Lloyd C. Blankfein, Goldman Sachs |
Os mercados são um dado objectivo da realidade. Deles fazem parte os trabalhadores, os consumidores, os contribuintes, os empresários, os profissionais liberais, os investidores, os depositantes, em suma: todos nós. E aqui encontramos a primeira contradição do discurso oficial: se os decisores políticos querem conquistar para "Portugal" a confiança dos mercados, como se explica que suscitem por sistema a desconfiança, não só de quem constitui "Portugal", como de quem constitui os mercados?
Não se trata dos mercados em geral, dirão, mas sim dos mercados financeiros isoladamente. Mesmo assim, a narrativa não bate certo. Os mercados financeiros podem ser considerados isoladamente, mas não existem isoladamente. Os seus actores podem procurar, e procuram, uma situação de hegemonia sobre a economia real, mas nem por isso deixam de olhar para ela. É do seu interesse reinar, mas não reinar sobre o deserto. Quando os mercados a sério olham para um país, olham para as suas contas mas também olham para a sua economia, para a sua sociedade e para a qualidade da sua governação. Portugal está a falhar em todos estes critérios, incluindo aquele a que tudo o resto foi sacrificado, que é a simples contabilidade.
Alguém acredita, com efeito, que o mundo, o mesmo mundo que olha com tanta atenção para os nossos défices, não olhe com igual atenção para o nosso sistema educativo, para a nossa justiça, para a nossa indústria, para a nossa agricultura, para a inanidade do nosso centrão político ou para as espantosas piruetas e palhaçadas dos nossos governantes?
Temos, dizem, "objectivos" a cumprir. Se os cumprimos, somos recompensados (dizem); se não os cumprimos, somos punidos. Mas nem essa recompensa nem essa punição fazem sentido económico, ou sequer financeiro. Se fazem algum sentido, é político, e a política não trata da distribuição da riqueza a não ser na medida em que ela se reflecte na distribuição do poder, que é o seu verdadeiro e único objecto. Se há alguém no mundo, e há, que nos castiga e recompensa, esse alguém não pode ser os mercados. Restam duas hipóteses: ou estamos a ser condicionados por uma entidade política (digamos, fantasiando um pouco, por um projecto imperial), ou por uma entidade económica, exterior aos mercados, que os distorce ou destrói.
Ou seja, por um cartel. E as reacções de um cartel, ao contrário das dos mercados, são previsíveis: não admira o ar de convicção absoluta com que o comentariado económico nos transmite as ameaças dos "mercados" caso exerçamos de modo "irresponsável" a nossa soberania política.
Nada do que condiciona a acção do governo resulta do funcionamento livre dos mercados. Tudo (excepto certas oscilações de curto prazo) é concertado entre um número elevado, mas finito, de decisores com nome e com cara. Os juros que pagamos à banca e à troika são politicamente determinados: podem e devem ser politicamente combatidos. O próprio montante da dívida resulta de um cálculo baseado em escolhas políticas: só assim se compreende que ela nunca tenha sido auditada e que as auditorias não oficiais deparem com tanta resistência por parte de quem teria, formalmente, o dever de as promover. O que estas escolhas políticas têm em comum, desde há mais de 30 anos, é a vontade de redistribuir maciçamente a riqueza de baixo para cima; e isto, não tanto pelo interesse que os beneficiários desta distribuição possam ter na riqueza em si (há um limite para o número de jactos privados que um bilionário possa desejar) mas muito mais pelo poder político - poder sobre a vida dos outros - que a riqueza extrema e a desigualdade extrema conferem. Não são os mercados, são os cartéis; não é a riqueza, é o domínio feudal.
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