The New York Times
Cartoon de João Fazenda
Por ROBERT M. FISHMAN
12 de Abril de 2011
[Tradução: José Luiz Sarmento]
South Bend, Indiana.
O pedido de ajuda com as suas dívidas que Portugal fez na semana passada ao Fundo Monetário Internacional devia servir de aviso às democracias em todo o mundo.
Se continuarem desreguladas, estas forças ameaçam eclipsar a capacidade dos governos democráticos - talvez mesmo do governo americano - tomarem as suas próprias decisões sobre impostos e despesas.
É certo que as dificuldades de Portugal se assememelham às da Grécia e da Irlanda: para todos os três países, a adopção do euro há uma década levou a que tivessem que ceder o controlo das suas políticas monetárias, e o aumento súbito dos prémios de risco que os mercados de títulos atribuem às suas dívidas públicas foi o gatilho imediato dos pedidos de resgate.
Mas na Grécia e na Irlanda o veredicto dos mercados reflectia problemas económicos profundos e facilmente identificáveis. Mas a crise de Portugal é completamente diferente; não havia uma crise subjacente genuína As instituições e as políticas económicas em Portugal, que alguns analistas encaram como profundamente defeituosas, tinham produzido êxitos notáveis antes desta nação ibérica de 10 milhões de habitantes ser submetida a vagas sucessivas de ataques por parte dos negociantes de títulos.
O contágio dos mercados e as descidas das notações, que começaram quando as enormes dificuldades da Grécia vieram à superfície no princípio de 2010, transformaram-se numa profecia que se cumpre a si própria: elevando os custos de endividadmento de Portugal para níveis insustentáveis, as agências forçaram este país a procurar um resgate. O resgate deu poder àqueles que se propunham "salvar" Portugal para forçar políticas de austeridade impopulares, afectando bolsas de estudo, pensões de reforma, o combate à pobreza e todas as formas de salários públicos.
A crise não se deve e Portugal. A sua dívida acumulada está muito abaixo das de nações como a Itália, que não foram sujeitas a avaliações tão devastadoras. O seu défice orçamental é mais baixo do que o de vários outros países europeus e estava a baixar rapidamente graças aos esforços do governo.
E quanto às perspectivas de crescimento, que os analistas assumem convencionalmente que são desoladoras? No primeiro trimestre de 2010, antes de os mercados empurrarem para cima os juros dos títulos portugueses, o país tinha uma das melhores taxas de recuperação económica da União Europeia. Em vários critérios - encomendas industriais, inovação empresarial, resultados escolares e crescimento das exportações - Portugal igualava ou ultrapassava os seus vizinhos na europa do Sul ou mesmo do Oeste.
Então porque é que a dívida portuguesa baixou nas notações e a sua economia foi empurrada para a beira do abismo? Há duas explicações possíveis. Uma é o cepticismo ideológico perante o modelo português de economia mista, com empréstimos públicos às pequenas empresas lado a lado com umas poucas grandes empresas públicas e um Estado Social robusto. Os fundamentalistas do mercado detestam intervenções ao estilo Keynesiano em áreas que vão da política de habitação portuguesa - que impediu a formação duma bolha e preservou a disponibilidade de rendas urbanas de baixo custo - até à ajuda ao rendimento dos pobres.
Outra explicação é a falta duma perspectiva histórica. Os padrões de vida portugueses aumentaram muito depois da revolução democrática de Abril de 1974. Nos anos 90, a produtividade do trabalho aumentou rapidamente, as empresas aprofundaram o investimento com ajuda do governo, e tanto os partidos do centro-esquerda como do centro-direita apoiaram aumentos nas despesas sociais. No fim do século, o país tinha atingido uma das taxas de desemprego mais baixas da Europa. Para sermos justos, temos que reconhecer que o optimismo dos anos 90 deu origem a desequilíbrios económicos e a um despesismo excessivo; os mais cépticos em relação à saúde económica de Portugal fazem notar a sua relativa estagnação entre 2000 e 2006. Mesmo assim, quando a crise financeira global deflagrou em 2007, a economia estava a crescer e o desemprego a baixar. A recessão pôs fim a esta recuperação, mas o crescimento recomeçou durante o segundo trimestre de 2009, mais cedo que noutros países.
As culpas não estão nas políticas internas.O Primeiro-Ministro José Sócrates e os Socialistas no Governo tomaram medidas para reduzir o défice ao mesmo tempo que aumentavam a competitividade e mantinham a despesa social; a oposição insistia que podia fazer melhor e forçou a demissão de Sócrates, preparando o palco para novas eleições em Junho. Isto é o funcionamento normal da política, e não um sinal de descalabro ou incompetência, como alegam alguns críticos de Portugal.
Poderia a Europa ter evitado este resgate? O Banco Central Europeu poderia ter comprados agressivamente títulos da dívida portuguesa. Também seria essencial que a União Europeia e os EUA regulassem os processos usados pelas agências de notação de crédito para avaliar os riscos de um país.Ao distorcer as percepções dos mercados sobre a estabilidade de Portugal, as agências de notação - cujo papel na criação da crise do subprime americano está amplamente documentada - minaram tanto a recuperação económica deste país como a sua liberdade política.
O destino de Portugal constitui um aviso claro para outros países, incluindo os Estados Unidos. A revolução de 1974 em Portugal inaugurou uma vaga de democratização que varreu o globo. É bem possível que 2011 marque o início duma vaga de usurpação da democracia por parte dos mercados desregulados, com a Espanha, a Itália ou a Bélgica como próximas vítimas potenciais.
Os americanos não gostariam muito que uma qualquer instituição internacional tentasse instruir a cidade de Nova Iorque, ou qualquer ontra municipalidade, no sentido de deitar pela borda fora as suas leis sobre rendas controladas. Mas é precisamente este o tipo de interferência que cai agora em sorte a Portugal - tal como caíram em sorte à Grécia e à Irlanda, embora estes países tivessem responsabilidades bem maiores pelo seu destino.
Só os governos eleitos e os seus líderes podem assegurar que esta crise não acabe por subverter o processo democrático. Até agora, parecem estar a deixar tudo aos caprichos dos mercados e das agências de notação.
Robert M. Fishman, professor de sociologia da Universidade de Notre Dame, é co-editor de “The Year of the Euro: The Cultural, Social and Political Import of Europe’s Common Currency.”
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