Ou será que precisamos? Os livros e os filmes de horror não me interessam quando postulam o sobrenatural: é uma solução de facilidade que não me ensina nada. Mas há - ainda há - a literatura policial. O romance policial parece incapaz de acrescentar horror ao horror, e sê-lo-ia de facto se o horror não se tivesse transformado em espectáculo. Mas os melhores romances policiais podem, como a poesia, devolver a realidade ao real.
O Comissário Brunetti de Donna Leon é um homem decente. Tem uma família a que é dedicado. Os filhos adolescentes procuram viver eticamente num mundo que pouco se rege pela ética. No seu local de trabalho, a Questura de Veneza, há gente corrupta, semi-corrupta ou, como ele, tão decente quanto a decência cabe nos limites do possível. Ainda que nem sempre caiba.
Este é o pano de fundo: Veneza, e o que nela sobrevive de boa vizinhança; Brunetti; a sua família, amigos e colegas; o pequeno comércio, o restaurante sem turistas, o bar da esquina. É contra este pano de fundo que se destaca o horror: e é por vezes um horror sem nome, um horror que o Código Penal não prevê nem pode punir. E que não cabe numa notícia de jornal, porque tem de ser explicado desde a raiz e esta está por vezes muito funda. Como no livro da imagem.
A ficção não é o oposto da realidade. Nem cabe numa escala de factualidade entre a verdade e a mentira. No seu melhor será, se assim quisermos dizer, a verdade possível quando a verdade factual nos ilude. E a esta verdade chamo eu poesia.
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