TIME Magazine, 4-11 de Abril de 2011
[Tradução minha, ao correr do teclado. Peço desculpa pela extensão].
A primavera pode estar a chegar nesta zona pobre de Helsínquia conhecida por Leste Profundo, mas o chão ainda está quase todo coberto de neve e o ar tem um morder frio e seco. Numa clareira exterior à Escola Unificada Kallahti, meia-dúzia de crianças de nove anos estão sentadas costas com costas, dispondo paus, pinhas, pedras e bagas der modo a formar figuras sobre o chão gelado. Os autores terão a seguir que descrever estas figuras usando termos geométricos de modo a que os miúdos que não as conseguem ver possam identificá-las.
"É um modo diferente de conceptualizar a Matemática quando se faz isto em vez de usar lápis e papel, e vai direitinho ao cérebro," diz Veli-Matti Harjula, que tem a seu cargo este grupo de alunos do terceiro ao sexto ano. Foram educadores suecos, e não finlandeses, que criaram o conceito de "matemática ao ar livre," mas Harjula não teve que pedir a aprovação de ninguém em particular para o utilizar. Harjula tem carta branca para fazer praticamente tudo o que quer, desde que os alunos atinjam os objectivos muito gerais delineados no currículo mínimo estabelecido pela Comissão de Educação finlandesa. Para a Matemática, o currículo mínimo mais recente está contido num pouco menos que dez páginas (contra as três páginas e meia do currículo mínimo anterior).
Os finlandeses ficaram tão surpreendidos como o resto do mundo quando emergiram recentemente como as novas estrelas rock da educação. Ficaram surpreendidos porque evitam o mais que podem qualquer espécie de testagem ou aferição. Simplesmente não acreditam que a testagem e a aferição sejam muito úteis. Mas decidiram, contudo, participar no Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA) dirigido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). E, para nos exprimirmos em termos que causariam arrepios aos anti-competitivos finlandeses, bateram a concorrência por KO. Os finlandeses participaram quatro vezes neste estudo internacional e ficaram geralmente entre os três primeiros em leitura, matemática e ciências.
No último relatório PISA, em 2009, a Finlândis ficou em segundo lugar em literacia científica, terceiro em matemática e segundo em leitura. Os EUA ficaram em 15º em leitura, perto da média da OCDE, que é também a zona em que ficaram nas outras matérias.
Os únicos verdadeiros rivais da Finlândia são as super-potências educativas, Coreia do Sul e Singapura, cujos métodos educativos baseados no treino constante fazem muitas vezes lembrar os programas de obtenção de medalhas olímpicas do antigo Bloco Soviético. E, de facto, o "Grito de Guerra da Mãe-Tigre" (um manifesto recente duma mãe sino-americana, Amy Chua) censura os pais americanos por não aplicarem a disciplina implacável que é necessária, segundo ela, para produzir estudantes de topo. Este livro levou muita gente a perguntar-se se a cura proposta não era pior que a doença.
E esta é a razão por que delegações dos EUA e do resto do mundo se precipitam para Helsínquia, onde se conseguem resultados de nível mundial ao som de canções de embalar sobre renas. "Na Ásia, é tudo à base de muitas horas - muitas horas na escola, muitas horas depois da escola. Na Finlândia, o dia escolar é mais curto que nos EUA. É um modelo mais atraente," diz Andreas Schleicher, que dirige o programa PISA da OCDE.
E também há menos trabalho de casa. "Uma hora por dia chega para ter êxito como estudante," diz Katja Tuori, que tem a seu cargo o aconselhamento dos alunos na Escola Unificada Kallahti, que educa miúdos até aos 16 anos. "Estes miúdos têm uma vida para além da escola."
Claro que há regras. Não entram iPods nem telemóveis nas salas de aula. Não entram chapéus nem bonés (também tentaram uma regra contra os agasalhos, mas o edifício é frio demais.) Mas não muito mais do que isto. Tuori detecta um miúdo a enviar um SMS na aula e deita-lhe um olhar de censura. Ele guarda o telemóvel apressadamente. 2è preciso que eles façam alguma coisa realmente má, como bater em alguém, para que sejam castigados," diz Tuori.
A Finlândia tem algumas ideias de como ensinar os miúdos deixando-os ser miúdos. Por exemplo, procura-se que cada professor conserve a mesma turma do primeiro ano ao sexto. Deste modo o professor tem vários anos para aprender as idiossincrasias de cada grupo e a adaptar-lhes a sua abordagem.
Mas o retumbante êxito educativo da Finlândia é devido em larga medida a uma grande, e não assim tão secreta, arma: os professores. "É a qualidade do ensino que impulsiona os resultados finlandeses," diz Schleicher da OCDE. "Os EUA têm um modelo industrial onde os professores são o meio de fornecer um produto prefabricado. Na Finlândia, os professores são o padrão."
Esta é uma das razões por que tantos finlandeses querem ser professores, facto este que cria uma rica reserva de talento que depois pode ser filtrada de modo muito selectivo. Em 2008, o último ano para que há números, 1258 graduados candidataram-se a serem treinados para se tornarem professores do ensino básico. Só 123, ou 9,8%, foram aceites no curso que dura cinco anos. Isto é típico. Há outra coisa: Na Finlândia, é exigido um mestrado a todos os professores. (Os finlandeses chamam a este mestrado um "kasvatus", que é a mesma palavra que usam para uma mãe que cria o seu filho.) O salário anual varia entre cerca de trinta mil e cerca de 45.000,00 euros, e os professores trabalham 190 dias por ano.
"Fica muito caro educar todos os nossos professores em programas de cinco anos, mas ajuda a que sejam altamente respeitados e apreciados," diz Jari Lavonen, chefe do departamento de formação de professores da Universidade de Helsínquia. As pessoas de fora dão-se conta disto muito rapidamente. "Os professores estão muito melhor preparados que nós para ensinar Física, e depois os finlandeses deixam-os trabalhar. Não vale a pena comprar um cão e ladrar em vez dele," diz Dan McIsaac, um especialista na formação de professores de Física na Universidade de Buffalo que visitou a Finlândia por dois meses. "Nos EUA, tratam os professores como entregadores de pizza e depois fazem estudos de eficiência sobre o seu desempenho a distribuir pizzas."
Os finlandeses não têm desde sempre as soluções todas. Nos anos 60, a Finlândia dois sistemas educativos paralelos a seguir à escola primária; os miúdos mais brilhantes iam numa direcção, os outros na outra. As reformas começaram em 1968, abandonando o sistema a duas velocidades a favor dum sistema nacional único. Mas ainda não foi assim que acertaram. "No princípio, não estávamos nada satisfeitos," diz Reijo Laukkanen, conselheiro da Comissão de Educação.
Nos anos 80, a Finlândia deixou de encaminhar os alunos para dois currículos centrados na matemática e nas línguas com base na capacidade de cada um. "As pessoas na Finlândia não podem ser divididas com base na inteligência," diz Laukkanen. "A mudança foi muito benéfica." A seguir, desfizeram-se dos inspectores que supervisionavam os planos anuais de escola. As escolas eram-lhes tão hostis que eles tinham medo de fazer inspecções no terreno.
"A Finlândia é uma sociedade baseada na equidade," diz Laukkanen. "O Japão e a Coreia são sociedades altamente competitivas - se não fores melhor que o teu vizinho, os teus pais pagam para te mandarem para uma escola nocturna. Na Finlândia, ter um desempenho melhor que os outros não é muito importante. Todos estão na média, mas o objectivo é que essa média seja muito alta."
Algumas políticas educativas finlandesas poderiam provavelmente ser exportadas, mas é questionável que o "um por todos e todos por um" que lhe está na base seja aplicável noutras culturas. A Tailândia, por exemplo, está a tentar adaptar o modelo finlandês ao seu próprio sistema. Mas, assim que um aluno começa a ficar para trás, os pais procuram um explicador privado - coisa que seria impensável na Finlândia. A experiência finlandesa da Tailândia funciona? "Nem por isso," diz Lavonen. Tomara que funcionasse, na Tailândia e noutros sítios.
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