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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O fim do neoliberalismo?

"Volta, Karl Marx, estás perdoado:" foi com estas palavras, na interrogativa, que o pivot se dirigiu ao economista, na televisão. "Nem por sombras," respondeu o economista; e teria respondido da mesma maneira, sem dúvida, se o pivot soubesse quem era Keynes e o tivesse mencionado em vez de Marx.
O que é significativo (e seria impensável há um mês) é a pergunta ter sido feita. Significa que há muita gente a pensar que o "neoliberalismo" acabou. Não acabou, é claro: as ideologias nunca acabam, ficam simplesmente soterradas, quando caem os regimes políticos que serviram para legitimar, sob outras mais recentes e mais apropriadas ao novo regime.
Ora o "neoliberalismo" continua a ser, que eu saiba, a ideologia dominante mais recente. E o regime político que ele serve para legitimar (uma tirania plutocrática globalizada, formalmente democrática em certas regiões e abertamente autoritária noutras, que poderíamos descrever em termos económicos como um capitalismo pós-moderno; e que em termos políticos nada mais é do que a revolução triunfante duma oligarquia financeira mundializada, que faz as leis, aplica as leis e governa os países) está seguro nas suas bases: domina as universidades e os media, abre ou fecha a torneira do financiamento aos partidos políticos, dispõe da força militar.
Que este regime político está em crise, é evidente: mostram-no muito claramente estas últimas duas ou três semanas. Que esta crise tenha surpreendido alguns, era de esperar: por incrível que pareça, houve e ainda há quem acredite sinceramente na ideologia "neoliberal". Outros, e foram muitos, não ficaram surpreendidos: uns porque nunca tiveram o "neoliberalismo" noutra conta que não fosse uma ideologia bastante rudimentar, fabricada por encomenda nalgumas universidades e think tanks de modo a ter um verniz de cientificidade; outros, menos versados em Economia mas suficientemente atentos à realidade que os cerca, porque se dão conta há décadas das contradições entre o "neoliberalismo", por um lado, e por outro a tirania plutocrática que ele pretende legitimar.
Estas contradições são gritantes e são óbvias. A mais importante delas é aquele fenómeno a que até alguns neoliberais já chamam "socialialização dos custos, privatização dos proveitos". Para estes neoliberais, é claro, este fenómeno é uma aberração pontual que não afecta a doutrina geral nem as suas excelsas virtudes: mas o que a realidade nos mostra todos os dias, através de quase todos os actos quotidianos das empresas e dos governos, é que a "socialização dos custos, privatização dos proveitos", longe de ser um fenómeno localizado e aberrante, é a principal característica definidora do capitalismo pós-moderno.
Além desta contradição há centenas de outras, algumas das quais quase insignificantes se consideradas isoladamente, mas pesadíssimas no seu conjunto. Dou apenas uma como exemplo: por um lado a ideologia "neoliberal" decreta que todos os "agentes económicos" (o que incluiria tanto o capital, como o trabalho) devem ser completamente livres de actuar; mas por outro o capitalismo pós-moderno, ao mesmo tempo que dá ao capital total liberdade para transpor fronteiras, põe cada vez mais restrições a que o trabalho faça o mesmo. Às empresas, é permitido que se desloquem à vontade para onde os salários sejam mais baixos; mas as políticas de imigração, cada vez mais restritivas, não permitem que os trabalhadores se desloquem facilmente para onde os salários sejam mais altos.
As grandes empresas podem escapar facilmente à jurisdição do Estado-Nação; eu, e você que me está a ler, não podemos de todo.
O regime político globalizado está portanto, em crise, e essa crise é hoje óbvia até aos olhos dos mais distraídos. Mas estar em crise não significa estar a morrer. Se as contradições entre a ideologia e o regime político que ela procura legitimar conduzissem só por si, e rapidamente, ao fim deste, então o comunismo teria morrido no tempo de Lenine, e Estaline teria vivido toda a sua vida na Geórgia como um camponês abrutalhado e anónimo.
Desiludam-se, portanto, os que pensam que a oligarquia global se vai deixar apear do poder sem luta. Está encurralada, é certo, e numa crise profundíssima de legitimidade e de resultados: mas é precisamente isto que a torna mais perigosa.
Tanto o nazismo como o comunismo fizeram dezenas de milhões de mortos antes de serem derrotados. Quantos mortos fará a ditadura plutocrática que hoje governa a maior parte do planeta? Muitos, com certeza: ninguém renuncia voluntariamente ao poder depois de ter passado vinte anos a preparar, e mais trinta a executar, a revolução que lho pôs nas mãos. Para já, as vítimas da plutocracia ainda se contam por uns poucos milhões: nos sem-abrigo de Nova Iorque, nos desaparecidos e torturados dos regimes militares sul-americanos, nos mortos e mutilados das guerras civis africanas, nas baixas militares e civis da Coreia, do Vietname, do Iraque.
Uns poucos milhões de seres humanos a mais ou a menos: eis aqui um número insignificante. Não chega para que nenhum político ou banqueiro perca um minuto de sono. Nem chega para que as grandes massas telespectadoras do mundo suspeitem sequer de que alguma coisa se passa. Mas quando forem dezenas de milhões, como no caso do nazismo e do comunismo? Ou mesmo centenas de milhões? Em que valas comuns, com que fornos crematórios, conseguirão homens como Cheney e Rumsfeld, ou como os seus sucessores, fazer desaparecer tantos cadáveres?
Não, meus caros. Não estamos no fim do "neoliberalismo". Não estamos no fim do capitalismo pós-moderno. Estamos ainda no princípio, e o pior está para vir.

14 comentários:

Anónimo disse...

Ufa!! Que saudades.

Abraço do Paulo Prudêncio.

RioDoiro disse...

JLS:

"Que este regime político está em crise, é evidente:"

Não se preocupe muito. Com a derrocada das dot.com dizia-se o mesmo. Na próxima, ninguém se vai lembrar desta, muito embora se volte a anunciar a derrocada final.

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RioDoiro disse...

JLS:

"socialização dos custos, privatização dos proveitos"

Socialização: dinheiro (ou prejuízo) distribuído via impostos

Privatização: dinheiro (ou prejuízo) distribuído via empresas.

A não ser assim, porque terão os países "neoliberais" os melhores níveis de vida?

Prefiro receber pela via do meu trabalho que receber pela via do trabalho dos outros. Parece ser a primeira aquela capaz de criar mais riqueza, justamente aquele que, de vez em quando, se "desmorona". Veja lá se no Zimbabwe há este tipo de desmoronamento!

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Unknown disse...

"Estamos ainda no princípio, e o pior está para vir. "

Mais um profeta milenarista que berra a vinda dos 4 cavaleiros.
As profecias catastrofistas são sempre grátis e vendem bem.

Quando é que o Marx profetizava a o "fim do capitalismo"?
Ironicamente são as suas "ideias" que jazem na vala comum da História, pese embora a vénia saudosista dos seus fieis orfãos, cmo o articuliusta deste post que até inventa uma ideologia nova, o "neoliberalismo", espécie de homem de palha feito à medida para servir de bode expiatório.

Mas tem razão..o pior está para vir. Num futuro qq, um meteoro aterrará na Terra, um vulcão explodirá debaixo de alguém, o próprio sol esturricará o planeta.
Por culpa do "neolberalismo", claro.
A estupidez adensa-se..

Anónimo disse...

Caro Range-o-dente:
Com a derrocada das dot.com o regime esteve em crise mas não caiu. Com o descalabro financeiro do último mês está em crise, mas isso não significa que caia, pelo menos para já.
O que eu quero deixar claro é que a questão não é económica, mas política: vivemos hoje num regime plutocrático em que o poder de decidir sobre as vidas dos outros está nas mãos duma oligarquia financeira global. "Governo do povo, pelo povo e para o povo", hoje, só por piada de mau gosto.

Lidador:
Como é mais difícil argumentar com os estúpidos do que com os inteligentes, esta resposta não vai ser tão fácil de dar como a que dei ao Range-o-dente. O marxismo não está na vala comum nem no caixote do lixo da história pela simples razão que a história não tem caixotes do lixo nem valas comuns. Uma ideia, uma vez formulada, fica em cima da mesa para sempre.
Até o neoliberalismo, apesar de ser uma fabricação muito mais rudimentar do que o marxismo ou o keynesianismo, e para mais feita sob encomenda, ainda há-de ter daqui a cinquenta ou cem anos quem o defenda.
Quanto ao regime político que nos oprime (a plutocracia) e ao regime económico que o acompanha (o capitalismo financeiro pós-moderno) hão-de morrer, como morre tudo. A questão está em saber se no seu estertor se ficarão pelos milhões de mortos que já provocaram, ou se ainda vão causar dezenas de milhões (ficando assim a par com o fascismo e o estalinismo) ou se causarão centenas de milhões de mortos (batendo todos os recordes).
Aproveite a oportunidade e pegue numa arma: quando os tiranos estão cercados os ferrabrases fazem-se pagar bem.

RioDoiro disse...

JLS:

"Estas contradições são gritantes e são óbvias. A mais importante delas é aquele fenómeno a que até alguns neoliberais já chamam "socialialização dos custos, privatização dos proveitos"."

Meu caro, prefiro que o lucro seja distribuído por via privada que o prejuízo por via pública.

Prefiro que o lucro seja distribuído por via privada que por via pública.

Note que não nego que é fundamental o papel do estado no apoio dos que caem na fossa (com extremo cuidado).

Além do papel que me parece deva ser exclusivo do estado na defesa, segurança interna e justiça, estou disposto a encarar também um papel fulcral na saúde, mas não exclusivo.
Fora esses campos, o estado apenas e somente distribui prejuízo.

Quando um milionário ganha dinheiro, ele não coloca o cacau no colchão. Directamente ou indirectamente, ele coloca-o ao serviço do mundo. É verdade que como muito bem entender, mas ao serviço do mundo.

Ele pode comprar milhares de Ferraris, mas já viu a quantidade de milhares de pessoas que directamente ou indirectamente vivem à custa do luxo do gajo? Do mineiro ao polidor de estofos são milhares, provavelmente milhões (não exclusivamente, é claro, mas milhões).

Concordo que o sistema tal como está não é esteticamente interessante, mas não dedico nem um segundo a contemplar o sistema. Apenas o deixo funcionar, vivo com ele, e dedico-me à estética que mais me interessa.

O capitalismo é para mim uma ferramenta de trabalho, como é este teclado.

Que o capitalismo deve ter regras é verdade, mas regras que funcionem. Uma delas, é que os governos, os estados, não devem querer forçar o capitalismo a lógicas absurdas, como parece ter sido, mais uma vez, o caso.

La lógica caseira, lembro Cavaco Silva que, quando primeiro ministro, exortou os portugueses a alinhar no jogo da bolsa. Muitos desgraçados foram na conversa e lixaram-se.

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Unknown disse...

Meu caro, só por má-fé se pode definir o capitalismo como uma selva de intereses particulares das grandes multinacionais e patati patata, protegidos por uma plutocracia maldosa.

E uma tese idiota mas que o meu amigo parece subscrever, na orgia da cegueira deliberada.
Nenhum liberal sustenta a anarquia e a ausência de estado. O capitalismo só existe onde há estados de direito que estabeleçam as regras do jogo e garantam a sua aplicação.

A intervenção do estado em situaçõee excepcionais é normal e necessária. O que os ressabiados da falência do marxismo defendem agora, na vertigem da tolice, é que o Estado deve intervir na economia, não apenas em situações extraordinárias, como esta, mas sistemática e continuamente, para nossa suprema felicidade. Mutatis mutandis, é como sugerir que o estado de excepção, no qual os direitos individuais estão seriamente limitados, devia ser a forma usual de governar um país.

Tenha juízo e deixe lá o pobre do Marx na sua jazida de asneiras, que a História do séc XX foi ilustrativa.

Já agora, se não é pedir muito, esclareça lá essa história de que o "neoliberalismo" matou milhões de pessoas.
Concretize, porque estribilhos patetas não servem como argumento.

Anónimo disse...

Lidador, você parece que tem a ilusão de que está a viver num regime capitalista.

Não está: está a viver num regime neo-feudal que usa as teses neoliberais (fabricadas por encomenda por Milton Friedman e outros) para se auto-justificar, mas que não hesitará em deixá-las cair quando achar que lhe são mais prejudiciais que úteis.

Quantos mortos fez o neoliberalismo? Tantas quanto o marxismo, isto é: zero. As ideias não matam ninguém.

Agora se me perguntar quantos mortos fez o estalinismo, terei que falar em termos de dezenas de milhões. E se me perguntar quantos mortos já fez a oligarquia que hoje domina o mundo (a tal que procura legitimar-se recorrendo à ideologia neoliberal), terei que contabilizar as vítimas dos regimes autoritários na América Latina, os mortos nas guerras da Coreia e do Vietname e nas duas do Iraque, os sindicalistas fuzilados na China, as vítimas das oligarquias russas no período de anarquia que mediou entre a saída de Gorbachov e a subida ao poder de Putin.

Toda essa gente foi morta, torturada ou presa, directa ou indirectamente, em nome da "liberdade económica". Não faço a mínima ideia de quantos foram, e não penso que estejam por enquanto na casa das dezenas de milhões. Mas se esta oligarquia for igual às que a têm precedido, mais facilmente destruirá o mundo do que se deixará desalojar do poder.

Unknown disse...

Ah, já percebi a sua espantosa contabilidade.
O "estalinismo", não era o "verdadeiro marxismo"..presume-se que o "verdadeiro" é aquele que o meu caro amigo tem na cabeça.
Ou seja, nada do que corra mal ( e correu tudo mal) alguma vez será o "verdadeiro marxismo".
Bem, se quer ir por aí, então nada do que correu mal foi o "verdadeiro nazismo", o "verdadeiro islamismo", o verdadeiro isto e aquilo.
Se a verdade não está na realidade, mas algures no interior da cabeça de quem postula, a realidade pouco interessa.

A sua contabilidade das "vítimas do neoliberalismo" é um monumento à inanidade. Ou seja, se houver uma guerra entre um país capitalista e um país comunista, os mortos são vítimas do "neoliberalismo".
Se a Coreia do Norte invade a Coreia do Sul, pela mão do ex-major do Exército Soviético, Kim Il-Sung, e a malta lhe dá combate, os mortos são "vítimas do neliberalismo"~

Se o camarada Che anda aos tiros na selva da Bolívia, e é morto pelos bolivianos, é "uma vítima do neoliberalismo"

Tem razão...com essa contabilidade, o "neoliberalismo" está apto a arcar com as culpas todas. E abre-se todo um mundo de possibilidades, toda as mortes na história do homem, feita de guerras constantes pelos mais variados motivos, podem ser reduzidas à condição de "vítimas do neoliberalismo".
Incluindo as mortes por afogamento, por cancro na próstata, por acidente, por ataque cardíaco, etc,etc.
O "neoliberalismo" é do caraças.

Quanto às vítimas do comunismo, a contabilidade, para sua infelicidade é mais concreta e definida.
Foram mortas 100 milhões de pessoas, directamente, deliberadamente, por repressão, por medo.
Sabe o que foi o Terror Vermelho, de Lenine?
As Purgas de Mao?

Sabe, claro, mas prefere assobiar para o ar e berrar que vem aí o "neoliberalismo"

A realidade pouco diz a quem vive enclausurado num ninho de cucos.

Anónimo disse...

Lidador:

O verdadeiro marxismo é o que Marx tinha na cabeça - o que devia ser óbvio, até para si.

O verdadeiro neoliberalismo é o que Friedman e os "Chicago Boys" tinham na cabeça. Isto também é óbvio.

A diferença está em que Estaline não encomendou a Marx o marxismo, enquanto a oligarquia que nos governa encomendou e pagou o neoliberalismo de Friedman.

Conclusão inevitável: Marx não tem culpa nenhuma dos crimes de Estaline, mas Friedman tem culpas, e graves, nos crimes de Pinochet.

Unknown disse...

" a oligarquia que nos governa encomendou e pagou o neoliberalismo de Friedman."

É...foi a "oligaquia". Provavelmente os Templários, escondidos em Agharta, com um pé na Ultima Thule.
Deixe-se de teorias da conspiração. Pela foto no seu blogue, já tem idade para ter juízo. Se precisa de um Deus ou um Demónio para justificar tudo aquilo que não lhe agrada no universo, faça como o comunista Roger Garaudy: converta-se ao islamismo.

Quanto ao que Marx tinha na cabeça, talvez isto ateste o "verdadeiro marxismo":
"como será possível “desembaraçarmo-nos dessas populaças moribundas, os boémios, os caríntios, os dálmatas, etc” (Marx, 1852“Revolução e Contra-Revolução”, Neue Rheinischer Zeitung)

Deve ser esse o "verdadeiro marxismo, que está na cabeça de Marx)


(1852, na mesma revista)

Unknown disse...

Quanto a Friedman, Prémio Nobel da Economia, um dia que decida sair do labirinto, leia "Liberdade para Escolher"

Já agora, outro assunto, que acha do "cheque-ensino"?

Luís Oliveira disse...

Tem que aparecer no Fiel Inimigo, vai encontrar almas gémeas entre os comentaristas de serviço.

Anónimo disse...

Não sou economista e portanto não sei se o prémio Nobel atribuído a Friedman foi justo ou injusto. Sei, sim, que hoje estão bem documentadas as ligações de Friedman a governos, instituições, empresas e indivíduos muito pouco recomendáveis; que dedicou mais do seu tempo e esforço à acção política e à propaganda do que à actividade académica; e que hoje anda uma polémica enorme na Universidade de Chicago porque há gente a querer fundar, sob a égide desta instituição, um centro de estudos com o nome de Friedman (no qual só terá voz quem contribuir com pelo menos um milhão de dólares). Os opositores a este projecto, que já são a maioria dos professores (entre os quais vários galardoados com o prémio Nobel) temem que se ele for para a frente isto afecte a reputação académica e a credibilidade da Universidade.
Marx está morto, Keynes está morto, Friedman está morto. Como as ideias nunca morrem, qualquer dos três se pode "levantar da campa" a qualquer momento. Até pode ser que o primeiro a levantar-se seja Friedman, mas neste momento, se abrirem as apostas, ponho o meu dinheiro em Keynes.