A rua é o último reduto da legitimidade democrática; a responsabilidade dos órgãos de soberania está em que ela nunca se torne o único reduto.
É na rua que cai a legitimidade perdida pelos órgãos de soberania quando, por exemplo, excedem ou sofismam o mandato que lhes foi conferido. O eleitorado soberano não passa cheques em branco: toda a eleição representa um contrato e este caduca, total ou parcialmente, se os seus termos - expressos em programas eleitorais, na Constituição, nas tradição democrática, no consenso social - não forem respeitados.
Preservar a sua própria legitimidade é o primeiro dever dos tribunais, dos parlamentos, dos governos. E este dever é tanto mais premente quanto a legitimidade é fácil de perder - não só no termo da duração dos mandatos, por via das derrotas eleitorais, mas na sua vigência, por incumprimento.
As instituições podem perder legitimidade por outros processos, como as transferências de soberania para entidades não sufragadas eleitoralmente. É por isso que as derivas tecnocráticas, pensadas para evitar que o poder caia na rua, acabam, contraproducentemente, por levar a que nela caia a legitimidade.
A esta luz, os acontecimentos recentes na Grécia e, em Portugal, nas instalações do Ministério da Educação ganham uma dimensão que ultrapassa em muito a de meros casos de polícia. E se não são tratadas como tal, é pela má consciência das autoridades, mais conscientes do que ninguém do ponto a que a sua legitimidade está comprometida.