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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Ilegalizar John Maynard Keynes?

Os últimos três anos têm constituído, para os cidadãos mais informados, um verdadeiro curso acelerado de Economia Política. Conceitos de que nenhum leigo tinha ouvido falar, como short selling, crowding out, liquidity trap, derivativos tóxicos, subprime crisis, dívida soberana, são hoje utilizados, com maior ou menor propriedade, no debate público. Há uma mais alargada consciência do que propõem e do que distingue as diversas doutrinas económicas: classicismo, marxismo, neo-marxismo, escola austríaca, neoclassicismo, keynesianismo, neokeynesianismo, pós-keynesianismo, ordoliberalismo. E, bem ou mal, de modo mais racional ou mais impressionista, mais informado ou mais manipulado, o público vai formando as suas preferências.

A minha preferência é cada vez mais keynesiana, e tudo que se tem passado no mundo desde a crise do subprime me tem levado a reforçá-la. Mas nada me autoriza a atribuir ao keynesianismo um estatuto de "ciência dura", como a Física, relegando todas as outras doutrinas económicas para o limbo da pseudo-ciência, como o criacionismo. Não é assim que as coisas se passam nas Ciências Sociais. Se uma doutrina pertencente a este âmbito se torna hegemónica ou mainstream, esta hegemonia é quase de certeza temporária e pode ter mais a ver com circunstâncias extrínsecas - por exemplo, políticas - do que com a validade intrínseca das suas formulações.

Por maioria de razão me oporia a que o keynesianismo exigisse, ou a que lhe fosse concedida, qualquer espécie de legitimação oficial nas leis, nos tratados ou na Constituição de qualquer Estado. Consagrar assim uma doutrina económica equivaleria a ilegalizar todas as outras. Todos sabemos os horrores e as perversões que advieram quando o marxismo clássico - uma das mais grandiosas construções intelectuais e éticas da Humanidade - se tornou doutrina oficial em vários Estados.

Pois é esta mesma oficialização que está a ter hoje lugar com outra doutrina. A moda de constitucionalizar limites aos défices, à dívida pública ou à dívida externa começou na UE, com a Alemanha ao leme, e propagou-se aos EUA. Trata-se duma péssima ideia por várias razões: Primeiro, porque os valores fixados são arbitrários (Porquê 3% de défice e não 2 ou 4? Porquê 60% de dívida em relação ao PNB, e não 50 ou 70? Ninguém parece saber). Segundo, porque estes valores, e as políticas de austeridade a que obrigam, decorrem, como disse, duma determinada doutrina económica - o ordoliberalismo alemão - o que configura a ilegalização de facto de todas as outras doutrinas que com ela pudessem concorrer na arena das ideias. Em terceiro lugar porque é possível retirar o keynesianismo ou o neo-marxismo da ordem jurídica, mas é impossível eliminá-los da cabeça das pessoas e do debate público. E finalmente porque a constitucionalização de "regras de ouro" decorrentes duma doutrina económica específica, qualquer que ela seja, dificultará extraordinariamente às gerações vindouras a escolha livre de políticas económicas que decorram de outra doutrina com igual ou superior legitimidade intelectual.

Como escrevi acima, a minha aposta está nas políticas keynesianas. Não só porque entendo serem as mais desejáveis na conjuntura actual, mas porque me parece provável que vá crescendo um consenso social, e até académico, que veja nelas a mais viável alternativa ao austeritarismo perpétuo. Resta saber se essas políticas virão a tempo de se tratar de um keynesianismo benigno, como o que esteve na origem dos Trinta Anos Gloriosos do pós-guerra, ou se os sucessivos adiamentos apenas deixarão lugar ao keynesianismo maligno, militar, que foi a política económica dos nazis e que é hoje defendido com unhas e dentes por parte da extrema-direita Norte-Americana.

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