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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A "honestidade" e a "coragem" de Medina Carreira

Quem confunde truculência com coragem e descaramento com honestidade atribui facilmente estas virtudes a quem faz carreira daqueles vícios. Há quem encontre um prazer masoquista em ouvir "dizer as verdades" mesmo quando estas "verdades" não consistem em mais que profetizar desgraças futuras esquecendo as presentes.

Diz Medina Carreira: "Gastamos mais do que produzimos", e talvez seja verdade - em média. Diz ele: "Vivemos acima das nossas possibilidades", e talvez seja verdade - mais uma vez, em média.

O que não é corajoso nem honesto é utilizar neste discurso a primeira pessoa do plural. Os corajosos não se refugiam nas médias, os honestos não as instrumentalizam. Os corajosos e honestos afrontam quem pode retaliar, não quem não pode. O discurso de Medina Carreira teria algum merecimento se distinguisse claramente entre quem gasta e quem produz; ou se identificasse os muitos portugueses que vivem abaixo das suas possibilidades para que alguns poucos vivam muito acima das de todos.

Mas para isto teria que dizer nomes, e se os dissesse perderia o tempo de antena que a oligarquia com tanto gosto lhe oferece. E teria que se incluir a si próprio entre os divulgadores da doutrina política - digo bem, política - que tem validado, num mundo a que por ironia chamamos "desenvolvido", os sacrifícios humanos no altar da economia e, para cúmulo, o sacrifício da própria economia no altar das finanças.

Além de cobarde e desonesto, o discurso de Medina Carreira é insultuoso para os portugueses porque os mete a todos no mesmo saco. Eu não me chamo Isaltino Morais, nem Valentim Loureiro, nem Dias Loureiro, nem Jardim Gonçalves, nem Oliveira e Costa; não pertenço às máfias do futebol, da construção civil, do tráfico de pessoas ou da lavagem de dinheiro; e levo muito a mal que uma figura mediática prostitua a sua autoridade de professor de Economia para me misturar com gente dessa.

10 comentários:

Anónimo disse...

Estou 200% de acordo! 100 com o texto, os outros 100 porque já levamos com este emplastro como governante...

Carlos Albuquerque disse...

Caro José Luiz

Parece-me que usa termos demasiado fortes para caracterizar o discurso de Medina Carreira, tendo em atenção os factos que evoca. E com isso acaba por se contradizer.

Passo a explicar: quando diz "Eu não me chamo Isaltino Morais, nem Valentim Loureiro, nem Dias Loureiro, nem Jardim Gonçalves, nem Oliveira e Costa; não pertenço às máfias do futebol, da construção civil, do tráfico de pessoas ou da lavagem de dinheiro;" estou de acordo consigo e poderia dizer exactamente o mesmo. Poderia ainda acrescentar que não me chamo José Sócrates, Jorge Coelho, Rui Pedro Soares, etc.

O que convém não esquecer é que essas pessoas ou são políticos eleitos ou são claramente apoiadas por políticos eleitos. E esses políticos são reeleitos, mesmo depois de se saber o que fazem. Ora nesse caso os eleitores têm que assumir a responsabilidade das suas escolhas. Claro que nem todos votámos nestes políticos mas obviamente a responsabilidade colectiva do resultado de eleições democráticas é de todos.

Neste sentido Medina Carreira tem toda a legitimidade para usar as "médias" que refere.

Realmente é preciso coragem para chamar os portugueses à sua responsabilidade, sabendo que se arrisca a ver o seu nome associado às palavras que o José Luiz usa.

Rui Ferreira disse...

Excelente reflexão.
Obrigado pela partilha.

on disse...

Caro JLS,
vivemos numa cleptocracia.
Muito dinheiro foi desviado.
Para um corrupto ganhar um euro, tem de dar a ganhar cem a alguém.
Convém no entanto dizer que tudo aquilo que foi roubado foi apenas uma parte do que foi pedido emprestado.
Enquanto não nos afectou a carteira, ninguém ligou.
O Medina Carreira foi dos poucos que disse claramente o que aí vinha. Ninguém se dava ao luxo de lhe responder. Bastava adjectivar: "Medina Carreirices".
No mínimo, há que ter a honestidade intelectual de lhe reconhecer esse mérito. Não espero menos do que isso de si.
O resto, fica para outro dia.

José Luiz Sarmento disse...

Caro Carlos:

Quando um texto meu é criticado por alguém cuja opinião respeito sinto-me no dever de o reler tendo em mente essa crítica.

Ao reler o texto encontrei dois momentos em que posso ter-me excedido na linguagem, embora talvez não na substância: são eles o passo em que chamo cobarde ao discurso de MC e aquele em que falo duma prostituição da autoridade científica.

Discordo de si quando diz que é preciso coragem para chamar os portugueses à sua responsabilidade. O único risco que Medina Carreira corre é o de ver o seu comportamento interpretado em termos muito fortes por uma opinião muito minoritária; e este é compensado pelo "risco" muito maior de ser saudado como um herói em qualquer lugar aonde vá.

Mas a ausência de coragem não significa necessariamente cobardia: pode dar-se o caso de Medina Carreira não ver qualquer utilidade em correr os riscos que eu acho, na minha opinião, que ele devia ter corrido.

A ideia de prostituição não pode andar muito longe dos nossos espíritos quando vemos os detentores do saber dar aos do poder, em vez dos conselhos que eles precisam de ouvir, os que eles querem ouvir. E não tenho dúvida nenhuma que foi muito agradável aos decisores políticos e financeiros ouvir conselhos baseados em doutrinas económicas que declaravam impossíveis as bolhas especulativas.

Mas pode ser que Medina Carreira e os seus colegas mais influentes acreditassem sinceramente nestas teorias; e a ser assim não se pode efectivamente falar de prostituição. Mas isto era antes de 2008: hoje, um economista que defenda a austeridade como solução, ainda que provisória, para esta crise, ou está a prostituir o seu conhecimento, ou está em plena dissociação cognitiva.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Caro on, é claro que reconheço a Medina Carreira o mérito de ter previsto uma crise, e além disso o de se ter batido denodadamente para a evitar. O que não lhe reconheço, nem a nenhum economista da escola neoclássica, é o mérito de ter previsto esta crise, que em muitos aspectos é o contrário da que eles esperavam.

Esperavam uma crise provocada por Estado a mais, saiu-lhes uma crise provocada por Estado a menos. Esperavam uma crise provocada pelos "direitos adquiridos" dos cidadãos normais, saiu-lhes uma crise provocada pelos privilégios obscenos duma pequena elite. Esperavam uma crise em que a economia pudesse ser salva pelo rigor financeiro, saiu-lhes uma crise em que está a ser destruída por ele.

Medina Carreira é velho, mas não é tão velho como Alan Greenspan. Se este foi capaz de rever os pressupostos científicos e filosóficos em que sempre tinha baseado o seu pensamento e as suas decisões, porque é que Medina Carreira - que já não tem nada a temer de ninguém - não há-de ser capaz do mesmo?

Anónimo disse...

De todos?! Quantos é que votamos? Porque é que um governo minoritário governa sem coligação e sem oposição após ter tido reinado absoluto? Haverá alguém competente interessado em servir a causa pública da minoria dos portugueses que votaram? Não me parece. Se os portugueses manifestassem interesse pelas suas obrigações cívicas, pelos seus deveres, já teriam aprendido que a libertinagem sexual é dos melhores fait divers que pode haver! Já não me lembro se foi Estaline ou Lenine que preconizou isso, quando as massas se começarem a dedicar de corpo e alma a valores sem valor, reinará o caos, e assim os governantes vão desgovernando a seu bel-prazer. As televisões, nada mais são do que “fazedores” de opinião pública, sobretudo daquele público que não tem opinião.
No final do primeiro trimestre do próximo ano, após o Presidente da República ser reeleito, preparem-se para uma jogada política que vingue o episódio Sampaio – Santana.
Portanto, pelas minhas palavras já se pode depreender o que aconteceu ao respeito pela classe política.
Eu defendo “os princípios acima das personalidades” e há por aí muita personalidade sem princípios.

Carlos Albuquerque disse...

Caro José Luiz

Tenho ouvido e lido MC nos últimos anos. Não consigo reconhecer o que quer dizer com "conselhos baseados em doutrinas económicas que declaravam impossíveis as bolhas especulativas". A economia neoclássica declara impossíveis as bolhas especulativas? MC declara impossíveis as bolhas especulativas? Identifica o pensamento económico de MC com o de Greenspan antes de 2007?

Mesmo que fosse o caso, não faz sentido negar os conselhos de alguém com este argumento. Uma teoria pode falhar num domínio e acertar noutro pelo que não se deve rejeitar em bloco.

Considerando agora os alertas de MC, que vêm de antes de 2007, eles são essencialmente de ordem financeira. Há algumas perspectivas sobre economia mas o que era realmente alarmante era a realidade financeira. Ora o que temos hoje em Portugal é uma crise financeira gravíssima, tal como MC previu. Neste aspecto penso que a crise que temos é exactamente a que MC previu.

Além disso penso que é necessário atender a que na última década a "receita" de aumentar os gastos público para fazer crescer a economia até tem sido aplicada, mesmo em tempos de crescimento económico mundial. Ora o estado lamentável da nossa economia mostra que essa receita não funcionou no Portugal da UE no séc. XXI. E MC até explicava porquê em 2005: porque o dinheiro que o estado injecta na economia vai simplesmente sair e estimular a economia de outros países. Entretanto as dívidas são exclusivamente nossas.

Neste contexto não posso subscrever a apreciação que faz dos avisos públicos de MC. Há riscos sérios em enfrentar José Sócrates e o seu governo. Muitos portugueses têm sido perseguidos por dizerem verdades em público. Eventualmente MC poderá ter uma certa imunidade, mas tem sido certamente vítima de uma campanha mediática de todos os sectores da esquerda, que tentam rapidamente desqualificar o homem para não discutir a mensagem.

Outro aspecto que refere é se MC devia ter ido mais longe. Ora quanto a isto todos nós podemos ser postos em causa. Será que fomos tão longe quanto podíamos para evitar este estado de coisas? MC foi certamente mais longe do que muitos outros que preferiram estar calados ou que, falando, aceitaram cargos no estrangeiro de onde não podiam acompanhar a denúncia que vinham fazendo.

Aliás, se fôssemos por esta linha, eu perguntar-me-ia o que levou BE e PCP a defender o TGV (e outras obras) em Maio, quando a situação financeira do país era crítica. Quando o BE e o PCP apoiam politicamente algo que Ricardo Salgado considera fundamental e que é manifesto que vai tirar capacidade ao estado para prosseguir os seus fins sociais, o que devo pensar?

Em resumo, penso que é demasiado duro na apreciação que faz das posições de MC e que todos teríamos a ganhar se, em vez de pormos em causas as mensagens desqualificando os mensageiros (associando-os a doutrinas económicas com erros), analisássemos as mensagens pelo que elas valem.

Finalmente, obrigado pela sua paciência em discutir tudo isto.

Manuel Rocha disse...

O que mais me incomoda no género de personagem que o senhor em questão tipifica é a desonestidade intelectual que o leva a facturar à opinião pública os créditos dos seus prognósticos acertados para vender a ideia de que a economia é uma ciência exacta alheia à politica e esta estanque a tudo o que a rodeia, nomeadamente à capacidade destas figuras mediáticas para fabricarem as "verdades" que anteciparam como simples consequência de serem capazes de por toda a gente a falar delas. Lá fora também não faltam Medinas Carreira a facturar adivinhações. É o caso do Sr Roubini, por exemplo.
Seria interessante se houvesse alguém com tempo, conhecimento e motivação para se dar ao trabalho de compilar todas as previsões falhadas destes e de outros adivinhos. Talvez então se ficasse com melhor ideia de que entre eles e os painéis de personalidades que nos jornais fazem as previsões para o próximo Benfica-Porto, as diferenças não são muitas.

Eduardo Miguel Pereira disse...

Um país endivida-se por duas razões.

1. Por má gestão dos seus Governantes.

e/ou

2. Por endividamento excessivo das pessoas.

Em Portugal, infelizmente, temos essas duas realidades, e isso é indesmentível. Penso que é por essa razão que MC usa a 1ª pessoa do plural.
Entendo o que o José Luiz quer dizer, sei, sabemos todos, que há uma grande quantidade de pessoas em Portugal que vivem em pobreza efectiva, mas uma boa parte da nossa classe média (sim, ainda temos classe média, ainda !), vive muito, mas muito acima das suas possiblidades, embalados pelo facilistismo do crédito que durante as duas ultimas décadas a Banca nacional tem proporcionado.
Juntando este sobreendividamento das famílias ás ruinosas governações que temos tido, chage-se facilmente ao estado actual.
O que está mal, agora, é que para resolver a questão sejamos apenas nós, o Povo, a ter de pagar a "factura".
E cá estou eu a usar também a 1ª pessoa do plural.