A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (económico, note-se, e não educativo, como disse, talvez por lapso freudiano, uma jornalista da RTP) publicou um relatório sobre os resultados que os europeus de quinze anos obtiveram numa bateria de testes padronizada. De acordo com este relatório, os jovens portugueses atingiram finalmente a média dos países integrantes da organização. José Sócrates embandeirou em arco: vejam os resultados das nossas políticas educativas! Os nossos jovens sabem agora muito mais!
Perdoem-me a falta de entusiasmo, mas do relatório não é possível concluir, nem que as políticas educativas deste governo levaram a estes resultados, nem que os jovens sabem mais.
Passemos por cima do óbvio, que é o factor tempo: é extremamente improvável que uma política iniciada em 2005 tivesse efeitos tão dramáticos já em 2009 (ano a que se refere o relatório); e é absolutamente impossível que políticas seguidas em 2010 tivessem efeitos retroactivos a esse ano, como alegou hoje José Sócrates no Parlamento. Passemos antes à questão, muito mais importante, da idoneidade do relatório e da isenção de quem o produziu.
A OCDE é uma organização politico-económica. Tem uma agenda politico-económica que se baseia em pressupostos ideológicos bem definidos que não podem deixar de ser tidos em conta. A ideia de que as suas conclusões são puramente técnicas, e portanto indiscutíveis, é uma fraude - uma fraude já nossa velha conhecida, de resto, pelo papel central que tem desempenhado no debate económico. O que a OCDE avalia é, na educação como em muitas outras áreas, a conformidade das opções políticas dos governos com as suas próprias opções políticas.
Subordinar a educação à economia não é uma opção técnica: é política. Subordiná-la a uma concepção particular da economia, favorável a um pequeno grupo social e desfavorável à maioria dos cidadãos, é política de classe.
É por opção política que se desvaloriza o ensino das Humanidades - da História, da Filosofia, das Artes, da cultura clássica - a favor dum utilitarismo imediatista e cego. É por opção política que se desvaloriza o texto literário a favor de formas de expressão mais úteis no curtíssimo prazo mas completamente estéreis quando o prazo é a duração duma vida.
A perspectiva adequada para avaliar a idoneidade do relatório PISA não é técnica, mas sim política; mas, mesmo do ponto de vista técnico, é já perceptível uma que os professores de todo o mundo conhecem bem e tentam evitar: a de trabalhar para o exame em vez de trabalhar para a matéria. Em vez de se ensinar Inglês, Química, Biologia ou História, ensinam-se os alunos a fazer exames de Inglês, Química, Biologia e História. Qualquer professor digno deste nome sabe que isto é um erro, mas José Sócrates não sabe.
E desta ignorância nasce a intenção que anunciou hoje durante o debate parlamentar: reforçar o ensino da matemática, da leitura e das ciências. Ou seja, pôr toda a gente a trabalhar para o PISA.
Este trabalho levará, sem dúvida, a que os conclusões de futuros relatórios sejam ainda mais brilhantes; mas não impedirá que este brilho continue a ser de pechisbeque.
2 comentários:
É preciso dizê-lo!
Subscrevo de cima abaixo. A correlação existe mas a causalidade não está demonstrada. O que eu gostava era que a ideia de que correlação não é causalidade, estivesse sempre presente e não apenas quando dá ( ou não ) jeito a certas agendas. No caso vertente ambos sabemos o que se estaria agora a escrever se os resultados do PISA tivessem piorado, certo ?
Cumprimentos.
Enviar um comentário