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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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terça-feira, 30 de novembro de 2010

As ideias são como as cerejas.

O economista independente João Rodrigues do Ladrões de Bicicletas (acho a designação "independente" mais exacta, na conjuntura, que "alternativo" ou "heterodoxo") tem ultimamente usado muito a expressão "economia do medo". Vislumbro nesta economia o medo que Alexandre O'Neill profetizava, já em 1960, neste poema que transcrevo:


POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
......... (assim assim)
escriturários
.... .... (muitos)
intelectuais
........ (o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo

(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

.......... *

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos




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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Poema

.

na noite as ondas são a própria noite

que se levanta imaterial e negra

e nos ataca, rítmica, as muralhas.

as filas são cerradas

......................... e avançam

uma após outra; agitam os pendões

brancos de espuma; e não são de paz.

.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Contra os "criadores" de riqueza

Não, não ensandeci; nem se apoderou de mim um ódio irracional contra os empresários que produzem riqueza. Não nutro senão simpatia pelo padeiro e pelo talhante de Adam Smith.

Mas há os que "criam" sem produzir. Criar é fazer surgir a partir do nada: e, com efeito, a crise que vivemos foi criada por gente que fez surgir do nada dólares e euros. Com os dólares e os euros, ficaram eles; os outros ficaram com o nada.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Os heróis do dia foram os trabalhadores precários

Ontem à noite diziam os "especialistas" que não se previa grande adesão à greve no Metro do Porto. Não explicitaram, talvez por pudor, o fundamento desta previsão, mas não era difícil de adivinhar: a empresa apoia-se fortemente no trabalho precário.

Mas hoje de manhã, olhando pela janela, não vi circular nenhuma composição. Afinal não tiveram medo, pensei. Depois, saindo de casa em direcção ao centro do Porto, só vi um autocarro a circular, e o trânsito de automóveis não estava mais complicado do que de costume: o número de pessoas a tentar chegar aos empregos nos seus automóveis particulares não estava a causar engarrafamentos. Pareceu-me que o sector privado estava a aderir bem.

Mas quero referir-me especialmente aos trabalhadores precários. Não sei ainda se foram muitos ou poucos os que aderiram à greve, mas sei que foram alguns. Sei também que as suas organizações marcaram uma presença bem visível na luta.

Isto é novo, e talvez marque uma viragem. Não quero tirar mérito aos trabalhadores do sector público nem aos do sector privado que aderiram à greve; e muito menos quero acusar seja do que for os precários que o não puderam fazer.

Mas cada trabalhador precário que fez greve vale por uma multidão, e devia ser contabilizado como tal.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Claro que vale a pena!

Se uma greve tivesse que ter sempre efeitos imediatos e espectaculares, nunca valeria a pena fazer greve nenhuma; e não estaríamos hoje a combater a estratégia do capital de voltar ao século XIX pela simples razão que nunca de lá teríamos saído.

O efeito das lutas sociais é cumulativo. Mas, para quem faz questão de que a Greve Geral tenha efeitos imediatos, aqui está um: mostrar que "a rua" também tem meios de fazer chegar a sua mensagem aos "mercados."

Quem diria!

Entrámos na CEE e continuámos na UE convencidos que assim se europeizaria Portugal. E afinal a Europa é que se está a portugalizar.

domingo, 21 de novembro de 2010

José Sócrates lê o Capitalismo de Casino


O livro que o Primeiro-Ministro tem nas mãos, com a capa num ângulo tão conveniente para a fotografia, é o Casino Capitalism do economista alemão Hans-Werner Sinn. Quem lho terá recomendado? O sr. Jean-Claude Trichet, que, apesar de o ter elogiado em termos tão encomiásticos, ainda não deu qualquer sinal de ter aprendido com ele? O seu antigo professor de inglês técnico, como treino de leitura? Algum economista da ala esquerda do PS, se é que ainda os há? E será que ainda um dia o veremos a ler Os Donos de Portugal?

Nahh. Cá para mim, quem lhe pôs nas mãos este volume tão fotogénico foi um consultor de imagem. Talvez o mesmo, quem sabe, que pôs o sr. David Cameron a ler The Spirit Level.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Os Donos de Portugal e os Donos da Notícia

Por vontade dos donos da notícia, Os Donos de Portugal seria um fracasso de vendas. Numa pesquisa sumária encontrei nos media apenas duas referências a este estudo: Um resumo alargado na Visão e um artigo de Óscar Mascarenhas no DN, significativamente intitulado Os Donos do Silêncio. Tanto quanto sei, este silêncio rigoroso foi observado até pelo Professor Marcelo, que não é propriamente um homem circunspecto.

Em contrapartida, encontrei centenas de referências na blogosfera, incluindo muitos sites que não conhecia e fiquei a conhecer. Talvez isto explique o facto de o livro estar esgotado na FNAC quando o tentei comprar pela primeira vez, e de estar em terceiro lugar numa tabela de vendas da Bertrand, logo a seguir a'O Anjo Branco de J.R. dos Santos e Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro de C. Moreno. Feito notável se considerarmos que dos três títulos, só o primeiro foi objecto duma campanha de divulgação intensa por parte da comunicação social; e um feito que ajuda a explicar a hostilidade à blogosfera que o comentariado português, oficial ou oficioso, ocasionalmente exprime. Os "donos da notícia" referidos por Elsa Costa e Silva são no geral as mesmas pessoas que integram os "donos de Portugal", e não gostam muito de ver circular informação que não controlam.

Não é teoria da conspiração, é conspiração mesmo: uma conspiração do silêncio sobre um livro suficientemente importante para poder influenciar durante várias décadas o debate político em Portugal. A identificação e caracterização da oligarquia portuguesa, a análise pormenorizada dos seus comportamentos económicos e opções políticas, são um gato que não voltará a entrar no saco; e, por mais que o escondam, ele continuará a miar e a dar sinal de si. O tema da oligarquia veio para ficar, e a partir de agora nada será como dantes no debate cívico em Portugal.

Há duas coisas que Os Donos de Portugal não é: não é um livro descomprometido politicamente, mas também não é um panfleto político, ideológico ou partidário. Se fosse um panfleto, seria fácil de atacar: qualquer dos nossos "fazedores de opinião" se sentiria com forças e competência para o fazer. Mas é um estudo rigoroso, cuidadoso, fundamentado. Como qualquer estudo sério, pode ser criticado: dificilmente no que respeita a tese central, com mais facilidade no que respeita o acessório. Mas para tanto seria necessária uma refutação igualmente sólida, e pelos vistos ninguém tem tempo, ou disponibilidade, ou energia ou competência para a elaborar. E quem tem competência acha, sem dúvida, que quando não se pode dizer mal é melhor não dizer nada.

E este contraditório faz falta: pela minha parte, gostaria de saber o que Vasco Pulido Valente, por exemplo, tem a dizer sobre a matéria.

sábado, 13 de novembro de 2010

O mito do self-made man

Aconteceu na América. No princípio, era o caçador que passava meses sozinho na floresta para de vez em quando voltar à cidade e vender as peles parcialmente curtidas dos animais que apanhara. Depois, as famílias que se aventuraram em pequenos grupos dum lado ao outro do continente, lutando sem auxílio de ninguém contra a natureza e contra as populações locais, para quem a noção da terra como propriedade privada era pura e simplesmente inconcebível. Mais tarde ainda, o cowboy,  herói da grande saga que constituiu a condução das grandes manadas de gado, ao longo de milhares de quilómetros, entre os ranchos do Sul e os centros de consumo a Norte. Como protagonista social relevante, o cowboy existiu apenas durante o curtíssimo período que mediou entre a formação das grandes explorações pecuárias e o estabelecimento das linhas férreas pelas quais o gado passou a ser transportado; e já antes disso a sua actividade começara a ser dificultada pelo arame farpado que lhe foi impedindo cada vez mais o caminho à medida que se multiplicavam as explorações agrícolas.

Toda esta gente precisava, para sobreviver, duma enorme independência de espírito e duma enorme capacidade de ultrapassar, sem ajuda organizada, as dificuldades que lhe fossem surgindo. Compreende-se, portanto, que a imagem que construíram de si próprios incluísse um grau de auto-suficiência muito superior ao que a realidade justificava.

O caçador de peles não poderia subsistir sem a base industrial que lhe fornecia uma boa parte dos instrumentos do seu ofício - por muito inventivo que fosse na fabricação de muitos outros. E muito menos subsistiria sem as cidades onde trocava as suas mercadorias pelas outras de que necessitava - cidades estas que não eram mercados espontâneos, mas sim sociedades organizadas politicamente. Os pioneiros tinham na sua retaguarda uma base industrial ainda mais complexa, que lhes fornecia as bigornas de ferreiro que levavam nas carroças, os aros das rodas, as armas e munições, os diversos produtos da indústria de curtumes, etc. E, se não eram tão independentes economicamente como imaginavam, também não o eram politicamente: quem se encarregou de o provar foram as suas mulheres e a contínua pressão que exerceram para que se formassem as instituições indispensáveis a uma sociedade organizada, ou seja, política: as igrejas, as escolas, as polícias, os tribunais, o Direito.

O self-made man não existe. Um Bill Gates que tivesse vivido numa caverna há dez mil anos nunca teria inventado o software que deu origem à Microsoft e à sua fortuna. Para Bill Gates chegar aonde chegou, foi necessário que incontáveis gerações trabalhassem para produzir a agricultura, a metalurgia, a escrita, a geometria, a matemática, a numeração árabe, o Direito codificado, a imprensa, os instrumentos ópticos, o contrato social em que se baseia o Estado moderno, a navegação, o comércio internacional e intercontinental, as academias, as sociedades científicas, as universidades, as bibliotecas , as estradas, as comunicações à distância, a electricidade e a electrónica - e muitas outras coisas, em tal número que não podem ser contadas.

Muitas destas coisas foram produzidas ou mantidas no âmbito daquilo a que se chama hoje sector privado; outras, no âmbito do sector público; mas a maior parte teve origem em sociedades e culturas em que a distinção entre público e privado nem sequer fazia sentido.

Por muito que o mérito individual de Bill Gates tenha sido condição necessária do seu êxito, não foi, nem de longe, condição suficiente. Ele próprio reconheceu este facto quando, ao doar grande parte da sua fortuna, declarou que estava simplesmente a restituir o que devia à sociedade (recordo-me bem do escândalo que esta declaração causou aos jovens puristas do neoliberalismo português).

Conheço, como toda a gente conhece, pessoas que correspondem grosso modo à noção vulgar de self-made man.  E estes exemplos poderão aparentemente justificar uma objecção ao que escrevi acima, nomeadamente: a minha definição é demasiado restrita; ninguém diz que o self-made man se faz sozinho.

Um dos problemas com esta objecção é que uma definição mais ampla seria inútil para os objectivos ideológicos da direita neoliberal; quem a usa com este objectivo usa-a no mesmo sentido restrito que eu pressuponho aqui. De alguém que se "faça a si próprio" com a ajuda da sua circunstância não se pode afirmar, racionalmente, que não deve nada a ninguém ou que os impostos que lhe são exigidos são um confisco.

Acresce que a ideia do self-made man é insultuosa para quem pretende elogiar: dizer que quem fez uma fortuna se fez a si próprio é dizer que um ser humano não é mais nem vale mais do que a sua fortuna. Mas se os próprios não se ressentem do insulto, porque me hei-de eu ressentir?

sábado, 6 de novembro de 2010

Uma coisa em forma de

Durante a Segunda Grande Guerra, certas ilhas da Melanésia que até então não tinham tido qualquer interesse comercial adquiriram subitamente valor estratégico. Tornaram-se bases militares. Construíram-se nelas aeroportos, instalaram-se nelas guarnições, importaram-se objectos que pudessem ser dados aos habitantes locais em troca de trabalho ou sexo ou simplesmente para os manter sossegados.

Os locais nunca tinham imaginado que estas riquezas pudessem existir, nem nunca tinham visto um avião ou um jipe. Observaram cuidadosamente os hábitos e os procedimentos dos recém-chegados, e concluíram, lógica mas erradamente, que se tratava de processos mágicos graças aos quais apareciam no mundo as facas e os machados em aço inoxidável, os tecidos, as contas coloridas e as bebidas alcoólicas destiladas.

Com o fim da guerra tudo isto desapareceu. E, para que voltasse a aparecer, havia que reproduzir os adereços mágicos que estavam na sua origem: aviões de bambu, jipes de bambu, torres de controlo de bambu.

Há consideráveis semelhanças entre os melanésios e os portugueses. Somos bons em reproduzir as formas das coisas. Não temos Estado, mas temos uma coisa em forma de Estado. Não temos mercado, mas temos uma coisa em forma de mercado. Temos umas coisas em forma de empresa que pagam aos seus trabalhadores uma coisa em forma de salário e os sujeitam a uma coisa em forma de avaliação - sendo que o artigo genuíno usado noutra paragens já não é, de si mesmo, grande espingarda. Mas exigem deles trabalho real, e em grande quantidade porque a qualidade é impossível: para o trabalho ter qualidade seria preciso que houvesse gestão e não uma coisa em forma de gestão.

A mesma coisa em forma de avaliação é aplicada - de forma ainda mais desvirtuada, se tal é possível - no sector público. Mas não faz mal: que mal tem sujeitar os juízes a uma coisa em forma de avaliação se tudo o que se pretende deles é uma coisa em forma de justiça? E aos professores, se tudo o que se lhes pede é uma coisa em forma de ensino?

E ai do juiz que queira fazer justiça genuína, ou do professor que queira ensinar genuinamente: será acusado de estar a invadir as competências daquela coisa em forma de governo que define em exclusivo a coisa em forma de bem público com que nos devemos contentar. Temos Portugal explicado: basta olhar para a imagem acima.



quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Lá como cá, há quem tenha saudades da ditadura

Muitas pessoas que comparam o capitalismo realmente existente com o comunismo abstracto que têm na cabeça preferem o capitalismo. É natural e é legítimo, especialmente se a sua noção abstracta de "comunismo" não incluir, desonestamente, as sociais-democracias do modelo escandinavo.

Surpreendente é que, entre as pessoas que tiveram a oportunidade de comparar pessoalmente o comunismo realmente existente com o capitalismo realmente existenteo consenso anti-comunista não seja tão alargado.

A nossa direita, tão escandalizada por Portugal ser "o único país da Europa" em que os votos somados do PC e do BE atingem os 20%, esquece-se de metade Leste da Europa, onde a preferência pelo comunismo nunca fica atrás dos 30% e chega a ultrapassar os 70%. Sim, até mesmo na ultra-conservadora e neoliberal Polónia.

Uma das razões que as pessoas inquiridas dão para não serem anti-comunistas é a mesma que dão em Portugal para não serem anti-salazaristas: o regime pode ter sido tirânico, mas só 6% dos inquiridos foram vítimas directas dessa tirania. Daí que não se sintam hoje pessoalmente mais livres do que eram antes; mas sentem-se menos seguras.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Nós é que não confiamos nos mercados

Os mercados tinham que confiar em nós. Para isso, exigiam-nos um orçamento que empobrecesse os cidadãos e reunisse o consenso dos partidos do bloco central.

Se não cumpríssemos, seríamos punidos com taxas de juros elevadas.

O orçamento da penúria está aí, tal como nos foi exigido. Mas as taxas de juro, em vez de descer, subiram.

E agora, Pedro? E agora, José?

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Seria pior se...

"O orçamento é mau, mas não haver orçamento seria ainda pior". Na lógica neoliberal, a liberdade é isto: basta que haja uma escolha. Mesmo que nos tenha sido imposta. Mesmo que a definição dos termos não tenha sido inocente. Mesmo que seja, cada vez mais, entre o mau e o pior.