Mercado do Bolhão, Porto |
A isto seguiram-se violações cada vez mais graves e mais visíveis do Princípio da Confiança e da não retroactividade. Baixaram-se salários - e selectivamente, para mais - tentou-se menorizar o Tribunal Constitucional e defraudar a sua autoridade, retiraram-se direitos consagrados na lei - adquiridos, pois claro! - e, pior que tudo, retira-se a confiança de toda uma população num futuro, qualquer que ele seja.
Emprego estável? Não pode ser, porque o que é preciso é "flexibilidade" e "o emprego para a vida é uma coisa do passado", só desejada por aqueles seres inferiores que são "avessos à mudança". Perspectivas de rendimento crescente? Nem pensar: "a antiguidade não pode ser um posto" e a única coisa que conta é o "mérito", medido não se sabe como mas minuto a minuto. Carreira profissional? Só para quem queira e possa andar a saltar de empresa para empresa, de cidade em cidade, de país em país, à cata de salários cada vez melhores que se revelam, não poucas vezes, cada vez piores. Ter os filhos que se deseja? Mas como, se cada filho representa um compromisso a décadas e o próprio contrato social é a meses?
Sendo assim, cabe perguntar aos nossos economistas, aos nossos governantes, aos nossos filósofos morais, aos nossos polítólogos, aos nossos jornalistas: que confiança é essa que é tão necessário merecer? Queremos a confiança de quem?
Queremos preservar a confiança dos mercados, respondem os sacerdotes do senso comum em coro com os ideólogos do regime.
Mas esquecem-se que os mercados somos nós: os consumidores, os trabalhadores, os depositantes, os contribuintes, os empresários; e a nossa confiança já a perderam há muito tempo. Não a perderam só porque falharam em todas as previsões financeiras que fizeram, mas também porque a corrupção aumentou, as desigualdades se aprofundaram, a qualidade dos nossos decisores se degradou, o espectáculo político se tornou cada vez mais sórdido, as classes profissionais - tão necessárias à construção de qualquer futuro viável - foram enxovalhadas, a natalidade diminuiu, os jovens qualificados estão a emigrar, e nada disto inspira confiança.
E há os mercados externos, igualmente constituídos por pessoas de carne e osso, trabalhadores, aforradores, investidores, empresas - mercados estes cujo comportamento, tal como o do mercado interno, não pode ser previsto com exactidão mas que também veem e leem notícias sobre o que se passa em Portugal. Notícias que não lhes inspiram grande confiança, como a não inspiram aos portugueses. Tal como os portugueses, olham muito mais para o desempenho visível da economia real e das instituições sociais do que para os números, sempre manipuláveis, dos equilíbrios financeiros.
Há ainda os "mercados financeiros", que supostamente só olham para os equilíbrios contabilísticos mas desviam da economia real os olhos pudibundos. Por mim, duvido que não a espreitem pelo menos pelo canto do olho.
Há finalmente (mas estes não fazem parte doutros mercados que não sejam o das ideias) os fazedores de opinião, os economistas de todo o mundo que têm repetidamente afirmado que as políticas austeritárias não funcionam e apresentam o exemplo de Portugal como prova disto. Não é tampouco a confiança destes que os nossos decisores políticos esperam merecer.
Querem manter, então, a confiança de quem? De um grupo relativamente pequeno de pessoas e instituições a que abusivamente chamam "Mercados". Este grupo é constituído por três agências de rating, uns quantos grandes bancos internacionais, as direcções de uns tantos partidos das direitas europeias, o BCE, duas ou três burocracias da UE e o suserano alemão.
Não são os mercados, é um cartel. É a confiança desse cartel que "é preciso manter". Mas estão rotundamente enganados: ao contrário do que nos dizem, o que é realmente preciso é retirar de vez a confiança a esse cartel.
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