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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Viva a Ordem dos Advogados

O Tribunal da Relação absolveu Domingos Névoa, apesar de dar como provados os actos de que era acusado. Para chegar a esta decisão, utilizou um raciocínio legal especioso e rebuscado que, se fizer escola, levará a que nunca mais nenhum corrupto seja condenado em Portugal. Isto, pouco depois de outro tribunal, com base noutro raciocínio igualmente especioso, ter condenado o denunciante, que nunca disse outra coisa que não fosse a verdade, a pagar uma indemnização ao criminoso.

O denunciante queixou-se publicamente desta condenação, como era seu direito. Foi, porém, muito mais veemente na crítica que fez, dias depois, à absolvição do Névoa - crítica esta que qualquer cidadão de bem subscreveria depois de ver na televisão o sorriso alvar do sujeito, todo orgulhoso da sua impunidade.

Não posso acreditar - não quero acreditar - que o poder judicial português esteja activamente empenhado em proteger os corruptos e em punir quem os combate. Já me basta e sobra ter esta desconfortável certeza no que toca os grupos parlamentares do PS e do PSD. Mas a única explicação alternativa que consigo imaginar para estas decisões judiciais é o prazer intelectual perverso de alguns magistrados em defender o indefensável, porventura na convicção de que é isto que os torna "doutos".

E, perante isto, o que faz a Associação Sindical dos Juízes? Pede desculpa à sociedade civil, que clama em vão por justiça? Não: pede a extinção da Ordem dos Advogados. Se alguém tem dúvidas sobre a utilidade das Ordens Profissionais para a sociedade civil, esta reacção sindical - corporativa no pior sentido da palavra - ajudará poderosamente a dissipá-las.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Petição aos chefes de Estado e de Governo dos G20

No site da Attac alemã está a decorrer a seguinte

Imposto sobre as transacções financeiras - o imposto contra a pobreza!

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Aos Chefes de Governo e Estado dos G20

Estimadas Senhoras e Senhores:

Na última cimeira dos G20 em Pittsburgh foi por vós realçada a responsabilidade da indústria financeira pela crise global. O crescimento exponencial dos mercados financeiros e a sua orientação para a obtenção de proveitos especulativos a curto prazo deu lugar ao aparecimento duma economia de casino. No impacto da explosão, milhares de pessoas perderam os seus postos de trabalho. A pobreza aumentou em todo o mundo e o número de pessoas em situação de fome aumentou em 100 milhões.

Os senhores mobilizaram biliões de dólares para salvar os bancos e o sistema financeiro. Em contraste com isto, os problemas sociais mais agudos e a mudança climática não foram tratados com a urgência devida nem dotados dos meios financeiros que são necessários para os encarar. Acredito que é tempo de a indústria financeira, que beneficia há décadas duma regulação insuficiente, tome a seu cargo uma parte proporcional dos custos da crise que ela própria provocou e que nos continua a afectar.

Um imposto sobre as transacções financeiras seria o instrumento mais eficaz para este propósito. Este imposto permitiria:

  • obter meios financeiros que pagassem as consequências sociais da crise e bens públicos globais (como, por exemplo, cuidados de saúde), e combater a pobreza no mundo, assim como as mudanças climáticas,
  • contribuir para uma maior estabilidade do sistema financeiro fazendo recuar a especulação e o excesso de liquidez.
Business as usual – não pode ser! Os senhores têm um encontro marcado na cidade canadiana de Toronto (26 e 27 de Junho de 2010) para discutir reformas no sistema financeiro internacional. Venho pedir-lhes veementemente que decidam nessa reunião estabelecer um imposto sobre todas as transacções financeiras, mostrando assim ao mundo que as vossas palavras se traduzem em acções.

Cumprimentos cordiais


Estas assinaturas serão entregues aos chefes de Estado e de Governo dos G20 durante a cimeira de 26 de Junho em Toronto. Está prevista também a entrega aos chefes de Estado e Governo da UE, uma vez que a posição da UE na reunião dos G20 será especialmente significativa.

A petição pode ser assinada aqui,

aqui pode ser assinado o texto em inglês,

e aqui em português do Brasil.


Nota: traduzi o texto do alemão antes de me dar conta de que existe uma versão melhor em inglês; não vou reformular a tradução, mas aconselho a consulta desta última.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Pobreza, desigualdade e sofrimento económico (3)

III
O Sofrimento Económico

No primeiro artigo desta série defendi que a pobreza não pode ser definida só pelo rendimento ou pelo património, mas inclui também o estatuto social. No segundo artigo, aventei alguns critérios para a definição de um nível de desigualdade económica a partir do qual ela se torne socialmente intolerável. Propositadamente, não declarei que preferia um destes critérios a quaisquer outros, uma vez que o grau de tolerância social, quer à pobreza, quer à desigualdade, varia de sociedade para sociedade e de conjuntura para conjuntura, sem que nunca seja zero e sem que nunca seja ilimitado.

Se a redução da pobreza, medida em termos absolutos e só no aspecto económico, fosse justificação moral ou pragmática suficiente para o modelo neoliberal, então os seus defensores poderiam reclamar vitória- ou melhor, vitórias limitadas e localizadas. Há hoje menos pobres na China do que há trinta anos; em Portugal, a percentagem não mudou durante este período, mas mudou a noção de pobreza: um trabalhador pobre dos nossos dias tem mais acesso à satisfação das suas necessidades básicas do que um trabalhador pobre há trinta anos (embora também tenha, provavelmente, e devido à menor valorização das suas capacidades pessoais, um estatuto social mais baixo). Para que a parte mais pobre duma população saia da pobreza não basta, portanto, que num dado período o seu rendimento disponível aumente em termos absolutos: é necessário que esse aumento seja pelo menos proporcional ao avanço tecnológico e à maior produtividade que dele resulta; é necessário que o aumento de rendimento não seja anulado por uma degradação no estatuto social; e é necessário que o acesso a bens civilizacionais absolutos como o lazer e a segurança económica não seja restringido com base na vontade política de uns poucos. Em suma, é necessário que o aumento do rendimento não seja acompanhado dum aumento do sofrimento económico.

O sofrimento económico não afecta só a minoria dos mais pobres, mas também muitas pessoas cujo rendimento absoluto é médio ou alto. Traduz-se na precariedade do trabalho e do rendimento, nos horários de trabalho incompatíveis com a vida familiar, na sujeição a métodos de gestão neo-tayloristas, na tortura psicológica no local de trabalho (com origem, muitas vezes, não em vícios de personalidade dos quadros intermédios que a praticam, mas em procedimentos cientificamente estudados e decididos ao mais alto nível nas organizações), no consumo, que não pára de aumentar, de medicamentos anti-depressivos e tranquilizantes.

As vítimas mais visíveis do sofrimento económico são, em Portugal, a geração mil-eurista; os trabalhadores precários; as pessoas que desejam ter filhos e não os têm porque o próprio facto de os terem reduziria a probabilidade de os poderem sustentar no futuro; os que têm dois ou três empregos para sobreviver; os que trabalham de graça para além do horário contratado; os que se vêem obrigados a escolher entre um mau emprego e emprego nenhum; os que sacrificam contra sua vontade as suas aspirações, os seus afectos, as suas idiossincrasias, a sua individualidade, a sua dignidade a um trabalho concebido, não como parte da vida, mas como ele próprio a vida. São todos aqueles que, não podendo fazer greve ao trabalho, fazem greve à parentalidade, à família e à intervenção cívica e política. São, em todo o mundo, os que não têm acesso ao trabalho; e são, de entre os que lhe têm acesso, aquela imensa maioria a quem o trabalho não dignifica, mas degrada.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O Prémio de Mexia

Breve episódio televisivo: António Mexia, interrogado sobre o prémio de gestão que lhe tinha sido atribuído, não viu nenhum mal nessa atribuição. Se o premiaram, foi porque mereceu; e se mereceu, foi porque a empresa ultrapassou os objectivos definidos.

Foi ele sozinho que conseguiu isto? - Perguntei-me eu.

Mas entretanto a notícia prosseguia. Apertado pelos jornalistas, não se lembrou de melhor argumento do que uma dos mais velhas armas (e mais repelentes) do arsenal da demagogia: "vestiu a camisola" da empresa e insinuou que a crítica que lhe era feita era um insulto às 12.000 pessoas que trabalhavam nela.

Nesta altura veio-me à cabeça a frase de Samuel Johnson: Patriotism is the last refuge of a scoundrel.

E há os tais 12.000 trabalhadores. Todos eles contribuíram, certamente, em maior ou menor grau. para que os objectivos da empresa fossem ultrapassados. Será que também eles receberam prémios? E se não receberam, porquê?

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Pobreza, desigualdade e sofrimento económico (2)

II
Desigualdade


Durante vários anos, até deixar de ter prazer em polemizar com os blogues neoliberais, houve uma pergunta que fiz repetidamente, sem nunca obter resposta, nas suas caixas de comentários. Não exagero se disser que a fiz centenas de vezes, formulada das mais diversas maneiras, procurando sempre a maior clareza possível. Nunca ninguém me respondeu: nem no "Blasfémias", nem no "Insurgente", nem no mais inteligente e menos famoso de todos: o "Semiramis", infelizmente já desaparecido da blogosfera.

A pergunta, dividida em três alíneas, era esta:

a) Se a desigualdade económica, ao promover a competição, conduz a uma maior produção de riqueza, haverá um nível óptimo de desigualdade que assegure este benefício sem custos que o excedam?

b) No mesmo pressuposto, haverá um nível a partir da qual a desigualdade se torne inútil ou contraproducente para a produção de riqueza?

c) Presumindo a existência deste nível óptimo, como pode ele ser definido - quer em termos quantitativos, quer em termos descritivos?

Nunca nenhum neoliberal me respondeu a esta pergunta. Não me custa a acreditar, no caso dos dois blogues que citei em primeiro lugar, que a não tivessem compreendido, apesar de ela ser perfeitamente clara: não há estupidez mais profunda do que a que resulta da cegueira ideológica. Já no caso do "Semiramis", não pude deixar de notar o incómodo que esta pergunta causava à autora, que aparentemente compreendia a pergunta mas não queria ou não podia responder-lhe.

Há silêncios que são eloquentes. Se alguém, defendendo a desigualdade económica, se recusa a considerar sequer a hipótese de haver um nível óptimo de desigualdade, das duas uma: ou vê o mundo em termos dicotómicos - opondo uma desigualdade arquetípica, inexistente no mundo real, a uma igualdade igualmente arquetípica e igualmente inexistente - ou pensa, mas não quer dizer, que considera a desigualdade económica um valor em si mesma, da qual quanto mais, melhor.

Como George Bush ("I don't do nuance"), também os meus interlocutores neoliberais eram incapazes de, ou estavam indisponíveis para, reconhecer matizes. Sucede, porém, que quem não vive em Nefelococígia pode facilmente verificar, pelo simples expediente de olhar à sua volta, que entre igualdade e desigualdade a variação é contínua. Não faz sentido, portanto - quer em termos morais, quer políticos, quer sociais, quer económicos - discutir politicamente dois arquétipos opostos e intrinsecamente impossíveis como se entre eles não houvesse toda uma gama de possibilidades reais.

A querela entre igualdade e desigualdade encaradas em termos abstractos e absolutos não é uma discussão política: é uma discussão metafísica, se quisermos, ou teológica. A opção política, situada necessariamente no âmbito do possível, só pode ser entre mais igualdade e menos igualdade. E é neste âmbito do possível, que os teólogos do mercado não podem ou não querem ter em conta, que talvez encontrem resposta as perguntas que ponho no início deste artigo.

Ou melhor: resposta não, respostas. Não há um critério único para determinar o grau óptimo de desigualdade económica, mas uma variedade de critérios que poderão levar a soluções diferentes.

Um destes critérios, de um pragmatismo puramente económico, é o seguinte: uma sociedade saudável é suficientemente desigual para que os seus membros sejam motivados a subir na vida, mas não tão desigual que sejam impedidos de o fazer. Por este critério, a Suécia é uma sociedade mais saudável que Estados Unidos da América ou o Reino Unido, uma vez que a ascensão social é estatisticamente mais provável para os suecos do que para os americanos ou para os britânicos.

Um segundo critério é pragmático do ponto de vista social: a desigualdade económica não deve atingir níveis que causem ou agravem disfunções sociais como as que se enumeram neste livro, a que já me referi em posts anteriores.

Um terceiro critério é moral: numa sociedade de abundância não deve ser permitido que ninguém, por mais reduzidas que sejam as suas capacidades ou o seu mérito, desça a um nível degradante de pobreza.

Um quarto critério decorre do imperativo democrático: sendo a riqueza e o poder reciprocamente convertíveis(1), a desigualdade económica nunca deve chegar a um nível tal que dela decorra uma desigualdade política. Mesmo dando de barato a hipótese extremamente improvável, e certamente inverificável, de que há uma boa justificação moral ou económica para que o gestor duma empresa ganhe 466 vezes mais do que a senhora subcontratada que lhe limpa o gabinete, nada justifica que o gestor tenha mais poder sobre si próprio e sobre as políticas da República do que a senhora da limpeza. O gestor não pode ter, como na prática tem, uma prerrogativa de veto sobre os programas políticos que o voto da senhora sufragou.

Estes critérios, e outros que possam ser aventados, levarão provavelmente a que se definam como toleráveis níveis de desigualdade diferentes; mas nenhum deles está perto sequer de justificar as desigualdades obscenas que caracterizam as sociedades actuais.

Quase tudo o que escrevi acima foi sobre a desigualdade económica. Muito mais haveria a dizer sobre a desigualdade social, ou de estatuto - ou seja, desigualdade na integração social, na dignidade pessoal, na liberdade de escolha, na participação política, na influência social e no usufruto do Estado de Direito. Mas isto, que parece outra história, não o é.

(1) Quanto mais êxito uma dada sociedade tiver na redução desta convertibilidade, mais elevado se torna o nível de desigualdade económica que pode sustentar politicamente. Daqui decorre, por exemplo, que para a sociedade portuguesa ser politicamente saudável, corrupta como é, não lhe bastaria atingir um grau de igualdade económica semelhante ao da Suécia, mas teria provavelmente necessidade dum grau de igualdade maior.