Dizem-nos que vencer esta crise é muito difícil, muito demorado, que só está ao alcance de alguns economistas geniais que trabalharam quase todos, por coincidência, no banco de investimentos Goldman Sachs. Dizem-nos que é necessário seguir à letra as prescrições destes, e não de outros, economistas. Dizem-nos que temos que fazer "sacrifícios" (palavra deliciosamente horrível!) e suportar doses cavalares de "austeridade" (palavra horrivelmente deliciosa!) durante anos ou décadas. Dizem-nos que temos que trabalhar mais horas por semana, mais dias por ano e mais anos ao longo da vida - quando ao nosso lado vemos o vizinho sem emprego.
Tretas.
A crise vence-se tirando o poder a quem ganha com ela e devolvendo-o aos povos soberanos a quem foi usurpado. Seguindo as políticas que economistas como Paul Krugman e Joseph Stiglitz andam a propor com veemência desde que ela começou.
E também punindo os que a provocaram e obrigando-os a devolver os ganhos indevidos. Não estou a falar em justiça revolucionária: tudo isto poderia ser feito ao abrigo das leis actualmente em vigor. Começando por Wall Street e continuando por toda a América do Norte e Europa - com excepção da Islândia, onde já se fez o que era preciso - teriam que se abandonar as doutrinas do too big to fail e too big to jail. Ainda mais difícil que isto seria abandonar a paralisia do too many to jail, já que os crimes cometidos, que foram da fraude ao perjúrio, passando pela falsificação de documentos, cobriram quase toda a gama que as diferentes ordens jurídicas prevêem e punem; e os responsáveis não são só os banqueiros de topo, mas também inúmeros quadros intermédios, auditores, contabilistas certificados, juristas e políticos. São muitos milhares de pessoas que ficariam sujeitas, pela repetição dos ilícitos criminais, a cúmulos jurídicos que resultariam, nos EUA, em várias penas de prisão perpétua para cada uma. Mesmo na Europa, onde a Justiça é muito mais branda, os responsáveis pela crise não se livrariam de décadas de cadeia.
Mais importante que punir os culpados, seria ressarcir as vítimas. Como indemnizar os milhões de pessoas que perderam as suas habitações e os seus empregos, ou viram as suas famílias desagregar-se, na sequência do que talvez seja a maior fraude financeira da História humana? Ver caso a caso quem ficou prejudicado, e em quanto, e entregar a cada um(a) um cheque nesse valor, seria impraticável do ponto de vista logístico. Recorrer à metáfora do helicopter money de Milton Friedman, enviando a cada cidadão da UE um cheque de (por exemplo) mil euros, e a cada cidadão dos EUA um cheque de mil dólares, acabaria com a vertente económica da "crise" de um dia para o outro, mas seria preciso impor regras que obrigassem a oligarquia financeira mundial a assumir prejuízos enormes e a impedissem de voltar a roubar esse dinheiro.
Há passos importantes que estão a ser dados na direcção certa. Em Portugal, um destes passos é a Auditoria Cidadã à Dívida, e um pouco por toda a Europa as várias iniciativas semelhantes.Seria bom que se pegasse pela outra ponta nos países "credores", auditando especificamente os créditos. E, como não podemos contar para isto nem com os governos, nem com a troika, nem com o BCE, teremos que o fazer contra eles. Sem compromissos nem paragens a meio do salto.
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