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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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terça-feira, 31 de julho de 2012

Delenda est Germania não é opção

A "Alemanha" está em guerra contra a "Europa". Entenda-se aqui por "Alemanha", assim entre aspas, não o Povo alemão nem Estado alemão, mas sim a teia de interesses económicos, políticos e financeiros centrada nas oligarquias alemãs e na tecno-burocracia da União Europeia. Desta "Alemanha" fazem parte não apenas os partidos da Direita alemã, a imprensa tablóide alemã, os bancos alemães e o Bundesbank; nem sequer apenas aquela grande fracção da opinião pública alemã que se deixou intoxicar pela propaganda xenófoba contra aos europeus do Sul e pela narrativa que lança sobre eles as culpas duma crise planeada e posta em prática pelas elites políticas, económicas e tecno-burocráticas da Europa e do Mundo. Nesta acepção, Passos Coelho e Rajoy são tão alemães como Merkel, Vítor Gaspar tão alemão como Schäuble, e Barroso ou Van Rompuy mais alemães que os outros todos.

Esta "Alemanha" também se podia chamar "Áustria", em reconhecimento dos seus mestres Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Joseph Schumpeter, Karl Popper ou Peter Drucker. Mas isto seria do mesmo modo um termo de conveniência, e, como termo de conveniência, "Alemanha" funciona melhor. Foi esta "Alemanha", e não o Estado Alemão em si, que moveu e move ainda uma guerra não declarada contra a "Europa".

Também a palavra "Europa" é aqui usada como termo de conveniência. Não inclui, como é óbvio, a totalidade geográfica do continente europeu. Nem inclui as elites políticas e económicas dos Estados da União Europeia ou da Zona Euro, ou as tecno-burocracias de Bruxelas, Estrasburgo e Frankfurt - que são, nos termos que defini acima, "alemãs." Por "Europa" entendo aqui, por um lado, as classes médias e as classes trabalhadoras da União Europeia, incluindo obviamente as alemãs; e por outro lado o projecto de paz e prosperidade partilhada protagonizado por Jean Monnet, Robert Schuman e Konrad Adenauer.

A guerra movida pela "Alemanha" à "Europa" é uma guerra civil que se desenvolve no contexto duma outra guerra, de âmbito mundial, movida pelos "mercados" contra a União Europeia. A crise do imobiliário nos EUA teve repercussões nos sistemas financeiros de todo o mundo. No Verão de 2008, a derrocada do Lehman Brothers sinalizou publicamente a crise e levou os governos a considerar certas empresas - maioritariamente do sector financeiro - como too big to fail. Politicamente apoiados pelos governos, os bancos responsáveis pela crise criaram uma ditadura de credores que lhes permite ressarcir-se das perdas sofridas cobrando tributo aos contribuintes americanos e europeus, restringindo o crédito à economia real e impondo juros artificialmente inflacionados aos devedores mais vulneráveis - nomeadamente àqueles países cuja participação na zona Euro impossibilitava de pôr em prática políticas que lhes permitissem defender-se.

E foi nesta conjuntura que as instâncias políticas da União Europeia tomaram aquela que é provavelmente a decisão mais estúpida - mais traiçoeiramente estúpida - da sua história. Com a União sob ataque externo, no preciso momento em que as mais elementares considerações estratégicas lhe exigiam que reforçasse os sectores mais fracos da sua periferia, escolheu em vez disto atacá-los por trás e deixá-los entre dois fogos.

Em qualquer guerra a primeira baixa é a verdade. A propaganda que a "Alemanha" utiliza contra a "Europa" baseia-se em duas mentiras fundamentais. A primeira é a narrativa do esbanjamento, da indisciplina, da irresponsabilidade fiscal e dos défices crónicos dos países devedores. Esta mentira tem a sua parcela de verdade (mais no que toca a Grécia e Portugal do que no que toca a Itália, a Espanha e a Irlanda); mas esta parcela é imputável às forças políticas e económicas que nestes países constituem a "Alemanha", e não às classes médias e trabalhadoras ou aos contribuintes que constituem neles a "Europa."

A segunda mentira está em que as transferências financeiras necessárias a uma política de crescimento económico constituiria um jogo de soma zero, em que qualquer ganho para os cidadãos do Sul da Europa corresponderia a um prejuízo equivalente para os contribuintes do Norte. Em nome desta mentira, foram rejeitadas todas as políticas que pudessem funcionar como um jogo de soma positiva. Mesmo perante o que já é uma evidência - que os equilíbrios financeiros pro-cíclicos e as políticas de austeridade em vigor estão a resultar num jogo de soma negativa para todos os povos da UE - continua a insistir-se na mentira. Porque esse é o interesse da "Alemanha." Porque esse é o interesse das instituições bancárias de âmbito mundial que formataram e nomearam os ministros das finanças, quando não os primeiros-ministros, e os governadores dos bancos centrais da União Europeia.

Sabe-se sempre como as guerras começam; nunca se pode prever como acabam. A guerra civil entre a "Alemanha" e a "Europa" poderá ter um de muitos desenlaces, dos quais só consigo imaginar três. Num deles, a "Alemanha" entregará à Alemanha um império que esta terá que assumir mesmo que o não deseje. No centro deste império subsistirão, talvez, os vestígios dum Estado Social, mas nas periferias as condições "normais" de vida e de trabalho estarão próximas da escravatura ou da servidão feudal.

Outro desenlace possível é a vitória da "Europa," com o regresso da União Europeia aos princípios fundadores da CEE e com avanços significativos numa integração política legitimada no processo democrático.

Finalmente o mais provável, que é o fim do projecto europeu. A Europa dividir-se-á de novo num mosaico de estados independentes e insignificantes, envolvidos em querelas perpétuas e num constante fazer e desfazer de alianças precárias. E no seu centro, como uma locomotiva enorme à solta no porão dum navio, o monstro inviável que Bismarck criou. Tão elevado será o preço de o destruir como o de deixar que se destrua.

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domingo, 22 de julho de 2012

Para ler à vez

Caí no hábito de ler à vez dois blogues sobre política económica: Kantoos Economics, dum economista alemão de 31 anos, e Yanis Varoufakis, do economista grego deste nome. As entradas de Kantoos são publicadas em alemão ou inglês, com predominância do inglês nas mais recentes. As de Varoufakis são em inglês. 

Os dois blogues entram frequentemente em diálogo, e mais recentemente numa polémica que acabam de dar por terminada. Os comentários pendem, parece-me, mais para o lado de Varoufakis, mesmo quando faz afirmações tão extremas, e tão ofensivas para Kantoos, como "a maioria dos alemães está disposta a incorrer num custo desde que os gregos incorram num custo maior." Interessante é ver como a mesma disciplina académica pode levar a propostas políticas tão diferentes conforme a nacionalidade.

E daí, talvez não. As propostas de política económica também variam muito no âmbito interno de cada país. Será só uma questão de escola? Ou também de classe?

sexta-feira, 20 de julho de 2012

48.800.000 / 1

São mais dois números a acrescentar às contas da desigualdade: em 2008 o património da família Walton, proprietária da cadeia de hipermercados Walmart, era "só" igual à soma da riqueza dos 35 milhões de famílias norte-americanas mais pobres. Hoje, decorridos quatro anos de crise, é igual à dos 48,8 milhões de famílias mais pobres.

Nada nestes números impressionará ou fará mudar de ideias (diz-mo uma longa experiência) um neoliberal convicto. Confrontado com eles, recorrerá a uns tantos argumentos-padrão a favor da desigualdade económica, a saber:

1. A desigualdade económica é benéfica porque desencadeia mecanismos de emulação, estimulando os mais pobres a trabalhar mais e a empreender mais, com benefício para si próprios e para a economia em geral. A desigualdade é, além disso, o preço da liberdade: escolhas diferentes levam a resultados diferentes, e qualquer tentativa de corrigir politicamente os resultados levaria a uma restrição "totalitária" das escolhas individuais, que são "livres" por definição.

2. Os críticos da desigualdade acreditam ingenuamente que a distribuição da riqueza é um jogo de soma zero em que o enriquecimento de uns corresponde exactamente ao empobrecimento dos outros; quando na "realidade" o jogo é de soma positiva, ou seja: o enriquecimento dos poucos apenas reflecte o enriquecimento geral resultante da liberdade dos mercados.

3. A indignação que a desigualdade provoca é apenas inveja; as políticas de esquerda são políticas da inveja que defendem a mediocridade e a preguiça contra o mérito. Se os pobres não gostam de ser pobres, que façam como os ricos.

Quanto ao primeiro destes argumentos, há uma pergunta que fiz centenas de vezes em foruns variados sem nunca conseguir que um defensor do neoliberalismo se comprometesse com uma resposta: Se a desigualdade económica é benéfica, haverá um nível óptimo de desigualdade que permita tirar dela o benefício máximo reduzindo ao mínimo os seus custos? No caso de esse nível óptimo existir, por que critérios pode ser determinado? Sobre estes pontos, o obstinado silêncio dos neoliberais com quem tenho debatido só pode significar que não ousam dizer aquilo em que verdadeiramente acreditam: quanto mais desigualdade, melhor. Uma desproporção de 48,8 milhões para um ainda é pouco, e se fosse de 488 milhões para um tudo correria bem na mesma no melhor dos mundos possíveis. E no entanto há um critério óbvio para definir um limite para a desigualdade económica: enquanto a riqueza e o poder forem reciprocamente convertíveis, ninguém deverá ser tão rico que as suas preferências políticas prevaleçam sobre as escolhas democráticas, ou que a sua liberdade limite gravemente a liberdade dos outros.

Quanto ao segundo argumento: enquanto a riqueza da família Walton aumentou, e a desproporção entre ela e a média das famílias mais pobres subiu de 35.000.000 : 1 para 48.800.000 : 1, a riqueza média dos habitantes dos EUA diminuiu, tendo recentemente ficado abaixo, pela primeira vez na História, da riqueza média dos canadianos. Os neoliberais têm razão quando dizem que a distribuição da riqueza não é necessariamente um jogo de soma zero, mas esquecem-se de dizer que é frequentemente um jogo de soma negativa. É o que está a acontecer desde 2008 nos EUA e na União Europeia. E isto não representa o falhanço das políticas de austeridade recessiva, mas o seu êxito, uma vez que é o objectivo que presidiu à fabricação da crise.

Resta a questão da inveja. Pelo que temos visto, designadamente em Portugal, as políticas da inveja não são típicas da Esquerda, mas da Direita. Não está geralmente na natureza humana invejar quem aparentemente habita outro universo. Os bilionários mediáticos, as estrelas do futebol e da música popular, o jet set, os aristocratas vistosos, os membros das famílias reais suscitam mais admiração e adulação do que inveja. As pessoas invejam o que está próximo delas, não o que está longe: invejam os funcionários públicos por terem empregos mais estáveis (mesmo que os não tenham): invejam os professores por terem mais tempo livre (mesmo que tenham menos); invejam os trabalhadores que se mobilizaram de modo a formar sindicatos fortes e conseguem assim defender-se um pouco melhor contra os roubos e as espoliações de que todos são vítimas. Invejam quem ganha, por hipótese, 4,88 vezes o que elas ganham; mas não invejam, nem condenam, quem tem 48,8 milhões de vezes mais.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Porque é que empobrecemos na era da abundância?

É esta a pergunta que o Alf  faz em título no seu blogue, e que eu aqui peço emprestada.  Não vou tratar aqui a questão que ele tratou melhor do que eu o faria. Sigam a hiperligação, que vale a pena. 
Apenas acrescento: um economista encartado que não considere esta a questão central da sua disciplina pode ser muitas coisas, mas não é um economista. 
E um político que não considere, ao menos como hipótese, a possibilidade de não haver para ela resposta válida pode ter a legitimidade eleitoral que tiver, que nem por isso será menos que um tirano.

sábado, 14 de julho de 2012

Arco da corrupção, arco do poder e manifestações em Espanha

Ao ouvir as notícias sobre as últimas manifestações em Madrid, um pormenor chamou-me a atenção. As pessoas não se foram só manifestar para junto da sede do PP, mas também junto da do PSOE. Parece que os espanhóis, pelo menos os que se manifestam, já compreenderam onde está o problema e começam, tal como os gregos, a não se deixar prender na alternância armadilhada, dita democrática, que ainda prende os portugueses aos interesses dos 0,01%.

14 de Julho


Faz hoje anos que se tomou a Bastilha. Em França. Pensámos que bastava, mas não bastou. Falta tomá-la na Europa.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Disney, Rand, Reagan e Thatcher

Tem sido frequentemente observado que no mundo de Walt Disney não há pais e filhos, só tios e sobrinhos. Isto pode explicar-se pelo extremo puritanismo de Disney: onde não há pai nem mãe, não cabe imaginar o que eles fazem quando estão sozinhos um com o outro. Há também a interpretação psicanalítica: eliminado o complexo de Édipo, nenhuma contestação à autoridade pode radicar no inconsciente. E há finalmente a explicação política: o mundo de Disney é a ilustração da utopia de Thatcher e Reagan. É um mundo sem Estado: a unidade política é a cidade. É um mundo em que as famílias, reduzidas a colecções arbitrárias de indivíduos, não se coordenam para formar uma Sociedade. Sem Sociedade e sem Estado, resta o Mercado totalitário: toda a obediência, toda a deferência e toda a protecção da Lei (porque apesar de tudo há polícias) são devidas ao Tio Patinhas ou ao seu rival Patacôncio, que por sua vez não respondem perante ninguém. É o mundo de Ayn Rand, que nunca teve filhos nem nunca os poderia ter tido sem se destruir como consciência viável. A actual preeminência do Tea Party, ou a incompreensível cegueira do BCE, representam bem o triunfo desta truncada representação do Mundo.

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Reformas Estruturais

O que são reformas estruturais:

  • Facilitar os despedimentos
  • Embaratecer os despedimentos
  • Diminuir a protecção no desemprego
  • Promover a precariedade
  • Baixar os salários
  • Aumentar o tempo de trabalho
  • Transferir soberania para estruturas europeias não sufragadas pelo voto
  • Subcontratar funções essenciais do Estado
  • Cortar nas prestações do Estado.


O que não são reformas estruturais:

  • Combater eficazmente a corrupção
  • Combater eficazmente o rentismo
  • Recuperar o dinheiro perdido a favor da corrupção
  • Eliminar a promiscuidade entre o Estado e as empresas
  • Disciplinar o sector financeiro
  • Denunciar os contratos leoninos com as PPPs
  • Denunciar cláusulas leoninas nos tratados europeus
  • Auditar a dívida pública
  • Auditar a dívida externa
  • Corrigir o défice democrático das instituições europeias
  • Dar meios à Inspecção do Trabalho
  • Dar meios à Inspecção de Finanças
  • Eliminar os 13.000 Institutos públicos que não apresentam contas
  • Aplicar uma taxa sobre as transacções financeiras
  • Incentivar a produção e a procura.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Uma questão de confiança

O Tribunal dito Constitucional declara inválida uma lei em vigor - mas suspende a Constituição para que ela possa continuar em vigor por mais seis meses. A Europa sorri com desdém, mas o melhor está ainda para vir.

Minutos depois, o Primeiro-Ministro da suposta República Portuguesa afixa no rosto a expressão que costuma utilizar para fazer de estadista e declara que vai estudar a maneira de dar a volta à Constituição. Para merecer, diz ele, a confiança dos mercados e dos nossos "parceiros" Europeus. A Europa tenta abafar as gargalhadas.

É a confiança, senhores! Pasmem os Deuses, já que os Homens não pasmam! A pobre criatura quer merecer confiança sem primeiro merecer respeito! E quer que nos respeitem quando nem a nossa própria Constituição somos capazes de cumprir!

A gargalhada alastra de Berlim a Bruxelas, de Bruxelas a Roma, galga rios, escala montanhas, atravessa os Balcãs, ascende ao monte Olimpo. Ride, Deuses, que nós não podemos.

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

O acórdão diz que o confisco dos subsídios de férias e Natal é inconstitucional porque discrimina contra os funcionários públicos e os pensionistas. Em parte alguma do texto se diz a favor de quem é que ele discrimina. A ideia de que discrimina a favor dos trabalhadores do sector privado é já uma interpretação muito conveniente por parte do governo.

Se é intenção do governo "corrigir" esta inconstucionalidade penalizando também os trabalhadores do sector privado, o resultado será inconstitucional na mesma e ferirá na mesma o princípio da equidade. Porque discriminará contra os trabalhadores por conta de outrem a favor dos titulares doutras fontes de rendimento, incluindo entre estes os autores e beneficiários da crise.