à volta dos 35%) que na Suécia ou na Holanda (55-60%), com a maioria dos outros países europeus em posições intermédias. Cameron queria compreender as origens desta diferença.


A sua conclusão, baseada no estudo de 18 nações avançadas, foi que a abertura ao comércio internacional tinha sido um dos factores principais. Os governos tinham crescido mais nas economias mais expostas aos mercados internacionais. Alguns países têm maiores defesas naturais contra as forças da competição internacional, por serem maiores ou por serem mais distantes dos serus parceiros comerciais. É este exactamente o caso dos governos mais pequenos da nossa lista (Estados Unidos, Japão e Austrália). As pequenas economias próximas dos seus parceiros comerciais, por contraste, efectuam muito mais trocas comerciais e têm sectores públicos maiores (tal como na Suécia e na Holanda).


Este argumento é altamente contra-intuitivo para quem está habituado a pensar que os mercados só podem prosperar onde o Estado não interferir. Eu já sabia, é claro, que as economias mais avançadas têm sectores públicos maiores, mas a tese de Cameron era outra: ele argumentava que a variação no tamanho do sector público entre economias igualmente ricas podia ser explicada pela importância do comércio internacional nas suas economias.


Confesso que achei suspeitos os resultados de Cameron; os economistas tendem a ser gente bastante céptica, especialmente em face de trabalhos estatísticos da autoria de outros cientistas. A minha primeira reacção ao artigo foi: isto não pode ser verdade. A amostra é pequena demais (só 18 países). O efeito deriva da dimensão do país e não da exposição em si mesma ao comércio internacional. Há muitos outros factores de confusão que a análise não teve em conta. E assim sucessivamente.


Decidi verificar por mim mesmo. Descarreguei alguns dados e comecei a alinhar o tamanho dos governos contra a abertura económica. Escrutinei primeiro os países avançados que Cameron  tinha focado. usei fontes de dados diferentes e diferentes períodos de tempo, mas para minha surpresa os resultados de Cameron mantiveram-se. Então expandi a análise para países em desenvolvimento, observando mais de cem países para os quais havia dados disponíveis. Mais uma vez, o cenário era o mesmo. Finalmente tentei fazer desaparecer os resultados controlando-os contra tudo o que consegui imaginar - tamanho do país, geografia, demografia, níveis de rendimentos, urbanização, e muitos outros factores além destes. Dispusesse os dados como dispusesse, encontrei sempre uma forte correlação positiva entre a abertura duma nação ao comércio externo e o tamanho do seu sector público.


De onde vinha esta correlação? Considerei muitas explicações possíveis, mas nenhuma sobreviveu à minha bateria de testes. Por fim, as provas pareciam apontar para o tema da segurança social. As pessoas exigem compensação pelo risco quando as suas economias estão mais expostas a forças económicas internacionais. Este era essencialmente o argumento de Cameron, e ia claramente além do conjunto de países ricos que ele tinha estudado. Eu acabava de tropeçar numa das verdades fundamentais da Economia de que nunca ninguém me tinha falado na Faculdade: Se queremos expandir os mercados, precisamos de fazer o mesmo com os governos.

sexta-feira, 1 de junho de 2012