Julgava eu, na minha iliteracia, que a vulgata neo-liberal era o state of the art em Economia: um consenso que unia não só os políticos modernaços, os yuppies, os jornalistas económicos, os empresários espertalhões, os governadores dos bancos centrais, o FMI, a OMC e os bloggers d'O Insurgente - mas também, com algumas excepções, os economistas académicos mais credenciados das universidades mais reputadas.
Ora isto sempre me fez espécie. Como podem vozes tão autorizadas (umas menos autorizadas que outras, é certo) falar nas virtudes da desigualdade económica sem nunca mencionar ao menos um critério para aferir o grau óptimo dessa desigualdade? Como ousam deixar implícito que toda a desigualdade é boa, e quanto mais, melhor? Como podem deixar por examinar a correlação, se a há, entre desigualdade económica e desigualdade política? Como podem ignorar as diferenças entre criação de riqueza (se é que isto existe), produção de riqueza, aquisição de riqueza e conservação da riqueza?
Porque é que se vestem de políticos (ou até de filósofos morais) quando falam de economia, e de economistas quando falam de política?
Porque é que apresentam as leis do mercado como leis naturais e ao mesmo tempo como leis morais? A gravidade é uma lei natural, que funciona em qualquer caso e não precisa de ser respeitada; a proibição do homicídio é uma lei moral, que só funciona se for respeitada; a mim parece-me, na minha iliteracia económica, que entre as duas coisas há uma diferença decisiva; mas os neoliberais dizem-me que tenho que respeitar, como se fossem morais, as leis naturais do mercado.
Exigir duma pessoa, ou duma sociedade, que defenda e respeite leis naturais é uma posição que me cheira a pensamento mágico. Mas isto é, certamente, a minha iliteracia a falar.
Pois bem, afinal parece que há economistas fora da classe sacerdotal que referi acima. Gente que faz as mesmas perguntas que os não iniciados, como as que têm a ver com a existência ou inexistência dum grau óptimo de desigualdade económica, com a melhor maneira de lidar politicamente com as plutocracias, com a questão de saber se o bem comum coincide ou não inteiramente com a prosperidade económica. Alguns deles - e estou a falar aqui de world class players - estão no Financial Times Economists' Forum, onde discutem, em linguagem que se entende, muitas das questões que os iletrados como eu não encontram sequer mencionadas na vulgata.
(Via Ladrões de Bicicletas)
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4 comentários:
Luís, obrigado pelo simpático comentário.
Vou estar de olho no seu blog porque para além de boas ideias tem excelentes sugestões de leitura.
abraço
«criação de riqueza (se é que isto existe)»
????
«mas os neoliberais dizem-me que tenho que respeitar, como se fossem morais, as leis naturais do mercado.»
Não são morais. São a realidade. A realidade não é moral. Nós é que somos. O que os "anti-liberais" propagam é que as leis "naturais" do mercado não existem porque dependem da nossa vontade. Sem ser mentira, também não é verdade.ós conseguimos vencer a lei da gravidade, mas isso não quer dizer que não exista e que a devamos ignorar. "Não é possível manter um avião a voar eternamente".
A sua análise está na linha de outros críticos que acham que os liberais se conformam com a realidade e que mais vale a pena não contrariar as (por vezes cruéis) leis do mercado. Aceiro a crítica, mas ignorar as forças do mercado pode ser ainda mais perigoso do que o laissez faire.
Caro tarzan, concordo consigo: as leis do mercado não são morais, são a realidade. Por isso é que não temos nada que as "respeitar" nem que lhes "obedecer": temos apenas que as conhecer e ter em conta, como fazemos com a lei da gravidade.
E quanto melhor as conhecermos e tivermos em conta, tanto melhor as poderemos utilizar para prosseguir os nossos objectivos - que são, estes sim, morais e políticos.
Travar o mercado é como travar um rio: eu sei que não posso evitar que o Douro desague no mar, mas posso perfeitamente fazer nele barragens que o disciplinem, evitando as cheias e produzindo energia.
Então estamos mais próximos do que eu depreendi do seu post.
Saudações
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