Blogue sobre livros, discos, revistas e tudo o mais de que me apeteça escrever...
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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.
..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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segunda-feira, 28 de setembro de 2009
PS: meio milhão de votos a menos
Um facto incontroverso é que o PS perdeu meio milhão de votos. Isto tanto pode ser compatível com a reivindicação duma vitória como com o reconhecimento duma derrota. Tudo depende das causas dessa evolução, que são o que nos poderá permitir prever se estamos perante um acidente de percurso ou perante uma tendência que se prolongará no futuro. E ainda é cedo para analisar essas causas.
Como professor do ensino público, gostaria de poder dizer que os quinhentos mil votos a menos do PS se devem ao pogrom sobre as classes profissionais; mas os professores são só 150.000, menos de um terço dos votos que o PS perdeu; e as outras classes letradas, além de menos numerosas, foram menos hostilizadas.
Como homem de esquerda, gostaria de poder afirmar que a descida se deveu ao Código do Trabalho que o PS traz acorrentado ao tornozelo como uma bola de ferro; mas lá está a subida do CDS, autor original desta lei, para me obrigar a encarar com cautela esta hipótese.
O CDS, por seu lado, gostaria de atribuir a descida do PS à preocupação dos portugueses com a criminalidade, a segurança e a imigração. Esta explicação pode ser parcialmente verdadeira, mas explica menos de metade desta descida.
O mais provável é que os três factores tenham contribuído, em maior ou menor proporção. O único factor que não contribuiu, quase de certeza, é aquele que o PS mais tem invocado: a defesa do bem público contra os interesses particulares. E isto por duas razões: está por provar que os interesses dos profissionais letrados conflituem com o bem público (pelo contrário, há razões para acreditar que têm largas zonas de intersecção com ele); e se há coisa de que o PS não se pode vangloriar é de ter combatido, em nome do bem público, os interesses privados da oligarquia financeira e do capitalismo rentista.
Causas semelhantes costumam ter consequências semelhantes. Se o PS mantiver, na próxima legislatura, os ataques soezes à sociedade civil (demonizada sob o epíteto de "corporações"); se continuar a tomar o partido do capitalismo corrupto contra os cidadãos em geral; e se não der uma resposta às preocupações legítimas do populismo de direita (contribuindo assim para desmascarar a agenda oculta, essa sim ilegítima, que este possa ter); se não der sinais claros de se querer demarcar do centrão dos interesses - a consequência será uma nova descida eleitoral. Talvez não tão acentuada como a que sofreu ontem, que pode ter aproximado o partido do seu núcleo irredutível; mas assim mesmo uma descida.
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Almost Thou Persuadest Me
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Em quem confiaria à guarda o seu dinheiro?
José Sócrates
Manuela F. Leite
Paulo Portas
Francisco Louçã
Jerónimo de Sousa
Tem de sair de casa. A quem confiaria os seus filhos?
José Sócrates
Manuela F. Leite
Paulo Portas
Francisco Louçã
Jerónimo de Sousa
Precisa de ajuda e confiar um segredo a alguém?
José Sócrates
Manuela F. Leite
Paulo Portas
Francisco Louçã
Jerónimo de Sousa
A quem compraria um carro usado?
José Sócrates
Manuela F. Leite
Paulo Portas
Francisco Louçã
Jerónimo de Sousa
Tire as conclusões das respostas que deu e encontrará a pessoa certa em quem votar.
Confiaria na Ferreira Leite no papel de avó. No Sócrates e no Portas, nem pensar. Em papel nenhum.
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Programas eleitorais
As eleições são no mesmo dia em Portugal e na Alemanha. Na Alemanha, prevê-se uma subida significativa da Esquerda; em Portugal também, se pudermos considerar de esquerda o Partido Socialista. Ou, com alguma sorte, mesmo que não possamos.
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Profissionalismo crítico
Não se trata aqui, note-se, de abordar criticamente um economista importante: as universidades existem para isso mesmo. Trata-se de o suprimir, de o eliminar da fotografia, de o reduzir a uma nonperson. Assim como há quarenta anos, nos liceus femininos portugueses, se colavam as folhas do Canto Nono d'Os Lusíadas para que as alunas não o lessem, assim se colam as páginas de Keynes para que não seja maculada a pureza ideológica dos estudantes actuais.
Algo de semelhante se passa noutros ramos de conhecimento. José Sócrates citava há pouco tempo, num debate, a frase de Abel Salazar segundo a qual um médico que só sabe medicina nem medicina sabe. Que José Sócrates não se desse conta que, ao citar esta frase, se estava a condenar a si próprio e ao mundo que ajudou a criar, é problema dele. Mas resta a verdade profunda da frase: um praticante das profissões letradas tem que ser capaz de pensar de fora a sua profissão, os seus fundamentos científicos e epistemológicos e o seu impacto na coisa pública; isto só se consegue a partir das Humanidades, só se realiza na autonomia e implica que o direito do Estado, mesmo democrático, de definir o bem comum não é ilimitado nem exclusivo.
Um economista que só sabe economia, e para mais truncada; um médico que só sabe medicina; um jurista que sabe tudo sobre a letra da lei e nada da sua filosofia; um sociólogo que não consegue explicar o mundo e os homens por outra grelha interpretativa que não seja a sua especialidade; um professor que só sabe a matéria que ensina e a pedagogia que lhe inculcam - são profissionais acríticos e portanto, inevitavelmente, incompetentes; e estão além disso limitados no exercício da sua cidadania.
O processo de Bolonha conduziu a uma subversão e descaracterização da Universidade. Não vou aqui especular sobre quem beneficia desta circunstância, nem acredito que ela resulte duma conspiração centralizada. Direi antes que os governantes que tratam os professores como profissionais acríticos, que os desejam acríticos, sem uma palavra a dizer sobre a ética e a política da sua profissão, são eles próprios produto deste estreitamento intelectual a que dão o nome de modernidade e eficácia.
É isto que explica um Tony Blair, um José Sócrates, uma Maria de Lurdes Rodrigues. É esta barbárie tecnocrática que urge combater em nome dessa coisa incómoda que é a civilização.
domingo, 20 de setembro de 2009
Cinquenta medidas emblemáticas do Bloco de Esquerda
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1. Criação de um complemento social nas pensões mínimas.
Uma pensão é um direito que se ganha trabalhando e descontando. Tanto direito tem a ela um milionário como um pobre. Já o complemento social é um mecanismo de solidariedade e de redistribuição, pelo que só deve ter direito a ele quem realmente precisa. Feita esta ressalva, concordo com a proposta, que pode ser financiada, tal como a seguinte, através dum imposto sobre as grandes fortunas idêntico ao que existe em cada vez mais países europeus.
2. Extensão dos critérios de atribuição do rendimento social de inserção.
Concordo, mas também concordo com a preocupação expressa no outro extremo do espectro político quanto às fraudes e abusos. Haveria lugar nesta matéria a um trade-off político?
4. Rescisão dos contratos de parcerias publico-privadas na gestão de unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde.
Claro que sim. A separação entre Estado e empresas é hoje tão vital para a democracia como há duzentos anos a separação entre Estado e Igreja.
7. Legalização da morte assistida.
De acordo. Cada um deve dispor de si próprio.
9. Legalização das drogas leves.
E das duras também. Por uma questão de princípio: o Estado não tem o direito de criminalizar comportamentos privados; e por uma questão de utilidade: a crimininalização falhou em toda a parte e em toda a linha, criando males muito piores do que os que pretendia eliminar.
10. Integração da medicina dentária no SNS.
Desde que com limites... Não quero ninguém a branquear os dentes à minha custa.
11. Educação sexual efectiva nas escolas, como direito fundamental.
Há tragédias que se devem à ignorância das pessoas em matéria sexual. Esta ignorância deve, portanto, ser combatida. Mas não vamos cair na armadilha de rejeitar a moral judaico-cristã para pôr no seu lugar uma moral politicamente correcta: seria saltar da frigideira para cair no lume.
12. Limitação do número de alunos por turma (máximo de 20 para o primeiro ciclo, 22 para os demais).
Outro trade-off: está muito bem desde que se criem turmas de nível, ainda mais pequenas, para os alunos com maiores dificuldades. Duvido que esta contrapartida agrade muito ao BE.
14. Recusa da deslocalização de empresas com resultados positivos.
Melhor seria penalizar, por via fiscal, a comercialização de bens ou serviços produzidos em Portugal ou no estrangeiro por empresas delinquentes. Mas isto seria matéria para umas eleições europeias, não para eleições nacionais.
15. Proibição de despedimentos colectivos em empresas com resultados positivos.
Outro incentivo à fraude contabilística? É melhor não irmos por aí.
16. Revogação do Código do Trabalho e da sua regulamentação.
Lógico e exequível. A relação de forças entre empregadores e empregados está grotescamente desequilibrada a favor dos primeiros. O aumento da produtividade não resulta em qualquer vantagem para os trabalhadores se estes não tiverem condições políticas para a impor. Pelo contrário, o aumento do custo do trabalho é que obriga as empresas a serem mais produtivas.
19. Criação de um imposto de solidariedade sobre as grandes fortunas.
Outra banalidade que só em Portugal é vista como um bicho de sete cabeças. Deste imposto depende a viabilidade de muitas das outras propostas. Inteiramente de acordo.
20. Direito à reforma sem penalização a quem já cumpriu 40 anos de trabalho e descontos.
Em vez disto: direito à reforma em qualquer idade e com qualquer carreira contributiva. Cálculo do montante da pensão tendo em conta estes factores. Possibilidade de acumular pensão com pensão e pensão com salário, de forma que um reformado com uma carreira contributiva de quarenta anos recebesse algo mais que outro com dez carreiras contributivas de quatro anos (já que este beneficiou de várias antecipações).
21. Constituição de uma Bolsa de Arrendamento, incluindo todas as casas desocupadas que tiveram intervenção pública.
Claro: onde o Estado investiu, os cidadãos devem beneficiar. Ao receber subsídio do Estado, o proprietário está a dividir com os outros contribuintes o seu direito de propriedade.
22. Redução do IVA.
Para bens e serviços produzidos ou comercializados por empresas socialmente responsáveis. Para as outras, aumento drástico.
23. Tributação dos pagamentos em espécie (incluindo usufruto de viaturas de serviço e uso livre de telemóveis).
Acabar com o truque do pagamento em espécie para fugir aos impostos. Acho bem. Nesta matéria, o CDS não tem razão nenhuma.
24. Reforço dos quadros do Ministério Público e da Polícia Judiciária para combater o crime.
Em alternativa, abolição de todos os crimes sem vítima constantes do Código Penal. Alocação dos recursos actuais ao combate dos crimes com vítima. Fim da indústria do combate à droga.
26. Levantamento do segredo bancário para efeitos de verificação das declarações dos contribuintes e do combate à evasão fiscal.
E mais: publicação anual, a exemplo do que se faz na Suécia, duma lista universal de contribuintes de que conste o rendimento declarado e o imposto pago.
27. Fim do off shore da Madeira.
Obviamente.
28. Substituição até 2011 de todas as lâmpadas incandescentes.
Não é preciso. Bruxelas já se está a encarregar disso.
31. Fim do regime dos Projectos de Interesse Nacional.
Só servem para facilitar a corrupção. Foram criados, de resto, com este objectivo. Fora com eles.
32. Cancelamento da construção das barragens do rio Sabor, Tua e Fridão.
Discordo. A independência em relação aos combustíveis fósseis deve ser uma prioridade nacional.
33. Rejeição da privatização das Águas de Portugal.
Não deve haver monopólios privados, ponto final.
39. Consagração de 1% do Orçamento de Estado à cultura.
Pode muito bem ser que a cultura seja a indústria do futuro. Concordo.
43. Franquear a cidadania eleitoral aos cidadãos estrangeiros a viver há mais de três anos em Portugal.
As pessoas devem votar nos países em que vivem, que são aqueles a cujas leis estão sujeitos, e não naqueles de que são naturais.
44. Alargar a cidadania eleitoral aos cidadãos a partir de 16 anos.
Desde que tenham cumprido com aproveitamento (e não apenas com "sucesso") a escolaridade obrigatória.
45. Alargamento do casamento civil a todos os cidadãos e todas as cidadãs.
Discordo. Proponho em alternativa a abolição do casamento civil.
46. Alargamento da possibilidade de adopção e acolhimento de crianças por parte de todos os cidadãos e cidadãs, sem exclusões com base na orientação sexual.
Concordo.
49. Saída de Portugal da NATO.
Não é nada de impensável. Nas próprias cúpulas da NATO se põe hoje em questão a actualidade da aliança.
50. Pôr termo à cedência da base das Lajes aos Estados Unidos.
Discordo. A Líbia está aqui ao pé e tem mais poder militar que nós.
sábado, 19 de setembro de 2009
Para acompanhar as eleições na Alemanha
Elegeram o Barroso mesmo a tempo de manter a direita no poder na Europa.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Voto útil, voto convicto e franquia democrática
Posto isto, gostaria de passar a uma questão menos imediata que a reflexão sobre esta tabela me suscitou, e que se prende com o facto de um eleitor de Lisboa ter de facto mais escolhas do que um de Vila Real. Se ambos votarem convictamente PS ou PSD, o problema não se põe para eles: o voto do transmontano contará tanto como o do lisboeta. Mas noutras situações o voto do transmontano contará menos: se quiser votar contra o PS e for de esquerda, só o poderá fazer votando à direita.
Um eleitor de Beja ver-se-á numa situação semelhante: o único voto certamente útil contra o PS será na CDU, mesmo que o nosso hipotético eleitor se situe à direita no espectro político. O alentejano de direita estará numa posição ligeiramente melhor que o transmontano de esquerda, uma vez que há alguma possibilidade, embora reduzida, de o seu voto no PSD ter a influência que ele deseja no resultado das eleições.
O que é inegável, porém, é que a franquia democrática não é igual para todos os eleitores portugueses. A uns é dado fazer coincidir o voto útil com o voto convicto, a outros não é dada esta possibilidade.
Dir-me-ão que este entorse na democracia não tem solução, uma vez que resulta inevitavelmente da aplicação do método de Hondt a círculos eleitorais de dimensão muito diferente. Não é verdade: a franquia democrática em débito podia ser facilmente devolvida aos eleitores residentes em círculos mais pequenos se fosse criado um círculo suplementar nacional, no qual fossem contabilizados todos os votos sobrantes nos restantes círculos. Por votos sobrantes entendo todos os que não são convertidos em mandatos, incluindo os que os partidos que têm a mais que o necessário para os mandatos obtidos.
Esta solução, além de tornar a representação parlamentar mais proporcional ao voto popular, tem o efeito raramente mencionado, mas incomparavelmente mais importante, de fazer com que o voto de um português valha o mesmo que o de qualquer outro.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
Políticas de direita e bandeiras de esquerda
O PS português e o PSOE foram os únicos partidos do Grupo Socialista Europeu a votar pelo candidato do neoliberalismo e do ataque aos direitos sociais (com a honrosa excepção de Ana Gomes). Isto envergonha-me como português e como homem de esquerda.
A história, nojenta que baste, resume-se assim:
O PS de Sócrates passa quatro anos a fazer políticas de direita. Ao fim destes quatro anos, começa a agitar bandeiras de esquerda na esperança de reconquistar alguns dos votos perdidos. E, ao mesmo tempo que agita estas bandeiras, elege Durão Barroso.
Porra, há limites para tudo!
(Revisto e corrigido às 12:52)
sábado, 12 de setembro de 2009
Uma Escola na Suíça
Atravessada a zona onde se situam os campos de jogos e os edifícios mais antigos, e transposta uma ponte pedonal sobre um ribeiro, chega-se ao edifício principal - uma construção moderna, ampla e confortável. O rés-do-chão consiste numa zona ampla e num conjunto de gabinetes e salas de trabalho para o reitor e para os professores. À entrada estão os cabides e os suportes para os alunos deixarem os agasalhos e os sapatos. Mais ao fundo, uma mesa de bilhar, outra de ping-pong e alguns sofás.
O facto de os alunos andarem obrigatoriamente descalços ou de chinelos de pano tem várias consequências positivas: para começar não estragam o revestimento do chão, que é caro e de boa qualidade; em segundo lugar, é mais difícil andarem aos pontapés às coisas ou uns aos outros; em terceiro lugar, é-lhes mais difícil, sobretudo no Inverno, abandonar subrepticiamente as instalações da escola; e finalmente faz com que se sintam mais "em casa". Aos professores é dada mais latitude, mas a tendência é para não usarem na escola o mesmo calçado que usam na rua. E nunca vi , nem nesta escola, nem noutras, uma professora de saltos altos.
Por trás do edifício, e prolongando-se até à margem do rio, há uma zona verde pertencente à escola. Entre esta zona e os espaços verdes que pertencem à cidade não há solução de continuidade: das janelas das salas de aula é frequente ver pessoas a passear os cães ou famílias a andar de bicicleta.
Subindo do rés-do-chão para o andar onde se situam as salas de aula, passa-se pela sala de informática. Nesta escola dá-se o caso de os computadores serem todos da Apple, como noutra seriam de outra marca: assim o decidiu a escola, autonomamente. Na Suíça não há Ministério da Educação nem qualquer outra entidade central que negoceie os equipamentos com as empresas da sua preferência. Ao longo do corredor está uma representação à escala do Sistema Solar: num dos topos, um segmento de círculo, pintado a amarelo a toda a altura duma parede, representa o Sol; esferas suspensas do tecto representam os nove planetas. Na parede do corredor, uma vitrina com espécimes embalsamados de animais exóticos: escorpiões, tarântulas, aves de rapina.
Cada sala tem a sua biblioteca de referência, organizada de acordo com as necessidades do professor responsável e dos alunos que lá têm aulas. Nas estantes ao fundo estão os manuais escolares dos alunos, que não são comprados pelas famílias nem dados pela escola: são emprestados no princípio de cada ano lectivo e devolvidos no fim, havendo lugar a pagamento apenas no caso de não se encontrarem em bom estado. Na minha havia, além disto, um retro-projector, um conjunto completo de mapas que se podiam fazer descer do tecto por meio dum mecanismo eléctrico: mapas políticos e físicos da Suíça, dos continentes europeu, americano, africano e asiático, e dos oceanos Índico e Pacífico. Nas paredes, uma fotografia de satélite do cantão de Aargau e dois posters com os peixes e as aves autóctones da região.
À hora em que eu começava as minhas aulas - 15:30 0u 16:30, 13:00 às quartas - a escola já está deserta de professores, com excepção de algum que ainda por lá esteja a preparar o trabalho do dia seguinte. Mas não está deserta de alunos: todos têm acesso ao ginásio e aos campos de jogos, supervisionados apenas pelo Hauswart (porteiro ou administrador, traduzindo por grosso; mas a palavra em português não reflecte a importância desta personagem, cuja autoridade quase se iguala à do reitor). Alguns alunos mais velhos têm acesso sem supervisão a outras partes da escola, à sua responsabilidade e dos seus pais.
O currículo inclui poucas disciplinas. Como língua materna, estuda-se o alemão-padrão, que é o da Alemanha. Os alunos chamam-lhe Schrifttütsch, ou "alemão escrito", por oposição ao Schwytzertütch, ou "alemão suíço", que é a língua que eles falam em casa. No ensino da língua materna é ainda frequente o recurso a cópias, ditados e redacções, e isto até ao equivalente do nosso 9º ano.
Surpreendentemente, o francês e o italiano, que são as duas outras línguas oficiais da Suíça, raramente fazem parte do currículo por mais que um ano ou dois. O ensino do inglês inclui aqueles métodos tradicionais que em Portugal são verboten: gramática normativa, cadernos de significados, traduções, ditados e retroversões. Não há, obviamente, nada que se pareça com a disciplina de Técnicas de Informação e Comunicação de que os governantes portugueses tanto se orgulham. Não é que os suíços não reconheçam a importância de capacidades instrumentais como a que esta disciplina pretende desenvolver; é que entendem que estas capacidades se transmitem melhor no âmbito de disciplinas que são fins em si mesmas, como a língua materna e a matemática, e em resposta às necessidades específicas que surgem no trabalho com estas matérias.
Com uma carga lectiva e curricular muito mais leve do que a que se verifica em Portugal, é possível ter turmas mais pequenas sem recrutar um número excessivo de professores. Além disso, na Suíça não há Ministério da Educação nem nenhuma outra estrutura central que ocupe milhares de "professores de gabinete" , como os que em Portugal não dão aulas mas contam para a estatística. A ausência desta estrutura leva a que não haja uma teoria pedagógica oficial imposta a todas as escolas.
O efeito de normalização deve-se a um consenso generalizado entre pais, professores e comunidades locais que resulta em escolas razoavelmente semelhantes entre si, e bastante mais "conservadoras" do que aquelas a que estamos habituados. Mas o contrário também se verifica: um pequeno número de escolas suíças segue teorias pedagógicas de vanguarda, algumas delas tão extremas que, comparado com elas, o "eduquês" parece prudente e conservador.
Uma vez vieram ter comigo os pais de um aluno que tinha graves problemas de aprendizagem. Estavam a pensar pô-lo numa escola Waldorf (doutrina pedagógica baseada nas teorias antroposóficas de Rudolf Steiner). Apesar do meu extremo cepticismo em relação à antroposofia, não os desencorajei - e a verdade é que o miúdo começou a aprender melhor. Isto não me converteu à antroposofia, longe disso - mas ensinou-me que qualquer pedagogia funciona se a expectativa do aluno, dos pais e dos professores for que ela funcione. E talvez nenhuma funcione na falta desta expectativa.
Se assim for, então nenhuma pedagogia oficial pode funcionar - porque as pessoas têm expectativas diferentes. E consequentemente os Ministros da Educação são como as traduções: mesmo quando são bons, são maus.
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
Debate Louçã - Portas
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
Quem tramou Manuela Moura Guedes?
1. O Governo e/ou o Partido Socialista pressionaram a direcção da TVI com propósitos censórios.
2. A Direcção da TVI praticou auto-censura para não desagradar ao Governo.
3. A Direcção da TVI decidiu por critérios puramente empresariais.
4. A decisão foi tomada em Madrid para favorecer o PS.
5. A decisão foi tomada em Madrid para proteger Zapatero.
6. A decisão foi tomada em Madrid para tramar José Sócrates.
7. Foi um facto político criado por adversários do PS para deixar ficar mal o Governo.
Há argumentos a favor e contra cada uma destas hipóteses.
Contra a primeira, tem-se dito que ninguém no PS seria tão estúpido que fosse dar assim um tiro no pé. A favor dela, pode-se argumentar que não é raro, em política, pessoas inteligentes (e Sócrates não o é especialmente) cometerem erros de tal maneira estúpidos que causam vertigens; que nunca é de pôr de parte, em nenhuma organização, a possibilidade de algum colaborador estupidamente zeloso tomar uma iniciativa isolada que prejudique gravemente a estratégia delineada; e que é possível, pelo menos em tese, que a matéria em causa fosse de tal gravidade que o tal tiro no pé fosse, para o PS, um mal menor.
Contra a segunda hipótese, pode-se perguntar porque é que a direcção da TVI, depois de fazer tudo para atacar o actual Governo, sentiu tão súbita necessidade de lhe agradar. A favor dela há a possibilidade de lhe ter sido feita uma oferta daquelas que não se podem recusar, mas neste caso estaremos a regressar à primeira.
Contra a terceira, cabe perguntar que critério empresarial foi esse, tão urgente que não pudesse esperar três semanas.
A quarta hipótese não tem nada, que eu saiba, que a sustente ou desminta: é apenas uma possibilidade.
A quinta tem contra ele o ser um pouco rebuscada, mas em política nunca se sabe.
A sexta tem contra ela a dificuldade de imaginar uma razão pela qual a Direcção da Prisa quisesse tramar Sócrates ou o PS; é mais plausível, para quem tem, como eu, informação insuficiente, que o quisesse ajudar.
Contra a sétima milita o facto de não sabermos que vias teria a oposição ao seu dispor para pressionar a direcção da TVI; a favor dela milita a resposta que parece mais óbvia à pergunta quid bonum.
Considerar uma hipótese mais provável do que as outras seis pode ser resultado duma intuição ou de um parti pris; mas isto é bom para cada um se convencer a si mesmo, não para convencer mais ninguém.
Certo, certo é que nenhum dos intervenientes, ou hipotéticos intervenientes, nesta lamentável história é flor que se cheire. É um daqueles casos em que nem mesmo os inocentes merecem a comiseração ou o apoio do cidadão comum. Fosse diferente a correlação de forças, ou a circunstância, ou a oportunidade - a vítima e o criminoso, quaisquer que eles sejam, facilmente trocariam de lugar.
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
Eu sou professor, e o Carlos Santos não me convence a votar PS
Em relação a este post, são vários os reparos que tenho a fazer.
A primeira afirmação que acho problemática é a de que um professor deve ser um agente activo de mudança. Não porque a considere falsa, mas porque não se pode falar em mudança sem perguntar em que direcção se quer mudar, e isto implica que o professor, para ser agente de mudança, tem forçosamente que ser um crítico das várias mudanças propostas. Acresce que a mudança, na ética docente, é um devir, e por isso inseparável da transmissão de um património. O professor, mormente o do ensino básico ou secundário, assegura a ligação entre o passado e o futuro: esta, e não a mudança pela mudança, é a função e a razão de ser da escola. Mais do que agente de mudança, o professor deve ser agente de progresso.
Como professor, vejo este governo a dar muita importância à mudança e nenhuma ao progresso; e esta é a primeira razão porque não voto PS.
Concordo que a escola não deve ser instrumento de estagnação social ou de perpetuação de injustiças; mas a injustiça perpetua-se precisamente quando se cai no a-historicismo, isto é, quando deixa de se ver o passado como suporte do futuro. Uma sociedade que vive num eterno presente é uma socidade de faraós e fellahs.
Para os bons professores, a metáfora adequada à escola não é o círculo que tem um centro, mas a elipse, que tem dois focos. Não "centram" a escola, nem no aluno, nem em si próprios, porque sabem que a escola acontece onde houver um professor e um aluno e tudo o resto é acessório. Nem a "centram" no conhecimento, porque este ocupa toda a elipse e não um ponto dela.
O bom professor dá importância às tecnologias da informação e da comunicação, mas não faz delas fetiche. A informática é uma tecnologia, um pau a riscar o chão é outra. Para ensinar certas matérias (por exemplo, os movimentos dos planetas) um modelo móvel em três dimensões, tal como se pode criar num programa de computador, é de indubitável utilidade; mas para ensinar outras (por exemplo, o teorema de Pitágoras), tanto faz usar meios informáticos como riscar o chão com um pau. O bom professor sabe que qualquer tecnologia é apenas um meio, e não a trata como se fosse um fim em si mesma.
Ora um dos critérios da avaliação que este governo impôs aos professores é a utilização de determinadas tecnologias em detrimento de outras. Neste âmbito, como noutros, o governo impõe os meios sem determinar os fins: não faz o que lhe compete mas usurpa o que compete aos professores. Também por isto não voto PS.
A questão do inglês é interessante, até porque segue a mesma lógica de fetichização dos meios em detrimento dos fins. Que a utilidade imediata do inglês é, para a generalidade das pessoas, maior do que a de outras línguas estrangeiras, é óbvio e não se contesta; mas para o indivíduo o turco pode ser mais útil: por muito grande que seja a oferta de emprego para quem saiba inglês, pode muito bem ser que a procura seja maior; e por muito pequena que seja a oferta para quem souber alemão, francês, russo, árabe ou turco, pode acontecer que a procura seja ainda mais pequena. No agregado, a utilidade do inglês é maior; caso a caso, pode ser maior a utilidade de outras línguas. Por isso, a finalidade do ensino das línguas não deve ser a utilidade imediata, mas o contributo deste conhecimento para o desenvolvimento intelectual do aluno. O que conta não é tanto saber inglês como saber pelo menos uma língua estrangeira - e isto, não na sua vertente técnica, que é a mais pobre, mas sim na sua vertente cultural. A este propósito seria útil que os nossos responsáveis políticos pela educação visitassem as escolas finlandesas onde o ensino é todo ministrado em francês, japonês, russo, húngaro - conforme o projecto educativo que autonomamente elaboraram - e as duas línguas oficiais do país são ministradas em plano de igualdade como se fossem línguas estrangeiras. O problema com o plano de ensino do inglês não é a sua demasiada ambição, mas sim a sua ambição insuficiente. Também neste aspecto as vistas do governo se revelam curtas e a fetichização dos meios notória.
Nem a informática, nem o inglês, nem a capacidade de pesquisar a web são más opções - a não ser na medida em que se possam substituir às competências mais gerais de gerir informação, pensar a linguagem e pesquisar dados sob qualquer forma em que se apresentem. Quem sabe pesquisar numa biblioteca, sabe pesquisar na web: só lhe falta aprender a mexer nos botões. O problema dos professores no terreno não está em os alunos não saberem mexer nos botões, está em não saberem distinguir entre informação válida e não-válida, estruturada e não estruturada, entre citação e plágio. E se, quanto aos pontos anteriores, não é possível apelar para a experiência directa de um professor universitário como o Carlos Santos, o mesmo não é o caso quanto a este.
Compreendo que a disciplina e a assiduidade dos alunos sejam problemas que não dizem muito a um professor universitário - os estudantes são adultos e se faltam ou estão desatentos o problema é deles - mas para um professor do básico ou do secundário são absolutamente vitais. Dar o teste mais uma vez não é apenas um "incómodo" para o professor: é tempo que ele retira, por causa da acção irresponsável de um aluno, ao trabalho com os outros. Por isso é que também o Estatuto do Aluno presentemente em vigor me leva a não votar PS.
A acusação de facilitismo não desvaloriza o trabalho nem do professor, nem dos alunos. Ninguém é responsável pelo que lhe é imposto. As excessivas facilidades resultam, não da acção de professores ou alunos (que nem sequer foram consultados), mas duma vontade política que não pode ser escamoteada. Porque me oponho a esta política, não voto PS.
O governo é contra as reprovações ou retenções, dizendo que não são a melhor solução. Eu até concordo: não são a melhor solução, são a segunda melhor. O problema é que este governo, tâo "determinado" e "corajoso", não se atreve a propor a melhor, que são as turmas e as escolas de nível. O governo quer sol na eira e chuva no nabal; porque sei, por "longa experiência e honesto estudo", que isto é impossível, não voto PS.
Mas fique o meu amigo Carlos Santos descansado, que também não voto PSD.