Vários amigos, a quem agradeço desde já, se têm preocupado com a minha longa ausência deste blogue. Tranquilizo os que puseram a hipótese de ter sido por doença: não foi essa a razão. Também não foi falta de assunto, pelo contrário: foram tantas as vezes em que as ideias para artigos se atropelaram que acabaram por não se realizar.
Sobre as razões principais deste bloqueio, eu próprio tenho especulado sem grande êxito. Primeiro pareceu-me que tinha alguma coisa a ver com um certo desencanto, um certo sentimento de inutilidade; mas, para quem acredita, como eu, que na blogosfera as ideias, por se propagarem como vírus, não precisam de grandes audiências iniciais para atingirem grandes audiências finais; para quem, como eu, nunca se preocupou em atingir o maior número possível de leitores mas sim em tornar certas formulações o mais contagiosas possível - a questão da utilidade imediata não se põe com especial premência.
O afastamento da escola teve alguma influência no meu silêncio, sem dúvida: não é possível discorrer sempre no abstracto quando se vai perdendo a ligação ao concreto. A política nacional interessa-me cada vez menos, tanto pela sua irrelevância em relação às nossas vidas concretas como pela mediocridade aflitiva dos seus actores principais. A política internacional interessa-me mais do que nunca, até porque é a esse nível que as nossas circunstâncias individuais se decidem. Mas neste ponto tenho cada vez menos certezas e cada vez mais perplexidades. Porque é que a crise de 2008 causou um abalo tão pequeno na ortodoxia económica vigente? Não sei. Porque é que anda no ar uma expectativa de mudança - mudança esta que não tem nada a ver com a mudança para mais do mesmo que os tonibleres deste mundo nos continuam a prometer? E a propósito: Será Barack Obama mais um nessa longa sucessão de tonibleres, ou será - finalmente! - o artigo genuíno? E porque é que esta impressão que alguma coisa de muito grande está para acontecer é muito mais intensa e nítida nos EUA - garantem-me os meus amigos que lá estudam ou trabalham ou que vão lá frequentemente - do que na Europa, ou pelo menos em Portugal? E esta mudança, a acontecer, será razoavelmente pacífica, ou implicará um cataclismo global - que poderá não ser uma guerra mundial, mas não lhe ficará atrás em mortes, em violência e em sofrimento humano? A violência, por vezes mansa, dos modelos políticos concebidos para manter o triunfo artificial da economia clássica (que nos anos 20 do século passado já estava morta e, aparentemente, enterrada) esteve entre os factores que levaram à primeira e à segunda guerras mundiais; a que catástrofe, ou a que apoteose, levará a crescente deslegitimação dos sistemas políticos organizados para manter em movimento esse zombie que dá pelo nome de economia neoclássica?
Mas mais recentemente tenho-me dado conta de que não foi só o meu desencanto, nem o meu afastamento em relação à escola e à política nacional, nem sequer o meu estado de perplexidade e ignorância em relação à actualidade do mundo, que me levaram a ficar afastado tanto tempo. Foi também o balanço, em parte inconsciente, que estive a fazer sobre o que escrevi até agora neste blogue e sobre a orientação a dar-lhe no futuro. Porei de lado, ainda mais do que até aqui, os rigores e os protocolos próprios da produção académica: se fosse para me ater a eles, matriculava-me num programa de mestrado ou doutoramento em vez de manter um blogue; e os meus leitores, que para me lerem estão ligados à Internet, têm acesso fácil ao Google.
Uma descoberta interessante que fiz durante estes meses foi a de que havia muitas pessoas próximas de mim que frequentavam este blogue, algumas das quais não se coibiram de me verberar pela ausência.
Pois aqui estou de novo. Se não tiver outro assunto, há sempre os livros; e lá ler, tenho lido.
Um dos meus próximos posts será sobre um dos últimos: Decline of the Public, de David Marquand (do qual alguns capítulos são de especial interesse para quem pertence àquilo a que se chama em inglês the professional classes). Ou então uma reflexão inspirada numa frase que ouvi a uma rapariga da geração do meu filho: «Não há afirmação mais castradora do que 'isso é uma utopia'.»
Blogue sobre livros, discos, revistas e tudo o mais de que me apeteça escrever...
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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.
..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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8 comentários:
Sou leitora e divulgadora assídua do seu trabalho. Alguns dos seus textos foram de tal forma importantes, que levaram à troca entre a sinistra criatura e a isabel sorrisos (e esta?)
Quiçá, um dia, lho explicarei pessoalmente.
Um abraço
anahenriques
Saúdo o seu regresso. Embora discorde muitas vezes de si, leio sempre com enorme interesse.
Não partilho essa visão pessimista do futuro dos EUA. O que distingue os EUA é a sua capacidade de regeneração. Os EUA jamais imitarão o modelo social europeu. Foi criado por gentes que desconfiam do Estado e essa é a sua maior força.
Bem vindo de volta. Fazia cá falta - a mim, pelo menos. Não lhe «ralhei» porque parto do princípio de que as pessoas sensatas têm sempre uma boa razão para o que fazem. Agora que as suas reflexões me faziam falta na ronda diária (às vezes semanal) dos blogues, ai lá isso faziam!
«Não há afirmação mais castradora do que 'isso é uma utopia'.»: frase muito interessante.
Como sua leitora fico, de imediato, à espera que escreva sobre o tema.
Pois bem, deixe-me que lhe diga que terão sido poucos os dias durante estes 4 meses que não vim aqui espreitar na expectativa de me cultivar um pouco mais com os seus posts.
Nem sempre comento os posts, mas leio-os a todos, e sempre com interesse.
Saúdo o seu regresso às lides.
Seja bem (re)vindo.
Fico muito contente em saber que o blogue voltou ao activo.
Tenho aprendido muito com este espaço de reflexão e partilha.
Felicito-o por isso. O meu muito obrigado.
http://fiel-inimigo.blogspot.com/2010/08/nao-sei-ja-e-um-bom-comeco.html
Só hoje descobri que voltou.
É bom lê-lo por aqui.
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