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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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sábado, 5 de maio de 2012

Na Holanda

A saída do partido xenófobo de Geert Wilders da coligação governamental, por se opor ao Tratado de Estabilidade Europeu, levou a que os partidos do centro austeritário procurassem novas coligações que lhes permitissem prosseguir o processo em curso. O primeiro resultado desta nova coligação foi um anúncio de novas medidas de austeridade anti-laborais, tão brutais como as que estão a ser impostas no Sul da Europa.

Não é fácil sentirmo-nos movidos à solidariedade com os 99% holandeses, que vão sentir na pele o resultado destas políticas. Afinal, se muitos trabalhadores e contribuintes holandeses compraram a narrativa germânica que apresenta "a irresponsabilidade fiscal e a preguiça" dos povos do Sul como as causas da crise e a austeridade como a sua solução, foi porque não se deram ao trabalho de adquirir um mínimo de literacia económica que lhes permitisse pôr em causa a "verdade" oficial. Sentimo-nos tentados a olhar com Schadenfreude para o sofrimento que os holandeses vão suportar. A ideia da justiça poética é sedutora mesmo quando releva da mesquinhez.

A narrativa germânica é, como até alguns economistas neoliberais começam a reconhecer a contra-gosto, pura treta. A crise europeia é, como a americana, uma crise de procura, de más práticas financeiras em detrimento da economia real e de recursos desaproveitados, dos quais a expressão mais visível está nas altas taxas de desemprego. A sua causa não é, nem nunca foi, qualquer espécie de "regabofe" por parte das pessoas comuns ou de outras empresas que não fossem as financeiras. E se o "regabofe" dos governos contribuiu para ela, essa contribuição, além de ser apenas parcial, consistiu sobretudo no corporate welfare que beneficiou e continua a beneficiar as oligarquias. 

A solução, consequentemente, está na gestão mais flexível dos défices, na distinção clara entre despesas de consumo e despesas de investimento, no aumento dos investimentos públicos e em políticas de crescimento acordadas a nível europeu, mesmo que exijam alguma flexibilidade na gestão dos défices e da inflação. Tudo isto acompanhado, é claro, duma verdadeira austeridade: a austeridade que combate eficazmente a corrupção e o corporate welfare e separa o poder económico do poder político. 

A narrativa austeritária germânica só é possível politicamente porque os eleitores alemães beneficiaram do euro quando ele serviu para financiar o consumo no resto da Europa e continuam a beneficiar dele quando se transforma numa pistola apontada à cabeça dos outros governos e dos outros povos; e só é possível ideologicamente porque a Alemanha perdeu, com a expulsão dos judeus, toda uma elite intelectual da qual poderiam ter saído os economistas de estatura mundial que não tem e tanta falta lhe fazem. A Alemanha, e por arrasto o resto da Europa, está a portugalizar-se. Não reconhece nem valoriza outro pensamento económico que não seja uma espécie de mesquinhez neosalazarista que vê nos equilíbrios contabilísticos, e não no bem-estar das pessoas, o alfa e o ómega das teorias e das práticas económicas.

Não é de esperar que os eleitores holandeses compreendam isto, articulado nestes termos. Mas compreenderão muito bem, como já compreenderam os gregos e os franceses, que a austeridade recessiva é um poço do qual nunca mais será possível sair, e não um túnel com uma luz ao fundo. Que a crise económica europeia, com a "solução" proposta, não é uma crise, mas sim mais um passo num longo processo de decadência histórica. E que esta decadência está longe de ser inevitável. 

Se tomarmos como precedente os resultados esperados para as eleições de amanhã na Grécia e em França, podemos arriscar uma previsão sobre o que acontecerá em Setembro na Holanda: ganhos significativos para a extrema-direita soberanista e para a esquerda anti-austeritária, perdas significativas para o centro "salazarista" enfeudado a Berlim.

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