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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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quinta-feira, 15 de abril de 2010

Pobreza, desigualdade e sofrimento económico (3)

III
O Sofrimento Económico

No primeiro artigo desta série defendi que a pobreza não pode ser definida só pelo rendimento ou pelo património, mas inclui também o estatuto social. No segundo artigo, aventei alguns critérios para a definição de um nível de desigualdade económica a partir do qual ela se torne socialmente intolerável. Propositadamente, não declarei que preferia um destes critérios a quaisquer outros, uma vez que o grau de tolerância social, quer à pobreza, quer à desigualdade, varia de sociedade para sociedade e de conjuntura para conjuntura, sem que nunca seja zero e sem que nunca seja ilimitado.

Se a redução da pobreza, medida em termos absolutos e só no aspecto económico, fosse justificação moral ou pragmática suficiente para o modelo neoliberal, então os seus defensores poderiam reclamar vitória- ou melhor, vitórias limitadas e localizadas. Há hoje menos pobres na China do que há trinta anos; em Portugal, a percentagem não mudou durante este período, mas mudou a noção de pobreza: um trabalhador pobre dos nossos dias tem mais acesso à satisfação das suas necessidades básicas do que um trabalhador pobre há trinta anos (embora também tenha, provavelmente, e devido à menor valorização das suas capacidades pessoais, um estatuto social mais baixo). Para que a parte mais pobre duma população saia da pobreza não basta, portanto, que num dado período o seu rendimento disponível aumente em termos absolutos: é necessário que esse aumento seja pelo menos proporcional ao avanço tecnológico e à maior produtividade que dele resulta; é necessário que o aumento de rendimento não seja anulado por uma degradação no estatuto social; e é necessário que o acesso a bens civilizacionais absolutos como o lazer e a segurança económica não seja restringido com base na vontade política de uns poucos. Em suma, é necessário que o aumento do rendimento não seja acompanhado dum aumento do sofrimento económico.

O sofrimento económico não afecta só a minoria dos mais pobres, mas também muitas pessoas cujo rendimento absoluto é médio ou alto. Traduz-se na precariedade do trabalho e do rendimento, nos horários de trabalho incompatíveis com a vida familiar, na sujeição a métodos de gestão neo-tayloristas, na tortura psicológica no local de trabalho (com origem, muitas vezes, não em vícios de personalidade dos quadros intermédios que a praticam, mas em procedimentos cientificamente estudados e decididos ao mais alto nível nas organizações), no consumo, que não pára de aumentar, de medicamentos anti-depressivos e tranquilizantes.

As vítimas mais visíveis do sofrimento económico são, em Portugal, a geração mil-eurista; os trabalhadores precários; as pessoas que desejam ter filhos e não os têm porque o próprio facto de os terem reduziria a probabilidade de os poderem sustentar no futuro; os que têm dois ou três empregos para sobreviver; os que trabalham de graça para além do horário contratado; os que se vêem obrigados a escolher entre um mau emprego e emprego nenhum; os que sacrificam contra sua vontade as suas aspirações, os seus afectos, as suas idiossincrasias, a sua individualidade, a sua dignidade a um trabalho concebido, não como parte da vida, mas como ele próprio a vida. São todos aqueles que, não podendo fazer greve ao trabalho, fazem greve à parentalidade, à família e à intervenção cívica e política. São, em todo o mundo, os que não têm acesso ao trabalho; e são, de entre os que lhe têm acesso, aquela imensa maioria a quem o trabalho não dignifica, mas degrada.

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